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quarta-feira, 5 de março de 2025

CONTO: COMO SER RUIM NO FUTEBOL - MARCELO COELHO - COM GABARITO

 Conto: Como ser ruim no futebol

            Marcelo Coelho

        Eu estava na terceira série. E minha escola era muito tradicional. Antiquada.

        Para você ter ideia: no recreio, não deixavam a gente correr no pátio. Futebol, também não podia. Não podia nada. Quando tocava o sinal par acabar o recreio, a gente era obrigado a formar fila. Daí tocava outro sinal, para a fila começar a andar. Parecia coisa de exército.

 FONTEhttps://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkSu6cqWyz3xwaAhdA8qKI8OPCe1j1q4fhigwGK0S3H4f4js1jgxPNDmIx3i0y2dgdYEDrPwDlwKTValfbGlmFfT2Nrb5VPLmBP8Rka6RtImiCwMAfEM9I02TjIUEeWuXW06c58p90PbC_ymdjR3z4CENn7xARnFiRqnHh41jBkf402hG5AuSbfjan0co/s320/FUTEBOL.jpg


        Com toda essa chatice, minha escola tinha uma vantagem.

        É que eu era bom aluno. O primeiro da classe. E todo mundo achava legal.

        O aluno bonzinho tinha prestígio na escola. Quanto mais bonzinho, mais amigo dos outros. As meninas queriam que eu fosse namorado delas.

        Um dia, meus pais acharam melhor que eu mudasse de escola. A minha era muito antiquada mesmo. Achei bom.

        Fui para uma escola mais legal. Não precisava usar uniforme. A gente não tinha de chamar a professora de “dona”. Era “tia”, “você”. Muito mais moderno.

        Mas eu acabei sofrendo um pouco com essa mudança. Eu estava acostumado a ser o “bonzinho”, o primeiro da classe, o cê-dê-efe. De repente eu entrei num mundo diferente. Ser o “bonzinho” era ser um idiota. Ser o primeiro da classe pegava mal. Ficaram achando que eu era puxa-saco da professora. Bom, um pouco eu era mesmo.

        Todos os meninos da escola nova sabiam jogar futebol. Na minha escola não se jogava. Eu era péssimo em futebol. Gozavam de mim.

        Eu não estava entendendo direito. Antes, eu era o bacana da classe. Agora, eu era o ridículo.

        Isso foi na quarta série. Naquela época, acontecia uma coisa engraçada. Os meninos odiavam as meninas. Detestavam. Desprezavam.

        É claro, as meninas tinham sempre o caderno arrumadinho. Eram quase todas cê-dê-efes. Tudo nelas era caprichado. Bonitinho. Os meninos, não. O legal era ser mau aluno. Rebelde. Bagunceiro. Bandidão.

        Na classe havia uma briga enorme entre meninos e meninas. Talvez você não acredite, mas a coisa era tão feia que nenhum menino podia chegar perto de uma menina. Bastava uma menina aparecer, que a gente fingia estar apertando um inseticida, um aerossol. A gente fazia com o dedo: “fsssttt”. Como se estivesse matando barata ou mosquito.

        Eu achava essa coisa muito cretina.

        Foi quando uma menina avisou que ia fazer aniversário. Iria dar uma festa.

        O nome dela era Maria Lídia.

        Fui a festa.

        Não tinha nenhum menino da escola. Só eu. Os outros meninos que estavam lá deviam ser primos dela, ou coisa parecida. Da escola mesmo, nenhum menino. É claro. Eles desprezavam as meninas.

        Eu era meio bobo, e tinha chegado de uma escola diferente. Não fazia como os outros. Por isso a Maria Lídia tinha me convidado.

        Na festa, resolveram fazer um concurso. Um campeonato de tiro ao alvo. Era um daqueles revolvinhos de plástico, com flechinhas de ventosa na ponta, que grudam na parede.

        Peguei o revólver, mirei o alvo.

        Acertei várias vezes.

        Só que fiquei em segundo lugar. Um primo dela era muito bom naquilo e ficou em primeiro.

        Deram um prêmio para ele. Acho que foi um carrinho de plástico.

        Como eu tinha ficado em segundo lugar, tinha direito a um prêmio também.

        A Maria Lídia me chamou. Disse que ia dar o meu prêmio. Ela me levou para o quarto dela.

        Deu para mim um saco de bolas de gude.

        -- Obrigado, Maria Lídia.

        Ela não respondeu. Pensou um pouco. Abriu uma gaveta. E me deu um álbum de figurinhas.

        Não parou por aí. Ela também me deu um bonequinho de índio. Umas canetinhas hidrográficas. Um quadrinho. Um monte de coisas.

        Achei ótimo. Mas fiquei pensando. Afinal, no campeonato de tiro ao alvo, eu só tinha tirado o segundo lugar. E o primeiro lugar só recebera um carrinho de plástico. Todos aqueles presentes nem eram prêmio de campeonato nenhum. Eram coisas dela, que ela ia dando sem parar.

        Pode ser que a Maria Lídia gostasse de mim. Mas pode se outra coisa.

        Eu era o único menino da escola que tinha ido à festa. Eu era o único que não desprezava as meninas. Acho que ela ficou tão contente com isso que me deu todos os presentes que podia inventar.

        Ganhar no tiro ao alvo não era importante para ela. Ir à festa era mais.

        Concluí que ser bonzinho às vezes é um ótimo negócio.

        E que a gente não precisa ser bom no futebol. As meninas não ligam para isso. Se a gente for legal com elas.

COELHO, Marcelo. A professora de desenho e outras histórias. São Paulo, Companhia das Letrinhas, 1998. p. 17-21.

Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. 5ª série – 17ª ed. 3ª impressão – São Paulo – Editora Ática – 2003. p. 61-63.

Entendendo o conto:

01 – Por que a escola do narrador era considerada antiquada?

      A escola era considerada antiquada porque não permitia que as crianças corressem no pátio, jogassem futebol ou fizessem outras atividades durante o recreio. Além disso, as crianças eram obrigadas a formar fila quando o sinal tocava.

02 – Qual era a vantagem de estudar na escola antiquada, segundo o narrador?

      A vantagem era que o narrador, sendo um bom aluno e o primeiro da classe, tinha prestígio e era bem-visto pelos colegas, especialmente pelas meninas.

03 – O que mudou na vida do narrador quando ele foi transferido para uma escola mais moderna?

      Na escola nova, ser um bom aluno não era valorizado e o narrador foi considerado um puxa-saco da professora. Além disso, ele se sentiu deslocado porque todos os meninos sabiam jogar futebol, mas ele era péssimo no esporte.

04 – Como os meninos da nova escola tratavam as meninas?

      Os meninos da nova escola desprezavam as meninas e faziam brincadeiras ofensivas, como fingir apertar um inseticida ao redor delas.

05 – Quem era Maria Lídia e o que ela fez?

      Maria Lídia era uma menina da escola do narrador que convidou os colegas para sua festa de aniversário. Ela organizou um concurso de tiro ao alvo na festa.

06 – Qual foi a reação dos meninos da escola ao convite da Maria Lídia para sua festa?

      Nenhum dos meninos da escola compareceu à festa, exceto o narrador. Os outros meninos desprezavam as meninas e não foram.

07 – Que competição ocorreu na festa de Maria Lídia e qual foi o resultado do narrador?

      Houve um concurso de tiro ao alvo com um revólver de brinquedo. O narrador ficou em segundo lugar, enquanto o primo de Maria Lídia ficou em primeiro.

08 – Quais prêmios o narrador recebeu na festa de Maria Lídia?

      O narrador recebeu um saco de bolas de gude, um álbum de figurinhas, um bonequinho de índio, canetinhas hidrográficas, um quadrinho e outros presentes que Maria Lídia lhe deu espontaneamente.

09 – Por que o narrador acredita que Maria Lídia lhe deu tantos presentes?

      O narrador acredita que Maria Lídia lhe deu muitos presentes porque ele foi o único menino da escola que compareceu à festa e não desprezava as meninas.

10 – Qual foi a lição que o narrador aprendeu ao final do conto?

      O narrador concluiu que ser bonzinho pode ser um ótimo negócio e que não é necessário ser bom no futebol para ser valorizado pelas meninas.

 

 

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