Crônica: Limonada
Eu, é claro, sou um homem que não bebe.
Se uma vez ou outra tomo alguma coisa, é pouco – assim, por formalidade, ou
para não quebrar uma boa companhia.
Mais que duas garrafas de uma vez, já
nem dá para eu consumir. A saúde não permite. Certa vez, lembro-me, no dia do
meu antigo santo, cheguei a beber um quarto de garrafão. Mas isso foi nos meus
anos de juventude e vigor, quando o coração palpitava furioso no peito e na
cabeça pululava toda sorte de ideias.

Mas agora estou envelhecendo.
Um prático veterinário conhecido meu, o
camarada Ptítsin, me examinou outro dia e até ficou assustado, sabe.
Estremeceu.
– O senhor, disse ele, está com uma
"depreciação" total. Não dá para saber onde se encontra o fígado,
onde está a bexiga, nada. O senhor está muito desgastado.
Fiquei com vontade de bater nesse
prático, mas depois esfriei.
"Me deixa primeiro visitar um bom
médico, pensei, e me certificar bem das coisas."
O médico não encontrou
"depreciação" alguma.
– Os seus órgãos se encontram em estado
bastante razoável. E a sua bexiga, disse ele, está em ordem e não vaza. Quanto
ao coração, está ótimo, está até mais largo que o necessário. Mas, o senhor tem
que parar de beber; senão, pode acontecer que lhe sobrevenha a morte,
simplesmente.
Eu, é claro, não tenho vontade de
morrer. Eu gosto de viver. Sou um homem ainda jovem. No começo do NEP eu só
completei 43 anos. Pode-se dizer que estou em pleno florescimento do vigor e da
saúde. E o coração no meu peito é largo. E a bexiga, é importante, não está
vazando. Com uma bexiga dessa, é só viver e aproveitar. "Preciso, pensei
comigo, realmente largar de beber". Resolvi e larguei.
Não
bebo e não bebo. Não bebo uma hora, não bebo duas. Às cinco horas da tarde, lá
fui eu, é claro, almoçar no refeitório.
Tomei uma sopa. Comecei a comer uma
carne cozida, e aí me deu vontade de beber. "Em lugar das bebidas fortes,
pensei, vou pedir alguma coisa mais suave – água mineral ou limonada."
Chamo o rapaz.
– Ei, você aí, digo, você que me serviu
a comida. Me traga uma limonada, cara de bolacha.
Trouxeram-me a limonada numa bandeja
elegante, numa jarra. Encho o copinho.
Bebo deste copinho, e sinto: parece
vodca. Encho de novo. Palavra que é vodca! Que diabo é isto? Acabo de me servir
do resto – é vodca da mais legítima.
– Traga mais, grito para ele.
"Esta aí, penso, veio a mim."
Ele traz mais. Experimentei outra vez.
Não ficou dúvida alguma: é vodca da mais natural.
Depois, quando paguei a conta, acabei
fazendo uma observação:
– Eu pedi limonada, e você o que foi
que me trouxe, ó seu cara de bolacha?
Ele responde:
– Isto aqui nós sempre chamamos de
limonada. É uma palavra perfeitamente legal. Ainda dos tempos antigos... Quanto
à limonada natural, desculpe, nós não temos: não há consumidores.
– Traga aqui, mais uma, a última.
E, assim, não deixei a bebida. Mas tive
uma vontade sincera. Só que as circunstâncias não permitiram. Como se diz: a
vida dita as suas próprias leis. A gente tem de se submeter.
Mikhaíl M. Zóchtchenko.
Fonte: Letra e Vida.
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos –
Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 102-103.
Entendendo a crônica:
01 – Como o narrador se
descreve em relação ao consumo de bebidas alcoólicas no início da crônica?
O narrador se
descreve como um homem que "não bebe", ou que, se o faz, é
"pouco – assim, por formalidade, ou para não quebrar uma boa
companhia", e que "mais que duas garrafas de uma vez, já nem dá para
eu consumir".
02 – Qual foi o diagnóstico do
prático veterinário Ptítsin sobre a saúde do narrador, e como ele reagiu a
isso?
O prático
veterinário Ptítsin diagnosticou que o narrador estava com uma
"depreciação total", sem conseguir distinguir órgãos como fígado e
bexiga, e disse que ele estava "muito desgastado". O narrador, a
princípio, sentiu vontade de bater no prático, mas depois resolveu procurar um
médico para se certificar.
03 – O que o médico de verdade
disse sobre a saúde do narrador e qual foi sua principal recomendação?
O médico real tranquilizou o narrador,
afirmando que seus órgãos estavam "em estado bastante razoável", que
sua bexiga estava em ordem e não vazava, e que o coração estava ótimo,
"até mais largo que o necessário". A principal recomendação do médico
foi que ele parasse de beber, sob o risco de "sobrevenha a morte,
simplesmente".
04 – Qual é a decisão do
narrador após a consulta médica?
Após a consulta médica e as boas notícias
sobre sua saúde (com exceção da necessidade de parar de beber), o narrador
decide sinceramente largar a bebida.
05 – O que o narrador pede
para beber no refeitório, e o que ele realmente recebe?
No refeitório, o
narrador pede uma limonada para acompanhar sua refeição, mas o que ele
realmente recebe (e bebe) é vodca da mais legítima.
06 – Como o garçom justifica o
fato de ter servido vodca em vez de limonada?
O garçom
justifica que eles "sempre chamamos de limonada" o que foi servido,
alegando ser uma "palavra perfeitamente legal" dos tempos antigos.
Ele acrescenta que não têm limonada natural porque "não há
consumidores".
07 – Apesar de sua intenção de
parar de beber, o que o final da crônica revela sobre a atitude do narrador?
O final da crônica revela a ironia de
que, apesar de sua "vontade sincera" de largar a bebida, ele acaba
consumindo vodca sem querer, e até pede mais. Sua atitude final é de
conformidade, afirmando que "não deixei a bebida" porque "as
circunstâncias não permitiram", e que "a vida dita as suas próprias
leis. A gente tem de se submeter."
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