Poema: O TEATRO, CASA DOS SONHOS
Bertold Brecht
Muitos veem o teatro como casa
De produção de sonhos. Vocês atores
são vistos
Como vendedores de drogas. Em
seus locais escurecidos
As pessoas se transformam em
reis e realizam
Atos heroicos sem perigo.
Tomado de entusiasmo
Consigo mesmo ou de compaixão
por si mesmo
Fica-se sentado, em feliz
distração esquecendo
As dificuldades do dia a dia –
um fugitivo.
Todo tipo de fábula preparam
com mãos hábeis, de modo a
Mexer com nossas emoções. Para
isso utilizam
Acontecimentos do mundo real.
Sem dúvida, alguém
Que aí chegasse de repente, o
barulho do tráfico ainda nos ouvidos
E ainda sóbrio, mal
reconheceria sobre essas tábuas
O mundo que acabou de deixar.
E também
Saindo por fim desses locais,
Novamente o homem pequeno, não
mais o rei
Deslocado na vida real.
Muitos, é verdade
Veem essa atividade como
inocente. Na mesquinhez
E uniformidade de nossas
vidas, dizem, sonhos
São bem-vindos. Como suportar
A vida mesquinha e uniforme, e
a renunciar
Por si mesmo. Mas vocês
Mostram um falso mundo,
descuidadamente juntado
Tal como os sonhos o mostram,
transformado por desejos
Ou desfigurado por medos,
tristes
Enganadores.
BRECHT, Bertolt. Poemas
1913-1956. 5. ed. São Paulo: Ed. 34, 2000.
Fonte: Arte em
Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume
único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 255-256.
Entendendo o poema:
01 – Qual a principal crítica
que Brecht faz à percepção comum do teatro como uma "casa de produção de
sonhos"?
Brecht critica
fundamentalmente a visão do teatro como um refúgio escapista, uma "casa de
produção de sonhos", onde o público se transforma em "reis" e
esquece as "dificuldades do dia a dia". Ele descreve os atores como
"vendedores de drogas", sugerindo que a arte teatral, nesse modelo,
atua como um narcótico que aliena o espectador da realidade. A crítica reside
no fato de que, ao se entregar a essa "feliz distração", o indivíduo
se torna um "fugitivo" que, ao sair do teatro, volta a ser o
"homem pequeno, não mais o rei / Deslocado na vida real". Para
Brecht, essa forma de teatro oferece um "falso mundo, descuidadamente
juntado", que, como os sonhos, é "transformado por desejos / Ou desfigurado
por medos", resultando em uma experiência ilusória e, em última instância,
enganadora.
02 – De que forma o poema
contrasta a experiência do público dentro e fora do teatro?
O poema de Brecht
estabelece um contraste marcante entre a experiência do público dentro e fora
do teatro. Dentro dos "locais escurecidos", as pessoas se
transformam, tornam-se "reis" e realizam "atos heroicos sem
perigo", sentindo entusiasmo ou compaixão por si mesmas em uma "feliz
distração". É um mundo de fábula onde as emoções são manipuladas e a
realidade cotidiana é esquecida. No entanto, o poema enfatiza a abrupta
transição ao sair desses locais: "Saindo por fim desses locais, /
Novamente o homem pequeno, não mais o rei / Deslocado na vida real." Essa
antítese ressalta a artificialidade da experiência teatral criticada por
Brecht, onde a euforia e o escapismo são temporários, e a volta à vida
"mesquinha e uniforme" é inevitável e, por vezes, mais dolorosa
devido ao contraste.
03 – O que Brecht quer dizer
ao afirmar que o teatro utiliza "acontecimentos do mundo real" para
"mexer com nossas emoções" e qual é a sua ressalva a isso?
Brecht reconhece
que o teatro, mesmo em sua forma criticada, utiliza "acontecimentos do
mundo real" para "mexer com nossas emoções". Isso significa que
as histórias e situações encenadas têm suas raízes na vida cotidiana e nas
experiências humanas, servindo como base para as narrativas dramáticas. No
entanto, sua ressalva reside no modo como esses acontecimentos são apresentados
e percebidos. Ele aponta que, para o espectador ainda "sóbrio" e com
"o barulho do tráfico ainda nos ouvidos", seria difícil reconhecer
nessas "tábuas" (o palco) o mundo que acabou de deixar. A crítica não
está no uso da realidade em si, mas na sua transformação e distorção para fins
de entretenimento e escapismo, onde o mundo real é "descuidadamente
juntado" e "transformado por desejos / Ou desfigurado por
medos", perdendo sua capacidade de provocar reflexão crítica e ação.
04 – Como o poema caracteriza
os atores e sua função nesse tipo de teatro?
No poema "O
Teatro, Casa dos Sonhos", Brecht caracteriza os atores como
"vendedores de drogas". Essa metáfora é profundamente crítica e
sugere que a função dos atores, nesse modelo de teatro, é a de induzir um
estado de alheamento e ilusão no público. Eles são os agentes que administram
essa "droga" do escapismo, preparando "todo tipo de fábula com
mãos hábeis, de modo a / Mexer com nossas emoções". A implicação é que, em
vez de provocarem o pensamento crítico ou a conscientização social, os atores
servem para anestesiar o público, oferecendo um refúgio temporário da
realidade. Eles são, na visão de Brecht, "tristes / Enganadores",
pois mostram um "falso mundo" que, embora possa trazer alívio
momentâneo, não contribui para uma compreensão genuína ou para a transformação
da vida real.
05 – Qual é a crítica
subjacente de Brecht à inércia ou complacência do público diante desse tipo de
representação teatral?
A crítica
subjacente de Brecht à inércia e complacência do público diante desse tipo de
representação teatral é evidente em sua descrição do espectador como um
"fugitivo" que se senta em "feliz distração". Ele questiona
a aceitação generalizada dessa "atividade como inocente", onde os
"sonhos / São bem-vindos" para suportar a "vida mesquinha e
uniforme". Brecht parece lamentar que o público, ao invés de buscar a
verdade ou a transformação de suas condições, se contente com uma ilusão
momentânea. Há uma implicação de que essa complacência contribui para a
perpetuação de um sistema que oferece fugas, mas não soluções. A crítica reside
no fato de que o teatro, em vez de ser um catalisador para a mudança e a
reflexão crítica sobre a realidade social, torna-se um cúmplice na manutenção
da "mesquinhez / E uniformidade de nossas vidas", ao permitir que o
indivíduo "renunciar / Por si mesmo" em favor de um mundo fabricado.
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