Texto: Culturas ancestrais
A arte está presente em todas as
sociedades humanas. O interesse pela arte e pela estética é um dos elementos
que nos caracteriza como espécie. Essas manifestações podem ser muito
individuais, mas dificilmente conseguiriam isolar-se completamente de seu
contexto cultural e social. Em muitos grupos humanos, a arte se manifesta por
meio de uma estética propositalmente coletiva, que reflete a identidade e
valores culturais daquela sociedade. É por isso que a arte pode ser estudada do
ponto de vista de várias áreas do conhecimento: da filosofia, da história, da
sociologia, antropologia etc. Nenhuma delas, de fato, consegue analisar a arte
independentemente. Todas essas áreas acabam relacionando-se, por causa da grande
complexidade que envolve as manifestações humanas.

No Brasil, há uma mistura de várias
culturas com identidades diferentes. Com o processo de colonização, buscou-se
impor a arte e cultura de origem europeia. Isso não impediu a manutenção de
outras culturas ancestrais, como a indígena e a africana, que estão enraizadas
em nossa formação cultural. Mas, apesar dessa forte presença, muitos
brasileiros desconhecem essas culturas, ou as veem somente de um jeito
estereotipado.
Artes
indígenas
No Brasil, algumas regiões apresentam
maior presença da cultura indígena no cotidiano das pessoas. Mas, apesar da
influência indígena, e também africana, em nossa formação cultural, uma visão
europeia, a visão dos colonizadores, de mundo e da sociedade, fez-se dominante,
o que faz com que, ainda hoje, haja um grande desconhecimento dessas culturas
ancestrais das quais somos herdeiros.
As culturas indígenas no Brasil, por
mais que se encontrem dentro do território em que vivemos, ainda são vistas por
muitas pessoas com um olhar estereotipado e equivocado. De modo geral, não se
conhecem seus modos de vida, visão de mundo, as semelhanças e diferenças entre
os seus povos. Há, inclusive, uma tendência a se entender os indígenas todos da
mesma maneira. Diz-se “o índio”, no singular, sem diferenciar as centenas de
povos indígenas que vivem no território brasileiro.
O uso genérico da palavra “índio” para
se referir aos povos nativos das Américas relaciona-se a um equívoco dos
primeiros colonizadores que acreditavam ter chegado à Índia. O nome ficou, e
até hoje esses povos são chamados “índios”. Já a palavra “indígena” é usada
mundialmente, e refere-se a qualquer povo autóctone de uma região. As divisões
em estados e países, em todos os lugares onde houve colonização, acabaram,
muitas vezes, por separar povos que partilhavam uma mesma cultura e território,
e também por obriga-los a migrarem de suas terras originais. Isso fez com que
alguns grupos considerados de uma mesma etnia passassem a viver em países
diferentes.
Quando os portugueses iniciaram a
exploração do que depois viria a ser o Brasil, todo o território era ocupado
por grupos indígenas. Com muitas diferenças culturais entre si, alguns grupos
aceitaram a presença dos brancos e outros a combateram. Nesse processo, vários
foram extintos ou tiveram sua população muito reduzida por guerras ou ao
contraírem doenças dos europeus.
A cultura, hábitos e costumes dos
grupos indígenas que até hoje existem no Brasil remontam há muitos séculos, até
antes da chegada dos europeus, tendo sido passados de geração em geração, via
tradição oral.
Cada grupo indígena possui seus mitos,
crenças e rituais; suas manifestações artísticas, já que as produções
simbólicas e estéticas estão relacionadas. A arte está presente em várias
instâncias da vida: no objeto cotidiano, utilitário, nos objetos usados nos
rituais, nas pinturas corporais, na decoração dos instrumentos musicais. A
maioria dos grupos indígenas no Brasil realiza sua produção estética por meio
de materiais naturais presentes no ambiente em que vivem, como a argila que faz
a cerâmica, as palhas que se tornam cestos, tintas naturais, penas coloridas
das aves, conchas. As formas criadas com tais materiais, no entanto, diferem e
criam estéticas relacionadas a simbologias específicas de cada grupo.
As imagens anteriores são todas
referentes ao mesmo grupo indígena que produz as bonecas ritxókó: os Karajás.
Seu nome em sua língua nativa é Iny, que significa “nós”. Karajá é um nome
originário de outra língua, o tupi, que acabou sendo adotado em português para
designá-los. Eles ainda vivem em suas terras tradicionais, numa extensa faixa
no Rio Araguaia, a Ilha do Bananal, maior ilha fluvial do mundo. Ocupam terras
dos estados de Tocantins, Goiás e Mato Grosso. O rio faz parte de sua
organização social e mitológica – seu mito de origem diz que os Iny no início
vivam no fundo do rio. Vendo uma luz que vinha do alto, encontraram a
superfície e ali se estabeleceram seguindo o curso do rio, dividindo-se em três
grupos indígenas: os Karajá, os Javaé e os Xambioá. Apesar das diferenças
linguísticas entre os grupos, todos se entendem e se identificam como Iny.
O desenho, presente nas pinturas
corporais e em vários outros objetos de uso cotidiano e ritual, é muito
importante para os Iny. Para quem olha de fora, os desenhos no corpo, feitos
com sumo de jenipapo, urucum ou fuligem de carvão, podem parecer simples
grafismos ornamentais, mas, para a sociedade Iny, dependendo da ocasião, eles
podem ter também significados específicos, como indicar categorias sociais de
gênero, idade e estatuto social.
As bonecas ritxókó, feitas
exclusivamente pelas mulheres, expressam esses vários aspectos da identidade do
grupo. Representam cenas do cotidiano, mitos, rituais, eventos do ciclo da
vida, relações humanas e a fauna local, e reproduzem os padrões gráficos da
pintura corporal e dos objetos. Tradicionalmente, são objetos lúdicos para as
crianças, mas tornaram-se também importante fonte de renda das mulheres adultas
em contato com a sociedade não indígena. Seu processo de execução inclui a
extração e preparo do barro, modelagem, queima e pintura da cerâmica, que hoje
em dia também é feita com tintas industriais.
Padrão
e abstração
Como visto, os desenhos dos Karajás
podem simbolizar elementos de sua cultura, com significados específicos para o
grupo. Entre eles, assim como em muitos grupos humanos, os símbolos podem
transformar-se em padrões abstratos.
Um padrão é a repetição periódica de um
mesmo grupo de elementos visuais, como numa estampa que ocupa todo um tecido.
Uma imagem abstrata são elementos
visuais que não representam nenhuma figura reconhecível. Ela pode até surgir da
representação de alguma coisa, mas a simplificação das formas faz com que não
se perceba mais a figura original. Os elementos visuais isolados, por si só,
são abstratos, por exemplo, as figuras geométricas.
As coisas à nossa volta estão repletas
de padrões, e muitos são abstratos.
Olhe ao seu redor. Reproduza a seguir,
com um desenho, pelo menos um padrão abstrato que está em seu campo de visão.
Artes
dos povos africanos
Muitos museus em várias partes do mundo
abrigam em seus acervos máscaras de povos da África subsaariana. Elas são
olhadas com curiosidade pelas pessoas de outros povos, muitas vezes por um
olhar que procura o exotismo, geralmente associado ao desconhecido, ao
diferente. Isoladas em vitrines, podem despertar nas pessoas um interesse
estético, mas perdem a carga simbólica com que foram feitas e com que são
usadas em seu contexto original.
Mesmo que uma cultura possua
características gerais, cada grupo ou subgrupo apresenta características muito
específicas. A arte tradicional dos povos da África subsaariana é muito vasta e
complexa, com diferenças características de cada grupo étnico. As máscaras
estão presentes na maioria deles. Materiais diversos podem ser usados em sua
confecção, mas o mais comum é a madeira. Diferenças simbólicas e estéticas são
perceptíveis entre grupos, mas elas apresentam alguns aspectos comuns. Uns dos
mais significativos está relacionado à sua função para a sociedade que a
produziu. As máscaras são feitas para serem usadas, geralmente, em cerimônias e
rituais religiosos. Elas são vestidas, junto a outros adereços, em situações
que envolvem dança e música. Quem veste a máscara muitas vezes o faz com o
intuito de encarnar ou representar determinada divindade. Grande parte da
espiritualidade africana envolve o culto aos ancestrais.
As imagens da cerimônia Gèlédé,
praticada por alguns grupos do povo iorubá, da África Ocidental. Os iorubás são
um dos maiores grupos étnicos africanos. Estima-se que existam cerca de 30
milhões de iorubás no continente africano, que vivem principalmente na Nigéria,
mas também há comunidades no Benin, Togo e Serra Leoa.
A cerimônia gèlédé envolve o uso de
máscaras em rituais com dança e música para celebrar e atrair os poderes das
divindades e ancestrais femininas, como a grande mãe primordial, Iyà Nlà, assim
como honrar as mulheres mais velhas do grupo. Está associada à força feminina
na sociedade e aos princípios, como a fecundidade e fertilidade da terra. A
cerimônia gèlédé pode acontecer em qualquer época do ano, com algum propósito
específico, como atrair a chuva, espantar epidemias ou honrar os mortos. Mas a
principal cerimônia é anual. Depois que sua data é definida, toda a sociedade
gèlédé é avisada, e começam os preparativos para a cerimônia. As máscaras, com
figuras humanas e animais, na realidade são colocadas sobre as cabeças, e não
sobre o rosto. São usadas pelos homens, que dançam e entretêm o público, muitas
vezes com dizeres educativos, vestidos de mulher.
O panteão dos iorubás inclui diversas
divindades (os orixás), associadas geralmente aos fenômenos da natureza e
princípios que regem a vida humana, com variações de um grupo a outro, em
especial pelo caráter oral de transmissão de sua mitologia. O ser supremo é
Olodumaré, ou Olorun, criador de tudo o que existe, tanto no Orun, mundo
espiritual, quanto em Aiye, mundo físico.
Na música tradicional africana, há uma
grande variedade de práticas entre os grupos étnicos. A música tem uma função
principalmente social, acompanhando casamentos, nascimentos, diversos tipos de
trabalhos e rituais religiosos. Muitas dessas músicas são executadas só para
esses fins, geralmente, junto com a dança. A música é feita para dançar, e é
possivelmente uma das razões pelas quais apresente um desenvolvimento e
exploração rítmicas tão ricos, chamando atenção para os tambores e outros
instrumentos de percussão. Apesar do destaque da percussão, a maior parte da
produção musical dessa região é vocal.
Fonte: Arte em
Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume
único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 58-71.
Entendendo o texto:
01 – Como o texto aborda a
relação entre arte e sociedade humana?
O texto destaca
que a arte está presente em todas as sociedades humanas, sendo um dos elementos
que nos caracteriza como espécie. Embora as manifestações artísticas possam ser
individuais, elas são intrinsecamente ligadas ao contexto cultural e social. Em
muitos grupos, a arte assume uma estética coletiva, refletindo a identidade e
os valores culturais de uma sociedade. Essa complexidade da arte permite que
ela seja estudada por diversas áreas do conhecimento, como filosofia, história,
sociologia e antropologia, todas elas inter-relacionadas devido à natureza
multifacetada das manifestações humanas.
02 – De que maneira a
colonização europeia impactou as culturas ancestrais no Brasil e qual a
consequência desse processo?
Com o processo de
colonização, houve uma tentativa de imposição da arte e cultura europeia no
Brasil. No entanto, o texto ressalta que essa imposição não impediu a
manutenção e o enraizamento das culturas ancestrais, como a indígena e a
africana, em nossa formação cultural. Apesar dessa forte presença, a
consequência é que muitos brasileiros ainda desconhecem ou veem essas culturas
de forma estereotipada, perpetuando uma visão dominante dos colonizadores e um
grande desconhecimento da riqueza e diversidade dessas heranças.
03 – Explique por que o termo
"índio" é considerado inadequado pelo texto e qual a alternativa
proposta, justificando seu uso.
O texto considera
o uso genérico da palavra "índio" inadequado porque ele se relaciona
a um equívoco dos primeiros colonizadores, que acreditavam ter chegado à Índia.
Essa denominação generaliza e desconsidera a vasta diversidade de povos
indígenas existentes no território brasileiro, tratando-os como um grupo
homogêneo ("o índio" no singular). A alternativa proposta e justificada
pelo texto é a palavra "indígena", que é utilizada mundialmente e se
refere a qualquer povo autóctone de uma região, reconhecendo a pluralidade e a
especificidade de cada etnia.
04 – Quais são as
características gerais da produção artística indígena no Brasil e como ela se
relaciona com o ambiente e a simbologia de cada grupo?
A produção
artística indígena no Brasil é caracterizada pela relação intrínseca entre as
produções simbólicas e estéticas, que se manifestam em diversas instâncias da
vida, desde objetos cotidianos e utilitários até itens rituais, pinturas
corporais e decoração de instrumentos musicais. A maioria dos grupos utiliza
materiais naturais presentes em seu ambiente, como argila, palhas, tintas
naturais, penas coloridas e conchas. É importante notar que, embora os
materiais sejam naturais, as formas criadas e as estéticas resultantes diferem
entre os grupos, estando diretamente relacionadas às simbologias específicas de
cada cultura.
05 – Descreva o povo Karajá
(Iny) conforme o texto, abordando sua localização, organização social e mitos
de origem.
O povo Karajá,
que se autodenomina Iny ("nós") em sua língua nativa, vive em suas
terras tradicionais em uma extensa faixa ao longo do Rio Araguaia, na Ilha do
Bananal, que é a maior ilha fluvial do mundo. Eles ocupam terras nos estados de
Tocantins, Goiás e Mato Grosso. O rio é central para sua organização social e
mitológica, com seu mito de origem narrando que os Iny viviam no fundo do rio e
emergiram para a superfície ao ver uma luz, estabelecendo-se ao longo do curso
do rio e dividindo-se em três grupos: Karajá, Javaé e Xambioá. Apesar das
diferenças linguísticas, todos se entendem e se identificam como Iny.
06 – Qual a importância dos
desenhos e das bonecas ritxókó para a sociedade Iny (Karajá)?
Para a sociedade
Iny, os desenhos são de extrema importância, estando presentes nas pinturas
corporais e em diversos objetos de uso cotidiano e ritual. Embora para um
observador externo possam parecer simples grafismos, para os Iny, dependendo da
ocasião, eles podem ter significados específicos, indicando categorias sociais
de gênero, idade e estatuto social. As bonecas ritxókó, produzidas
exclusivamente pelas mulheres, expressam esses múltiplos aspectos da identidade
do grupo, representando cenas do cotidiano, mitos, rituais, eventos do ciclo da
vida, relações humanas e a fauna local, além de reproduzir os padrões gráficos
da pintura corporal. Tradicionalmente lúdicas para as crianças, as bonecas
também se tornaram uma importante fonte de renda para as mulheres adultas.
07 – Explique a diferença
entre "padrão" e "imagem abstrata" de acordo com o texto.
O texto define
"padrão" como a repetição periódica de um mesmo grupo de elementos
visuais, citando como exemplo uma estampa que ocupa todo um tecido. Já uma
"imagem abstrata" é composta por elementos visuais que não
representam nenhuma figura reconhecível. Ela pode até ter origem na
representação de algo, mas a simplificação de suas formas faz com que a figura
original não seja mais percebida. Elementos visuais isolados, como as figuras
geométricas, são exemplos de elementos abstratos.
08 – Qual a principal função
das máscaras na arte tradicional dos povos da África Subsaariana e como elas
são vistas em seu contexto original versus em museus?
A principal
função das máscaras na arte tradicional dos povos da África Subsaariana é serem
feitas para serem usadas, geralmente em cerimônias e rituais religiosos,
acompanhadas de dança e música. Quem as veste muitas vezes o faz com o intuito
de encarnar ou representar determinada divindade, e grande parte da
espiritualidade africana envolve o culto aos ancestrais. O texto contrasta essa
função original com a forma como as máscaras são vistas em museus: isoladas em
vitrines, elas podem despertar interesse estético, mas perdem a carga simbólica
com que foram criadas e são utilizadas em seu contexto original, sendo muitas
vezes percebidas com um olhar que busca o exotismo.
09 – Descreva a cerimônia
Gèlédé do povo Iorubá, destacando seus objetivos e as características do uso
das máscaras.
A cerimônia Gèlédé, praticada por alguns
grupos do povo Iorubá da África Ocidental, envolve o uso de máscaras em rituais
com dança e música. Seus principais objetivos são celebrar e atrair os poderes das
divindades e ancestrais femininas, em especial a grande mãe primordial, Iyà
Nlà, e honrar as mulheres mais velhas do grupo. A cerimônia está associada à
força feminina na sociedade e a princípios como a fecundidade e fertilidade da
terra. Pode ocorrer em qualquer época do ano com propósitos específicos (atrair
chuva, espantar epidemias, honrar mortos), mas a principal cerimônia é anual.
As máscaras, que apresentam figuras humanas e animais, são colocadas sobre as
cabeças (não sobre o rosto) e usadas por homens, que dançam vestidos de mulher,
muitas vezes com dizeres educativos.
10 – Qual é o papel da música
tradicional africana subsaariana na sociedade e quais são suas características
marcantes?
Na música
tradicional africana subsaariana, a música tem uma função principalmente
social, acompanhando eventos como casamentos, nascimentos, diversos tipos de
trabalhos e rituais religiosos. Muitas dessas músicas são executadas
especificamente para esses fins, geralmente junto com a dança. Uma das características
marcantes é o rico desenvolvimento e exploração rítmicas, com destaque para os
tambores e outros instrumentos de percussão. Apesar da proeminência da
percussão, a maior parte da produção musical dessa região é vocal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário