Conto: O homem que odiava a segunda-feira
Ignácio de Loyola Brandão
O despertador musical acordou-o com
Doris Day cantando "Que será, será", sucesso dos anos 60, quando ele
era um jovem de 25 anos. A música está no filme de Hitchcock, O homem que sabia
demais, e seu início se passa em um Marrecos produzido nos estúdios. Um país
falso, porém convincente. Quem se importa? O real é tão imaginário que o falso
se torna verdadeiro.

Ele não travou o despertador. Ficou
olhando para o teto, contemplando os desenhos que a luz do sol produzia,
atravessando as venezianas de madeira. Sempre tinha sido apaixonado por Doris
Day, pela sua voz límpida, podia entender cada palavra que ela dizia. Onde
estará Doris, quantos anos terá? Durante décadas fez o papel de virgem e, mesmo
sabendo que era mentira, todos acreditavam. Porque a gente quer acreditar, a
maior mentira torna-se verdade.
Remoía pensamentos incompletos e
superficiais porque era um cinéfilo inveterado. Tinha começado criança,
comprando balas Fruna, que traziam figurinhas de artistas, depois colecionara
Cinelândia e Filmelândia, passara aos Cahiers du Cinéma, Sight and Sound, Film
Review. Ah, a boa fase dos Cahiers com suas capas amarelas, falando de Godard,
Truffaut, Chabrol, Doniol Valcroze, Demy, Malle, Belmondo, Trintignant, Moreau,
Albicocco, Resnais, Brocca, Delphine Seyrig, Varda, Anna Karina, Jean Seberg,
Marie Laforêt, ah, os olhos de ouro da Laforêt. Pensava intensamente para fugir
de sua tragédia: saber que era segunda-feira.
As segundas-feiras existiam a
atemorizá-lo, deixando-o tenso, com suores e calafrios, dores nos músculos,
visão embaçada e uma nevralgia que paralisava o lado direito do rosto. Ainda na
cama sentia tonturas, cãibras, rolava insone. Os sintomas se iniciavam no
domingo à noite, ao ouvir a música do Fantástico, subindo das televisões de
todos os apartamentos, ou quando Silvio Santos passava a gritar: Quem quer
dinheiro? Significava o fim do final da semana. E o início da dolorosa
peregrinação noturna ao encontro da segunda-feira.
Quando teve os primeiros sintomas, a
família ficou alarmada. Como não conseguiu nenhum médico acordado às sete da
manhã, foi ao pronto-socorro, mas a fila era tão grande que, ao ser atendido,
três horas mais tarde, sentia-se melhor. O médico (Ou teria sido um
enfermeiro?) examinou-o apressado, receitou analgésicos e indicou a farmácia: Compre
nessa! Quando o dia terminou, ele passava bem e creditou ao analgésico. Na
próxima semana, os mesmos sintomas. Assim sucessivamente, até que a mulher
intuiu: "Isso é coisa da segunda-feira! Você precisa é de um
psicólogo". O cunhado foi taxativo: "Preguiça, nada mais!".
Injustiça, ele era capaz de trabalhar
no sábado, domingo, nos feriados, a noite inteira, se preciso. Todavia, a
segunda-feira era fatal. No domingo, quando entravam os letreiros dos últimos
programas de televisão, ele se via dominado pela inquietação. O psicólogo,
porque afinal, para satisfazer a mulher, consultara um, recomendara:
"Pense em outras coisas. Esqueça o dia, faça um grande jantar, vá ao
cinema na sessão das dez, apanhe um filme longo na locadora". Tinha
aconselhado: Cleópatra, O chefão, My fair lady, Lawrence da Arábia, Dr. Jivago,
Era uma vez na América, Berlin Alexander Platz (com catorze horas de duração,
poderia ser assistido em três domingos, quatro horas e meia por domingo), A
lista de Schindler, Titanic, A noviça rebelde, Napoleão, E o vento levou...,
Assim caminha a humanidade.
Não adiantava. Quando ele percebia que
o filme tinha passado da metade e o domingo estava terminando, a ansiedade o
dominava, a febre recomeçava insinuante, ele acabava desligando o vídeo. Um
amigo recomendou:
-- Apanhe sua mulher. Vá para um motel.
Passe a noite na farra, vai cair de cansado, esquecer o medo.
-- A minha mulher num motel?
-- Por que não?
-- E se alguém nos vê entrando? O que
vai pensar? Que ela é puta? Minha amante?
-- Você, com esses problemas? Está mal,
muito mal, mesmo! Você? Que foi o que bem sei? Convide tua mulher. Vai se
surpreender. Ela pode te revelar coisas surpreendentes. Motéis viram a cabeça
das mulheres sérias. Tua mulher é séria, não é?
-- Claro.
-- Não gostaria que ela, por uns
momentos, não fosse?
Não se pode dizer que ele não tentou
reagir. Porém, no domingo, mal o lanche da noite começava, ele olhava para o
relógio. Oito horas, daqui a quatro será segunda-feira. Seus olhos se enchiam
de lágrimas, o coração apertava, a comida perdia o gosto. A mulher tentara
embriagá-lo, queria que ele tomasse tranquilizantes. Ele recusava, alegando que
precisava se enfrentar de cara limpa. Foi se enchendo de um ódio cada vez maior
pela segunda-feira, desenvolveu alergias, acordava com inchaços nas juntas,
nariz escorrendo, olhos empapuçados. Os dentes doíam, vinha uma tosse seca e
persistente que terminava somente na terça-feira.
Cada vez, um sintoma. Comparado ao que
ganhava, gastava uma fortuna em médicos. Os convênios recusavam pagar, alegavam
que eram doenças congênitas. No emprego, deram uma alternativa. Ele não
trabalharia na segunda-feira, faria plantão no final de semana. No entanto, no
dia do plantão, ele tomava consciência de que aquele dia estava substituindo a
segunda-feira. Correspondia a uma. Foi levado a centros espíritas, terreiros de
macumba, tarólogos, astrólogos, médicos ortomoleculares, cultos carismáticos,
invocadores de anjos da guarda, jogadores de búzios. Nenhum efeito.
Um médico não-ortodoxo, depois de pedir
I. I I I exames de sangue, comunicou que, segundo revistas científicas
tailandesas, ele era portador do MondayMonday, vírus raro, e que não havia ainda
medicamentos ou vacinas. As pesquisas eram recentes. O vírus vinha se
espalhando no planeta globalizado. O que posso fazer? Ele indagava ansioso,
irritado com aquele sofrimento semanal. Imaginou como as mulheres, todos os
meses, suportavam as regras, a tensão pré-menstrual, as dores das cólicas.
Santas mulheres, reverenciou.
Uma tarde, pensou com limpidez: a causa
existe, está diagnosticada. A solução é acabar com a segunda-feira. Eliminá-la
do calendário. Somente assim o mundo será salvo dessa epidemia que chega com
força mil vezes superior à da gripe espanhola, a peste negra, a aids, a paixão
pelo esoterismo, o culto da auto-ajuda. A princípio, foi apenas uma ideia
lançada pelo dono da padaria da esquina, sempre dado a palpites: "Se a
segunda-feira lhe faz mal, fuja dela, acabe com ela, pois". Havia um tom
de blague. No entanto, nosso homem tinha perdido a capacidade de perceber
brincadeiras. Acabar com a segunda-feira! É isso! De uma vez por todas. Mas como?
Quem pode mudar esse estado de coisas? É uma convenção tão arraigada no mundo.
O dia maldito existe por toda a parte, todos os países, até nos conventos, nas
prisões, nos pólos norte e sul, no meio do deserto, entre os esquimós. Existirá
entre os índios caiapós? Monday, montag, lundi, lunedi, lunes. O dia desgraçado
foi celebrado em uma canção dos Beatles.
Em uma segunda-feira de março, nosso
homem foi tomado por calafrios intensos e pediu cobertas. Trouxeram edredons e
mantas. Ele batia os dentes, um pivô soltou-se, suava, percebia o corpo
esfriando, esquentando. Depois, adormeceu, tranquilo. Ao acordar, a mulher
velava à cabeceira, inquieta, sem saber se chamava o médico. Ele levantou-se,
num só movimento, como um acrobata que acaba de realizar um exercício e vai
agradecer ao público. Comunicou:
-- De nada adianta eliminar sintomas,
se a origem da moléstia persiste. Portanto, meu caso é fácil. Minha doença é a
segunda-feira. Cancelando-a, tudo estará resolvido.
-- Parece coisa de louco.
-- Acha?
-- A falta de sono e o cansaço te
deixam estressado. E assim, desde que nos casamos. Pensou? Se você elimina a
segunda-feira, a terça se transforma em segunda, é o segundo dia da semana. E o
domingo será o primeiro.
-- Está certo.
-- O domingo não pode ser o primeiro!
Nunca!
-- Quem disse?
-- Está na Bíblia, o Senhor descansou
no sétimo dia. O domingo.
-- A segunda não é o primeiro porque se
chama segunda-feira. Domingo é o primeiro dia.
-- Quer me confundir?
-- Se o domingo é o sétimo e em seguida
vem a segunda-feira, onde está o primeiro dia? O primeiro não existe! Alguém,
em algum momento, eliminou o primeiro dia. Tenho de pesquisar. Se o primeiro
dia foi eliminado, podemos cancelar também o segundo.
-- Não me saia por aí com bobagens. Te
conheço, não é a primeira vez que se fixa em uma besteira!
-- Não começa... Você é inteligente,
pense! Se não existe o primeiro dia, falta um dia na semana. Segunda, terça,
quarta, quinta, sexta, sábado, domingo. E este é o último, onde ficou o
primeiro?
-- E se quando a semana foi criada, o
primeiro não existia e o segundo era primeiro? As palavras podem ter variado de
significado em séculos.
-- E quem conhece a história da semana?
Quando nasceu, quem teve a ideia, quem montou a ordem dos dias? Quem garante
que não tinha oito dias em vez de sete?
A mulher era pessoa razoável,
ex-publicitária que tinha abandonado a carreira quando percebeu que odiava os
produtos para os quais tinha de criar campanhas. Começara na tarde em que
redigia uma frase para despertar o apetite das pessoas com um suculento molho
de tomate. Seus dedos incharam quando digitava a frase e quanto mais elogiava o
horrendo molho em lata, mais a mão engrossava, a ponto de não distinguir os
dedos. Deu um basta, escreveu com tipos enormes: O molho é uma merda. Tirou uma
cópia, enviou ao diretor de criação, apanhou a bolsa e se foi. Ao deixar o
edifício da agência, a mão tinha voltado ao normal.
-- Vamos admitir! Você está certo!
Baseado em que se pode eliminar a segunda-feira?
-- No ódio que todos têm dela. Nas
alergias que provoca. Nas neuroses, traumas, paranoias. Metade da violência e
da ansiedade do país acabaria com o fim das segundas-feiras.
-- E os transtornos? A segunda-feira é
o reinicio, o dia em que tudo se abre, bancos e repartições e supermercados
funcionam, a cidade se normaliza. É quando as pessoas se organizam. Dependesse
de mim, eu acabaria com o final da noite de domingo.
-- Sabe por quê? É nela que a ansiedade
da segunda-feira se instala.
Ela o conhecia há dezessete anos. Sabia
que a ideia não seria abandonada. Ele iria até o fim. Perdera dez empregos por
causa de coisas assim, metia-se em situações esdrúxulas. Era uma palavra
esquisita essa, tinha usado uma vez em uma campanha e o cliente ficara
revoltado.
-- Não me venha com essa! Falei por
falar. A noite de domingo é um pé no saco!
-- Estou esclerosado? Pior do que
pensava? Além do que sofro, tenho de passar por mais essa? A incompreensão em
minha casa?
-- Quero apenas evitar dissabores!
Chega os problemas que você vem encontrando.
Ela adorava a palavra dissabores.
Agora, parecia mais preocupada. Eliminar a segunda-feira é uma ideia que passa
somente pela cabeça de um desequilibrado.
-- Hoje não vou trabalhar. Vou procurar
em meus livros se existe alguma possibilidade de eliminar a segunda-feira.
-- Livros? Você não tem nenhum livro
sobre o assunto!
--Verdade... Vou pesquisar em alguma
parte.
Passou o dia ligando para advogados
especialistas em códigos, queria saber se existia uma lei instituindo a
segunda-feira. Se houvesse a lei, então o caminho seria longo. Não o atendiam,
queriam marcar hora, entrevista, as consultas deviam ser pagas. Por acaso, um
funcionário afirmou que a lei sobre a segunda-feira existia, era preciso pagar
as buscas.
Existia! Então, teria de procurar um
deputado, explicar o caso, convencê-lo a aderir à causa. Há coisas que
convencem políticos: receber um bom suborno, ganhar votos com suas leis, obter
publicidade favorável ou aprovar algo que traga benefícios financeiros para uma
categoria, recebendo dos lobbies polpudas quantias ou promessas de
financiamento de campanhas. Alegrou-se. Esta seria uma causa extremamente
popular. Todos votariam em um homem propondo a extinção da segunda-feira.
Ele passou o dia excitado, procurando
localizar um deputado federal na cidade. Nas sedes dos partidos asseguravam:
"Vai ser difícil, todos estão em Brasília, trabalham muito, começam cedo,
vão até altas horas da noite. Só se o senhor for a Brasília!". Percebeu,
todavia, que não o desestimulavam, ao contrário, forneciam até o telefone dos
parlamentares na capital. Desilusão! Números ocupados permanentemente. Ou eram
atendidos por uma secretária que passava para a Assessora Um, que religava para
o Assessor Dois, que transferia para o Assessor Três. Um dia, por engano,
ligaram para a Amante principal. Educado, discreto, ele pediu desculpas. E
rodou até bater na autoridade máxima, o Chefe de gabinete. Pessoa apressada,
ríspida, comandante de um reino.
E ele respondeu a mesma coisa:
"Desculpe-me senhor o Assessor Para os Dias do Ano que é quem movimenta o
calendário de sua excelência não está na sala foi ao plenário assessorar nosso
líder em importantes debates que ocorrem agora. Ligue na próxima segunda-feira
uma vez que assuntos sobre a segunda-feira só podem ser tratados às
segundas-feiras. De qualquer modo vejo aqui que o Assessor não estará na
próxima nem na seguinte nem consequente uma vez que acompanhará sua excelência
em viagens de estudos para a comissão em que atua. Mas anotei seu nome seu
telefone seu endereço e veja que coincidência o senhor mora na mesma rua em que
nasceu a mãe do nobre deputado e ele tem carinho especial por essa rua e pelas
pessoas que nela habitam certamente fará tudo o que estiver ao seu alcance
daremos retorno muito obrigado e não se esqueça de que as eleições de outubro
estão se aproximando e seu candidato só pode ser o nosso líder enviaremos
folhetos sobre a sua atuação".
Ele ficava sem fôlego ao ouvir. Chefes
de gabinete falavam sem vírgulas, apenas com um e outro ponto para respirar.
Percebeu que a caminhada seria exaustiva. No entanto, sentiu-se revigorado.
Agora, tinha um projeto na vida. Uma utopia a perseguir. A sua missão
impossível. Isso mantém um homem vivo. Chega de alergias, tremores, estresse.
Começou a escrever cartas, desejando
saber se havia um lugar onde a segunda-feira não existia. Uma carta levava a
outra. Uma pessoa indicava outra. Recorreu à internet. As informações se sucediam,
vindas de professores de geografia, história, astrólogos, astrônomos,
engenheiros, químicos, semanólogos, viajantes. Um astronauta americano, gentil
como tem de ser um homem que esteve na Lua, respondeu amavelmente: "Na Lua
não há segunda-feira, aliás não há semana, nem mês ou ano, o tempo ali não é
medido, nem dividido, ele se escoa infinito". Se nos outros planetas,
satélites, estrelas não há segundas-feiras, o meu destino é mergulhar na
galáxia, ele ponderou com a mulher e ela o olhou ressabiada. Um redator de
guias turísticos acenou com um principado indiano, perdido entre montanhas de
pedra. O problema é que quando os turistas chegam a esse lugar, levam costumes
tão arraigados que ao não saber se o dia é sábado, domingo, ou segunda-feira,
começam a passar mal, ficar ansiosos. Tiveram de criar um calendário falso,
usado apenas para fins turísticos, não reconhecido ou obedecido pelos nativos.
A semana está incrustada nos civilizados como uma pedra preciosa em um anel.
Consultaram todos os especialistas,
inclusive Saroyan, o armênio que vivia num trapézio volante e tinha na cabeça
todo o calendário gregoriano. O diagnóstico: "Nenhuma possibilidade de
cura". Contataram um soteropolitano atabalhoado cujo ofício era redigir
calendários perpétuos para revistas e jornais. O homem mantinha urna coluna
semanal, respondendo a indagações do tipo: que dia da semana foi 31 de julho de
1911. Ou que dia da semana foi 14 de março de 1948. Também não ajudou. Nos
dezessete mil livros que ele possuía não havia registros de homens que odiavam
as segundas-feiras. Surgiram casos de agressividade contra o domingo, os
feriados, os dias santos. Descartados, uma vez que se tratava de padrões
mesquinhos, de executivos viciados em trabalho que se desesperavam com a semana
tão curta (adoravam fazer dinheiro para as instituições em que trabalhavam) e
fiéis de religiões que não acreditavam na sacralidade de certas datas.
Ele estava determinado. Haveria de
acabar com a segunda-feira, a qualquer custo. Em todas as pessoas com quem
conversou percebeu enorme entusiasmo. Sabia que haveria resistência da
indústria, do comércio, dos bancos e dos coletores de impostos. Dentro em breve
estariam terminadas as segundas-feiras, a ansiedade dos finais de domingo, a
angústia das longas e silenciosas tardes repletas de melancolia.
Seu plano era perfeito. Do domingo se
saltaria para terça-feira, ficando a segunda sem nome. Esse dia seria uma
câmara de descompressão. Nele seria restabelecido o alívio, as pessoas
ganhariam ânimo para trabalhar, começariam a semana bem-preparadas, cheias de
força física e estímulo para produzir mais. Uma pessoa alegre, de bem com a
vida, rende, os patrões iriam adorar. Em seguida, surgiu outra ideia. Com o
tempo, se faria campanha para extinguir a sexta-feira. Outra câmara, preparando
as pessoas para o repouso do fim de semana. Não se descansa trazendo ainda a
pressão dos compromissos. Uma semana composta apenas de terça, quarta e
quinta-feira era a utopia do mundo. Poderia ser um movimento universal.
Saía todas as manhãs com um manifesto
redigido em papel almaço pautado, percorria as ruas colhendo assinaturas. Via
como a segunda-feira era odiada, as pessoas assinavam com prazer,
cumprimentando-o. "Finalmente se faz alguma coisa para abolir esse dia
maldito. É disso que precisamos, de iniciativas particulares. Pode-se até
fundar uma organização não-governamental." Também era ridicularizado, enxotado,
ofendido, chegaram a cuspir nele, empurraram-no contra as paredes, enfiaram a
sua cabeça em um bueiro cheio de coisas podres. Ele não desistia, estava
apaixonado pela causa. As folhas tomavam duas estantes, a mulher olhava para
elas e sacudia a cabeça, porém não tentava impedir que ele fosse até o fim,
mostrava-se feliz. A cada dia ele trazia histórias engraçadas ou estranhas, os
dois analisavam o comportamento das pessoas. Ela só não acreditou quando ele
contou a respeito de um homem que tinha perdido a mão na caixa do correio,
estava na fila dos Encontrados e não parecia desesperado, apenas tentava
recuperar a mão. O entusiasmo dele era crescente. Depois do Brasil, buscaria
assinaturas no mundo inteiro. Era preciso reunir as pessoas, debater o assunto,
montar uma organização. Marcou o dia, ela redigiu o folheto, sabia montar
frases insinuantes, convencer as pessoas a consumir.
Imprimiram vinte mil volantes. Perto da
casa havia um cinema recém-fechado, eles conheciam o proprietário, era também
dono de uma tecelagem cliente da agência em que ela trabalhara. O homem
concordou em alugar por uma noite, desde que eles pagassem as despesas de luz e
varressem a sala, devia haver uma boa poeira amontoada. Seriam
responsabilizados pelo vandalismo, caso ocorresse, nunca se sabe com multidões.
Assim, os dois começaram a distribuir os volantes. E se alternavam, um dia, ela
saía com o manifesto, recolhendo assinaturas e ele com folhetos. Depois,
invertiam. Esperavam umas mil pessoas na primeira noite, o entusiasmo era
grande. "As pessoas andam vazias", ele comentava, "precisam de
alguma motivação, um sonho, um sentido para a vida."
Ao apanhar o elevador, certa manhã,
cheio de vigor, ouviu a vizinha conversando com o médico. Era médico, estava
todo de branco: "Pois é, doutor! Veja só se pode ser. Meu marido não
suporta a terça-feira, fica mal, muito mal, perde as forças, nem se levanta da
cama. Veja só! O corpo inteiro dói, tem cãibras, as juntas incham. Ele odeia as
terças-feiras. O que vamos fazer? Estamos ficando todos loucos, ele até fala em
eliminar a terça-feira, está com os planos prontos. Veja só se pode ser!".
Ignácio de Loyola
Brandão.
Fonte: Letra e Vida.
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos –
Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 96-101.
Entendendo o conto:
01 – Qual é a principal
aflição do protagonista do conto?
A principal
aflição do protagonista é o seu ódio incontrolável e físico pelas
segundas-feiras. Esse ódio se manifesta com sintomas como suores, calafrios,
dores musculares, visão embaçada, nevralgia e até inchaços e tosse seca.
02 – Como a esposa do
protagonista reage inicialmente aos seus sintomas e o que ela sugere?
A esposa do
protagonista inicialmente fica alarmada com os sintomas, mas, com o tempo, ela
intui que "isso é coisa da segunda-feira" e sugere que ele procure um
psicólogo.
03 – Quais foram algumas das
tentativas do protagonista para lidar com seu ódio pela segunda-feira antes de
sua "solução final"?
Ele tentou seguir
conselhos do psicólogo (pensar em outras coisas, assistir a filmes longos),
sugestões de amigos (ir a motéis com a esposa), e foi a diversos especialistas
e locais como centros espíritas, terreiros de macumba, tarólogos, astrólogos,
médicos ortomoleculares e cultos carismáticos. Também tentou alterar seu
horário de trabalho para evitar a segunda-feira.
04 – O que o médico
não-ortodoxo diagnostica para o protagonista, segundo revistas científicas
tailandesas?
O médico
não-ortodoxo diagnostica que o protagonista é portador do vírus MondayMonday,
um vírus raro que se espalha no planeta globalizado e para o qual ainda não há
medicamentos ou vacinas.
05 – Qual é a
"solução" que o protagonista idealiza para acabar com seu sofrimento,
e qual é a primeira reação de sua esposa a essa ideia?
A
"solução" que ele idealiza é acabar com a segunda-feira, eliminando-a
do calendário. A primeira reação de sua esposa é considerá-la "coisa de
louco", argumentando que, se a segunda-feira fosse eliminada, a terça se
tornaria a segunda e o domingo o primeiro, o que seria uma confusão.
06 – Como o protagonista tenta
justificar a ideia de eliminar a segunda-feira para sua esposa, além de sua
própria doença?
Ele argumenta que
a segunda-feira é odiada por todos, causa alergias, neuroses, traumas e
paranoias, e que sua eliminação acabaria com metade da violência e da ansiedade
do país.
07 – O que a ex-publicitária,
esposa do protagonista, fez quando percebeu que odiava os produtos para os
quais criava campanhas?
Ela "deu um
basta", escreveu com tipos enormes a frase "O molho é uma merda"
para um diretor de criação e abandonou a carreira, percebendo que seus dedos
incharam ao digitar a frase.
08 – O que o protagonista faz
para começar a concretizar seu plano de eliminar a segunda-feira?
Ele começa a
escrever um manifesto em papel almaço pautado e sai pelas ruas coletando
assinaturas das pessoas, percebendo o entusiasmo de muitos com a ideia.
09 – Além do Brasil, para onde
o protagonista planeja expandir sua campanha para abolir a segunda-feira?
Ele planeja
expandir sua campanha para o mundo inteiro, buscando assinaturas em outros
países e organizando um movimento universal.
10 – Qual é a ironia no final
do conto, em relação ao objetivo do protagonista?
A ironia no final
do conto é que, após toda a determinação e esforço do protagonista para
eliminar a segunda-feira, ele ouve a vizinha no elevador reclamando com o
médico sobre seu marido, que agora odiava as terças-feiras e falava em eliminá-las.
Isso sugere que a aversão a um dia específico da semana pode ser um ciclo que
se repete, independentemente da eliminação de um dia.
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