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sábado, 6 de julho de 2024

AUTOBIOGRAFIA: "O ARCO-ÍRIS" - FREI BETTO - COM GABARITO

 Autobiografia: O ARCO-ÍRIS”

                        Frei Betto.

        Debruçado no chão, abri o álbum de desenhos vazados que ganhara de aniversário, derramei em volta a caixa de lápis de cor e, em fúria policrômica, preenchi de cores que sugeriam bichos, nuvens, semáforos e paisagens campestres. As cores fortes, como o vermelho e o roxo, expressavam com maior nitidez a ênfase criativa que me inundava o peito. Rompi os limites das gravuras e aqueles que a própria natureza impôs à sua harmonia, pintando as montanhas de violeta e as estradas de azul.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirz6EUDUXq6vzUGnrN6u68tEKNOM_bimueDN2DDXSH4jWxy3mvUiPjhCNPqPUqW448SGoX6ve5pEG_NbBAhbsvee1WbLSs47RJJxoBtrq99nhG80jx06PXSit2ylJmZudYRgn6gwZAkFNzyGsx1QkreZUKO3Gx0hoHxlquvdqjBAAo-y2nCgWdoDKs2Qc/s320/freibetto12.jpg

        Findo o álbum, peguei folhas de rascunho na escrivaninha do papai, deitei-me na copa e, absorto, entreguei-me ao delírio, traçando arcos e linhas, curvas e hipérboles, círculos e triângulos, retorcendo a geometria e enlouquecendo o próprio Euclides, caso visse aquilo.

        Desenhar eu nunca soube. Jamais tive o domínio da forma das mãos. Nem o olho da perspectiva. Em compensação, o mundo coloria-se através dos meus dedos, que subvertiam a estética divina, pintando as árvores de vermelho, o oceano de amarelo, o céu de marrom, o sol de azul. Enchia folhas e folhas com linhas esdrúxulas, perfis surreais, astros impressionistas, cujos significados só existiam em meu espírito.

        Reproduzi o arco-íris que coroava os céus de Belo Horizonte na época das chuvas, mapeando tesouros inidentificáveis. Estiquei paralelamente os traços de cores variadas, até gastar a ponta dos lápis. Não coube nas folhas espalhadas pelo chão da copa. Prossegui sobre o piso de cerâmica e subi parede afora. Todos os tons de minha caixa estavam representados naquele borrão forte, espectro de serpente alada.

        Mamãe deu um suspiro ao entrar na copa. Por um momento, acometeu-me a dúvida se de admiração ou indignação recobrada a fala, deserdou-me em zangas. Correu a molhar o pano na torneira da pia e obrigou-me a limpar a parede e o chão. Fiquei inconsolável. Aquilo era uma obra de arte, que me exigira esforço e criatividade. Só não merecia reconhecimento porque eu era criança. 

        Ao preparar-me para limpar “essa sujeirada”, como exclamou minha mãe, adentrou meu pai, vindo do trabalho. Espantou-se ao ver o filho, sob o olhar severo da mulher, esfregando na parede o pano de chão. Meteu-se em nossa discussão, inteirou-se do motivo, contemplou o que restava do meu arco-íris. 

        -- Uma beleza, meu filho! – reconheceu para desagrado de minha mãe. – Vamos deixar aí para que todos possam apreciar.

        Irritada, minha mãe bateu boca com meu pai sobre o modo de educar os filhos. (Teria gostado que me consultassem, mas isso estava fora de cogitação, uma vez que todos os adultos se julgam mais sábios que as crianças). Contudo, enchi-me de orgulho com o arco-íris exposto na copa.

        Cecília, minha mãe, também olhou e, virando o rosto, encaretou-se, como quem se depara com uma porcaria. Não me importei, sabia que as mulheres nada entendiam de obra de arte. Nunca ouvira papai citar uma mulher artista. Ele só falava em pintores: Di Cavalcanti, Portinari, Marcier, Guignard, Segall, Velázquez, Cézanne, Matisse, Van Gogh e outros.

        Meu pai levou-me, um par de dias depois, a uma galeria de arte. Um amigo dele expunha pinturas abstratas. Vi lá borrões muito piores do que os meus. Mas ninguém ousou pedir ao artista que apagasse aquilo. Pelo contrário, todos o cobriam de sorrisos e cumprimentos elogiosos.

        No Natal, ganhei uma aquarela. Uma cartolina branca em forma de paleta, com um arco de botões de múltiplas cores na borda, dois pincéis finos e um copinho de cerâmica para pôr água. Revesti as paredes da garagem de obras, se perenizadas como as pinturas rupestres, possivelmente me garantiriam ao menos o reconhecimento da posteridade. Contudo, levei boas palmadas de papai quando, ao sair do banho, encontrou-me estirado em sua cama, aquarela em punho, transformando em estampado o lençol branco. Desta vez, ele concordou com o desgosto artístico de minha mãe.

FREI BETTO. Alfabeto: Autobiografia escolar. São Paulo: Ática, 2002, p. 48-50.

Entendendo a autobiografia:

01 – Qual foi a reação inicial da mãe de Frei Betto ao ver a parede e o chão da copa pintados?

      A mãe de Frei Betto ficou indignada e zangada ao ver a parede e o chão da copa pintados. Ela o obrigou a limpar tudo imediatamente.

02 – Como o pai de Frei Betto reagiu ao ver a obra de arte na copa?

      O pai de Frei Betto ficou impressionado e reconheceu a beleza da obra, decidindo deixá-la para que todos pudessem apreciar, apesar do desagrado da mãe.

03 – Quais artistas o pai de Frei Betto mencionava frequentemente?

      O pai de Frei Betto mencionava frequentemente artistas como Di Cavalcanti, Portinari, Marcier, Guignard, Segall, Velázquez, Cézanne, Matisse e Van Gogh.

04 – Como Frei Betto se sentiu quando sua mãe pediu para ele limpar a parede e o chão?

      Frei Betto ficou inconsolável, pois considerava sua obra uma verdadeira arte que exigira muito esforço e criatividade.

05 – Qual presente Frei Betto recebeu no Natal e como ele o usou?

      No Natal, Frei Betto recebeu uma aquarela. Ele usou a aquarela para revestir as paredes da garagem com suas obras de arte.

06 – Qual foi a reação do pai de Frei Betto quando encontrou a cama pintada?

      O pai de Frei Betto ficou zangado e concordou com o desgosto artístico da mãe, dando-lhe boas palmadas.

07 – O que motivava a criatividade de Frei Betto ao pintar?

      Frei Betto era movido por uma fúria policrômica e uma ênfase criativa que inundava seu peito, levando-o a preencher os desenhos com cores intensas e subverter a estética convencional.

08 – Como Frei Betto via suas próprias habilidades de desenho?

      Frei Betto reconhecia que não sabia desenhar bem, mas compensava isso com sua habilidade de colorir o mundo através de seus dedos de forma criativa e subversiva.

09 – Como Frei Betto percebia a arte das mulheres em comparação com a dos homens?

      Frei Betto percebia que as mulheres não eram reconhecidas como artistas, já que nunca ouvira seu pai mencionar uma mulher artista, e isso influenciava sua visão de que as mulheres não entendiam de arte.

10 – Qual foi a experiência de Frei Betto ao visitar uma galeria de arte com seu pai?

      Ao visitar uma galeria de arte com seu pai, Frei Betto viu pinturas abstratas que considerava piores que as suas, mas percebeu que essas obras eram elogiadas e reconhecidas, ao contrário das suas.

 

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