Crônica: Vítima das Embalagens
Walcyr Carrasco
Entro no chuveiro. Relaxo na água quentinha. Pego o xampu. É novo. Tento virar a tampa. Não cede. Aproximo meus olhos míopes. Está envolta em um plástico duro, transparente. Puxo. Minhas unhas curtas resvalam. A batalha demora alguns instantes. Minhas investidas não produzem resultado algum. Tenho cabelos oleosos. Sem um bom xampu, fico tão charmoso quanto um tapete de pele de carneiro. Ataco a tampa a mordidas. Meus dentes rangem. Mal arranco uma lasquinha. O xampu cai da minha mão. Abaixo-me. Tropeço. Caio sentado. O frasco continua invicto.
Recentemente, também fui vítima de uma lata de
patê de fígado. Era daquele tipo que vem com uma chavinha. O segredo é enrolar
a chavinha bem devagar em torno do topo, até que a parte de cima se solte.
Teoricamente. Como sempre, fiquei com a chavinha inútil numa mão e a lata
fechada na outra. Os amigos bebiam cerveja na sala. Quis enfiar a chavinha de
novo. Impossível. Tentei com o abridor. Não havia ângulo para apoiar. Peguei
uma faca e um martelo. Fui esfaqueando a lata pela parte de cima. Cavava um
buraco, em seguida outro do lado, e assim por diante. Quando achei que dava,
puxei. Abri.
Mas a lata, cheia de pontas metálicas, bateu na
minha mão.
Espalhei patê pelo piso. Eu me cortei. Um
cortezinho ridículo, mas corte. Os amigos vieram correndo. Falaram em tétano e
pronto-socorro. Jurei nunca mais comprar patê de fígado com chavinha. -
Frascos, latas e semelhantes levam qualquer ser
humano à beira da loucura. Remédios e vitaminas são hors-concours. Só provam
uma coisa: quem conseguir abrir está perfeitamente saudável. As aspirinas têm
vindo com uma tampa na qual há uma setinha minúscula em relevo. A tal setinha
tem de encaixar com outra marquinha. Algo tão minucioso quanto abrir um cofre
sem o segredo. Para quem está estalando de dor de cabeça, uma delícia. Alguns
sucos vêm em embalagens de papelão com um recorte picotado. "Aperte
aqui", diz um aviso. Aperto e não acontece nada. Depois de inúmeras
tentativas, arrebento o papelão no lugar errado. O suco esguicha para o copo
pelo lado. Um horror.
Engoli derrotas até de embalagens de produtos
de limpeza. Algumas vêm com uma tampa simples. Aberta, descobre-se uma nova
tampa. O lugar onde devia haver um furinho está tapado com plástico resistente.
Tudo bem. E uma medida natural do fabricante para impedir que o detergente
alague o caminhão de entrega. Mas a tampa é planejada numa medida tal que nada
consegue fazer o furinho. A ponta das facas não penetra. Nem a da tesoura de
cozinha. Tento com um garfo. A dimensão é perfeita. Quase consigo. Empurro um
dente do garfo no plástico. Entorta para o lado, mas não faz o furinho. Fico
com o garfo destruído e a embalagem fechada. Paro alguns segundos. Tomo um
café. Cravo chaves de fenda de tamanhos variados. Nenhuma serve. Lembro-me do
abridor de vinhos. Tenho um superchique, de design italiano, que reservo para
os dias de visita. Quase acabo com o abridor, mas consigo. Furinho feito, vou
lavar os pratos. Espremo a embalagem e o produto sai por todos os lados. As
várias tentativas criaram pequenas aberturas. Espirra até no armário da
cozinha. Minha orelha fica cheia de detergente.
Estou consciente de que os fabricantes têm sólidas razões para me torturar dessa maneira. Proteger o produto é uma delas. Impedir que crianças abram frascos indevidos é outra. Nesse último caso, trata-se de pura ilusão. Petiscos em saquinhos metálicos indevassáveis e bugigangas eletrônicas treinaram a meninada. Para minha humilhação, qualquer garotinho abre uma embalagem complexa em segundos. Eu me sinto como se fosse um alienígena, ainda não adaptado para conviver com os progressos da civilização. Tenho saudade das embalagens do passado. Quando bastava um pouco de firmeza para torcer tampas ou usar o abridor de latas. Força, só para estourar a rolha da garrafa de champanhe. Mas, aí, sempre valia a pena, por conta da comemoração.
Entendendo o texto
01. O que o autor faz ao entrar no chuveiro e tentar
usar o novo xampu?
a. Ele escorrega no
chão molhado.
b. Ele consegue
abrir facilmente a embalagem.
c. Ele
luta para remover o plástico que envolve a tampa.
d. Ele decide tomar
um banho quente.
02. Qual foi o resultado da tentativa do
autor de abrir uma lata de patê de fígado com uma chavinha?
a. Ele conseguiu abrir facilmente.
b. Ele derramou o patê no chão.
c. Ele cortou a mão.
d. Ele compartilhou o patê com os
amigos.
03. Qual é a conclusão irônica do autor
sobre frascos, latas e embalagens?
a. Eles são muito fáceis de abrir.
b. Eles indicam a saúde do consumidor.
c. Eles são projetados para serem
resistentes.
d. Eles revelam a habilidade manual das
pessoas.
04. Que dificuldade o autor enfrenta ao
tentar abrir embalagens de remédios e vitaminas?
a. As embalagens têm uma seta
minúscula que precisa ser alinhada.
b. As embalagens estão seladas com
plástico resistente.
c. As embalagens exigem uma força
excessiva para abrir.
d. As embalagens têm instruções
confusas.
05. Qual é a experiência frustrante do
autor ao tentar abrir embalagens de suco em papelão?
a. Ele acaba rasgando o papelão no lugar
errado.
b. Ele não consegue encontrar o local
para apertar.
c. Ele derrama o suco fora do copo.
d. Ele engole o suco acidentalmente.
06. Por que o autor enfrenta dificuldades
ao abrir embalagens de produtos de limpeza?
a. As embalagens são muito grandes.
b. As tampas estão seladas com
plástico resistente.
c. As embalagens estão danificadas.
d. As embalagens são muito leves.
07. Qual é o motivo citado pelo autor
para a complexidade das embalagens?
a. Proteger o produto.
b. Facilitar a abertura para
crianças.
c. Impedir o uso indevido do produto.
d. Atender às necessidades dos
adultos.
08. Como o autor se sente em relação à
habilidade das crianças em abrir embalagens complexas?
a. Surpreso.
b. Orgulhoso.
c. Humilhado.
d. Aliviado.
09. O que o autor expressa sentir falta no
final da crônica?
a. Embalagens modernas.
b. Rolhas de garrafas de champanhe.
c. Comemorações especiais.
d. Embalagens simples do passado.
10. Qual é a mensagem principal transmitida
pelo autor na crônica "Vítima das Embalagens"?
a. A necessidade de inovação nas
embalagens.
b. O desejo de preservar as tradições
antigas.
c. A frustração
causada por embalagens modernas complexas.
d. A importância de cuidar da saúde ao
consumir produtos.
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