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domingo, 22 de outubro de 2017

TEXTO LITERÁRIO: COMO UM TRAPEZISTA DE CIRCO(CAPITÃES DE AREIA) - JORGE AMADO - COM GABARITO

COMO UM TRAPEZISTA DE CIRCO

    Fora demasiada audácia atacar aquela casa da rua Rui Barbosa. Perto dali, na praça do Palácio, andavam muitos guardas, investigadores, soldados. Mas eles tinham sede de aventura, estavam cada vez maiores, cada vez mais atrevidos. Porém havia muita gente na casa, deram o alarme, os guardas chegaram. Pedro Bala e João Grande abalaram pela ladeira da Praça. Brandão abriu no mundo também. Mas o Sem-Pernas ficou encurralado na rua. Jogava picula com os guardas. Estes tinham se despreocupado dos outros, pensavam que já era alguma coisa pegar aquele coxo. Sem-Pernas corria de um lado para outro da rua, os guardas avançaram. Ele fez que ia escapulir por outro lado, driblou um dos guardas, saiu pela ladeira. Mas em vez de descer e tomar pela Baixa dos Sapateiros, se dirigiu para a praça do Palácio. Porque Sem-Pernas sabia que se corresse na rua o pegariam com certeza. Eram homens, de pernas maiores que as suas, e além do mais ele era coxo, pouco podia correr. E acima de tudo não queria que o pegassem. Lembrava-se da vez que fora a polícia. Dos sonhos das suas noites más. Não o pegariam e enquanto corre este é o único pensamento que vai com ele. Os guardas vêm nos seus calcanhares. Sem-Pernas sabe que eles gostarão de o pegar, que a captura de um dos Capitães da Areia é uma bela façanha para um guarda. Essa será a sua vingança. Não deixará que o peguem, não tocarão a mão no seu corpo. Sem-Pernas os odeia como odeia a todo mundo, porque nunca pôde ter um carinho. E no dia que o teve foi obrigado a abandonar porque a vida já o tinha marcado demais. Nunca tivera uma alegria de criança.
        Se fizera homem antes dos dez anos para lutar pelo mais miserável das vidas: a vida de criança abandonada. Nunca conseguira amar ninguém, a não ser a este cachorro que o segue. Quando os corações das demais crianças ainda estão puros de sentimentos, o do Sem-Pernas já estava cheio de ódio. Odiava a cidade, a vida, os homens. Amava unicamente o seu ódio, sentimento que o fazia forte e corajoso apesar do defeito físico. Uma vez uma mulher foi boa para ele. Mas em verdade não o fora para ele e sim para o filho que perdera e que pensava que tinha voltado. De outra feita outra mulher se deitara com ele numa cama, acariciara seu sexo, se aproveitara dele para colher migalhas do amor que nunca tivera. Nunca, porém, o tinham amado pelo que ele era, menino abandonado, aleijado e triste. Muita gente tinha odiado. E ele odiara a todos. Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam. Para ele é este homem que corre em sua perseguição na figura dos guardas. Se o levarem, o homem rirá de novo. Não o levarão. Vem em seus calcanhares, mas não o levarão. Pensam que ele vai parar junto ao grande elevador. Mas Sem-Pernas não para. Sobe para o pequeno muro, volve o rosto para os guardas que ainda correm, ri com toda a força do seu ódio, cospe na cara de um que se aproxima estendendo os braços, se atira de costas no espaço como se fosse um trapezista de circo.
        A praça toda fica em suspenso por um momento. “Se jogou”, diz uma mulher, e desmaia. Sem-Pernas se rebenta na montanha como um trapezista de circo que não tivesse alcançado o outro trapézio. O cachorro late entre as grades do muro.
                                      Jorge Amado. Capitães de areia. São Paulo:
                                                Companhia das letras, 2009. p. 242-3.

Abalar: fugir.
Picula: pega-pega (brincadeira infantil).

Interpretação do texto:

1 – Nessa narrativa, as personagens são nomeadas só por seus apelidos. Dê sua opinião: que motivo pode ter levado o escritor a nomear as personagens com apelidos?
      Resposta pessoal do aluno.

2 – Segundo o narrador, qual a origem do ódio que Sem-Pernas nutre contra tudo e todos?
      A origem está no fato de ele ter sido uma criança abandonada.

3 – De que maneira Sem-Pernas “se vinga” do mundo?
      Cometendo suicídio diante da polícia e dos transeuntes.

4 – A partir da linha 7, o texto se concentra em uma personagem. O que tem isso a ver com o título do capítulo?
      O capítulo concentra-se no suicídio de Sem-Pernas, que se lança do alto da cidade como um trapezista.

5 – Existe uma ironia entre o título do capítulo e a personagem Sem-Pernas. Explique.
      A ironia está no fato de um adolescente aleijado comportar-se como trapezista.

6 – Releia esta passagem do texto, quando Sem-Pernas pensa nos policiais que o perseguem: “Eram homens, de pernas maiores que as suas [...]”. Se retirarmos a vírgula da frase (Eram homens de pernas maiores que as suas...), ocorre alguma alteração de sentido? Explique.
      Sim. A vírgula garante a oposição criança-homens. Sem a vírgula, o garoto estaria se incluindo na condição de homem (adulto).

7 – Na cidade onde você mora há crianças de rua? Existe algum programa social de amparo a essas crianças? Discuta o assunto com os colegas.
      Resposta pessoal do aluno.




quarta-feira, 6 de setembro de 2017

TEXTO: CONQUISTADOR DA TERRA -JORGE AMADO(TERRAS DO SEM FIM) - COM GABARITO

TEXTO LITERÁRIO– CONQUISTADOR DA TERRA
                                       JORGE AMADO

        A manhã de sol dourava os cocos ainda verdes dos cacaueiros. O coronel Horácio ia andando devagar entre as árvores plantadas dentro das medidas estabelecidas.
        Aquela roça dava seus primeiros frutos, cacaueiros jovens de cinco anos. Antes ali também fora a mata, igualmente misteriosa e amedrontadora. Ele a varara com seus homens e com o fogo; com os facões, os machados e as foices, derrubou as grandes árvores, jogou para longe as onças e as assombrações. Depois fora a plantio das roças, cuidadosamente feito, para que maiores fossem as colheitas.
        E, após cinco anos, os cacaueiros enfloraram e nessa manhã pequenos cocos pendiam dos troncos e dos galhos. Os primeiros frutos. O sol os doirava, o coronel Horácio passeava entre eles.
   
        Tinha cerca de cinquenta anos e seu rosto, picado de bexiga, era fechado e soturno. As grandes mãos calosas seguravam o fumo de corda e o canivete com que faziam o cigarro de palha. Aquelas mãos, que muito tempo manejaram o chicote quando o coronel era apenas um tropeiro de burros, empregado de uma roça no Rio do Braço, aquelas mãos manejaram depois a repetição quando o coronel se fez conquistador da terra.
        Corriam lendas sobre ele. Nem mesmo o coronel Horácio sabia de tudo que em Ilhéus e em Tabocas se contava sobre ele e sua vida. As velhas beatas que rezavam a São Jorge, na igreja de Ilhéus, costumavam dizer que o coronel Horácio tinha, debaixo da sua cama, o diabo preso numa garrafa. Como o prendera era uma história longa, que envolvia a venda da alma do coronel num dia de temporal. E o diabo, feito servo obediente, atendia a todos os desejos de Horácio, aumentava-lhe a fortuna, ajudava-o contra os seus inimigos. Mas um dia – e as velhas se persignavam ao dizê-lo – Horácio morreria sem confissão, e o diabo, saindo da garrafa, levaria a sua alma para as profundas dos infernos. Dessa história o coronel Horácio sabia e ria dela, uma daquelas sua risadas curtas e secas, que amedrontavam mais que seus gritos nas manhãs de raiva.

                      Jorge Amado. Terras do sem fim, 21ª edição, pag. 51.
                                                       Editora Martins, São Paulo, 1968.

1 – O ambiente físico onde se encontra o personagem é:
      (   ) A cidade.            (X) A roça.         (   ) A mata.

2 – Por que a mata era amedrontadora?
      Por causa das onças e das assombrações.

3 – O coronel Horácio “jogou para longe as onças e as assombrações”. O que fez para isso?
      Derrubou a mata e limpou o terreno.

4 – Que tinha sido Horácio antes de se tornar dono daquela terra e patrão poderoso?
      Tropeiro de burros, empregado de uma roça no Rio do Braço.

5 – Por que o autor chama o coronel Horácio de conquistador da terra?
      Porque para tornar produtiva aquele pedaço de terra teve de lutar contra seus inimigos e dominar a natureza bravia.

6 – Assinale as afirmações verdadeiras com relação aos cacaueiros de que se fala no texto:
      (   ) Eram árvores nativas da região, isto é, não plantadas pelo homem.
      (X)  Eram cacaueiros novos, iam dar a primeira safra.
      (   ) Ainda não tinham frutos, mas só flores.
      (X)  Estavam carregados de cocos maduros, amarelo-ouro.
      (X)  Foram plantados em terreno desmatado e de acordo com as técnicas agrícolas.

7 – Assinale as afirmações verdadeiras relativamente ao coronel Horácio:
      (   ) Seu rosto inspirava simpatia e bondade.
      (X)  Era um homem decidido, frio e corajoso.
      (X)  Tinha fama de homem mau.
      (   ) Não tinha inimigos.
      (   ) Tímido, sem ambições, não progrediu na vida.

8 – Segundo a lenda, que pacto fez o coronel como diabo?
      Vendeu a alma ao diabo, o qual, em troca, atendia a todos os desejos de Horácio, aumentava-lhe a riqueza e ajudava-o contra os inimigos.

9 – Releia o último parágrafo e diga porque “as velhas se persignavam”?
      De horror e para que Deus as livrasse de tal desgraça.

10 – Que é “morrer sem confissão”?
      É morrer sem confessar os pecados ao padre, morrer em pecado mortal.

11 – Assinale a única afirmação certa relativamente a Ilhéus:
      (   ) Cidade que deve o seu progresso à indústria açucareira.
      (   ) Cidade do interior da Bahia.
      (X)  O maior centro cacaueiro do Brasil.
      (   ) Só exporta cacau para outros Estados do Brasil, a fim de atender ao consumo interno.


terça-feira, 2 de maio de 2017

GABRIELA, CRAVO E CANELA - JORGE AMADO -(FRAGMENTO) COM GABARITO

GABRIELA, CRAVO E CANELA
Jorge Amado

        Só Gabriela parecia não sentir a caminhada, seus pés como que deslizando pela picada muitas vezes aberta na hora a golpes de facão, na mata virgem. Como se não existissem as pedras, os tocos, os cipós emaranhados. A poeira dos caminhos da caatinga a cobrira tão por completo que era impossível distinguir seus traços. Nos cabelos já não penetrava o pedaço de pente, tanto era pó se acumulara. Parecia uma demente perdida nos caminhos. Mas Clemente sabia como ela era deveras e o sabia em cada partícula de seu ser, na ponta dos dedos e na pele do peito. Quando os dois grupos se encontraram, no começo da viagem, a cor do rosto de Gabriela e de suas pernas era ainda visível e os cabelos rolavam sobre o cangote, espalhando perfume. Ainda agora, através da sujeira a envolve-la, ele a enxergava como a vira no primeiro dia, encostada numa árvore, o corpo esguio, o rosto sorridente, mordendo uma goiaba.
        --- Tu parece que nem veio de longe...
        Ela riu:
        --- A gente tá chegando. Tá pertinho. Tão bom chegar.
        Ele fechou ainda mais o rosto sombrio:
        --- Num acho não.
        --- E por que tu não acha? – levantou para o rosto severo do homem seus olhos ora tímidos e cândidos, ora insolentes e provocadores. – Tu não saiu para vir trabalhar no cacau, ganhar dinheiro? Tu não fala noutra coisa.
        --- Tu sabe por quê – resmungou ele com raiva. – Pra mim esse caminho podia durar a vida toda. Num me importava...
        No riso dela havia certa mágoa, não chegava a ser tristeza, como se estivesse conformada com o destino:
        --- Tudo que é bom, tudo que é ruim também termina por acabar.
        Uma raiva subia dentre dele, impotente. Mais uma vez, controlando a voz, repetiu a pergunta que lhe vinha fazendo pelo caminho e nas noites insones:
        --- Tu não quer mesmo ir comigo pras matas? Botar uma roça, plantar cacau junto nós dois? Com pouco tempo a gente vai ter roçado seu, começar a vida.
        A voz de Gabriela era cariciosa mas definitiva:
        --- Já te disse minha tenção. Vou ficar na cidade, não quero mais viver no mato. Vou me contratar de cozinheira, de lavadeira ou pra arrumar casa dos outros...
        Acrescentou numa lembrança alegre:
        --- Já andei de empregada em casa de gente rica, aprendi cozinhar.
        --- Aí tu não vai progredir. Na roça, comigo, a gente ia fazendo seu pé-de-meia, ia tirando pra frente...
        Ela não respondeu. Ia pelo caminho quase saltitante. Parecia uma demente com aquele cabelo desmazelado, envolta em sujeira, os pés feridos, trapos rotos sobre o corpo. Mas Clemente a via esguia e formosa, a cabeleira solta e o rosto fino, as pernas altas e o busto levantado. Fechou ainda mais o rosto, queria tê-la com ele para sempre. Como viver sem o calor de Gabriela?

    AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela. São Paulo, Martins, s.d. p. 82-3.

Cangote: nuca.
Insolente: atrevido, ousado, arrogante.
Tenção: intenção, plano.

1 – O que fazia com que Gabriela parecesse uma “demente perdida nos caminhos”?
       O fato de ela estar toda suja, coberta pela poeira da caatinga.

2 – Os olhos de Gabriela são reveladores de algumas de suas características. Que características são essas? Responda, utilizando substantivos abstratos.
       Candura, timidez, insolência e provocação.

3 – Por que Clemente sentia raiva?
       Porque Gabriela não queria ficar com ele no campo: ela queria mesmo era tentar a vida na cidade.

4 – Transcreva do texto as expressões que demonstram a sensualidade de Gabriela.
       “Os cabelos rolavam sobre o cangote, espalhando perfume”; “o corpo esguio”; “A voz de Gabriela era cariciosa”; “Clemente a via esguia e formosa, a cabeleira solta e o rosto fino, as pernas altas e o busto levantado”.