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quinta-feira, 3 de julho de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: SER PROFESSORA É O MELHOR TRABALHO PARA UMA MULHER - ROSA MARIA ANTUNES DE BARROS - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Ser professora é o melhor trabalho para uma mulher

               Rosa Maria Antunes de Barros

          Esta história – esta reflexão – é dedicada a todos os professores que acreditam que da sua competência profissional depende a qualidade da educação escolar

        "O melhor trabalho para uma mulher é ser professora: fica só meio período na escola, ganha seu dinheirinho e ainda pode cuidar da casa e dos filhos." Isso era o que Sônia, quando criança, ouvia nas conversas da sua mãe com suas tias que também eram professoras. Ela mesma não sabia o que queria ser, não gostava de estudar, mas de vez em quando brincava de escolinha no quarto dos fundos da sua casa, onde a porta verde escura servia de lousa.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFWTBAHf13GimM3HTCNVwUO6SJumH2giZwLElKIdLI0cSDYG6OIjjvUwndg33SCornFpmU-_6vciZIHtLiqFkIHeMGI1bp2o_KNPEcFnermfCSzmpaLQHpdrcrwb_K7nyjdd0AoNQFZAR6QgYUzr9RSJOetH35QWCVeo8BXQtO_cZZD33PWUt_4_pgBeU/s320/3171581-professora-cartoon-mulher-segurando-livro-e-aponte-para-quadro-negro-com-regra-vetor.jpg 


        O tempo passou e o desinteresse pela escola e pelos estudos continuava. Preferia fazer qualquer trabalho a ficar envolvida com livros e cadernos. Fazia muitas artimanhas para esconder o seu mau desempenho, mas era sempre descoberta. Quando estava fazendo pela segunda vez a sexta série, sua mãe teve uma conversa com ela e disse que iria tirá-la da escola.

        Não foi muito fácil esse momento e Sônia começou a pensar como seria sua vida sem estudo e sem a relação com os amigos e primos. Achou que estava diante de uma mudança radical e resolveu, então, se dedicar um pouco mais como aluna.

        Acabou por continuar os estudos e tornou-se professora na mesma escola onde sempre estudou. Sentia-se aliviada, pois finalmente conseguiu um diploma.

        Começou a trabalhar como professora numa escola pública e depois de alguns anos teve uma primeira experiência como professora de uma classe de 1ª série. Não conseguia alfabetizar todos os seus alunos e nas reuniões justificava-se dizendo que o problema era o nível socioeconômico das crianças: pobres, largadas, com pais desinteressados, que conviviam com a violência e que iam à escola para comer... Sabia que poderia ser bom incentivar seus alunos a irem à biblioteca da escola, um dos poucos recursos de que dispunha, mas percebia que eles não se interessavam pela leitura, porque só folheavam os livros e logo queriam mudar para outro. Essas ideias que justificavam o desinteresse e o não-aprendizado das crianças eram comuns entre muitos de seus colegas.

        A escola de Sônia ficava na periferia de um centro urbano e era uma das poucas da região que recebiam estagiários do curso normal. Todo ano, ela recebia uma em sua sala, e contava as dificuldades que enfrentava para ensinar todos os seus alunos. Dizia que não sabia o que fazer, porque se tratava de um problema social. Contava que não tinha interesse pelos cursos oferecidos pela Secretaria de Educação, afinal, a cada nova administração a moda mudava e por isso fazer cursos era perda de tempo. Além do mais, alfabetizou-se pela cartilha e mesmo assim se tornou professora, como tanta gente.

        Comentava com todas as colegas suas ideias a respeito da formação de professores, inclusive com Eliane, uma estagiária, que afirmava também concordar com ela e dizia ter escolhido ser professora porque, apesar do salário ser igual ao de um caixa de supermercado, na escola não teria de trabalhar muito, apenas meio período, teria férias duas vezes por ano e as atividades na sala de aula eram muito simples: mandar as crianças fazer as atividades do livro didático, depois corrigi-las e tirar as dúvidas daquelas com mais dificuldades.

        O tempo passou e Sônia se casou. Teve dois filhos que frequentaram uma escola de educação infantil que não fazia nenhum investimento na alfabetização porque o seu objetivo era recrear e sociabilizar e não preparar as crianças para a 1ª série. Isso não a preocupava porque seu filho mais velho havia se alfabetizado sozinho e com certeza teria sucesso no Ensino Fundamental.

        Dois anos depois, seu segundo filho ingressou na Ia série, mas infelizmente não estava alfabetizado. Sônia, agora, trabalhava em duas escolas e não tinha tempo para ajudar seus filhos nas tarefas de casa. Teve oportunidade de acompanhar o primeiro dia de aula e ficou surpresa quando descobriu que a professora era justamente Eliane.

        O semestre foi passando e Sônia foi ficando incomodada ao ver que seu filho não aprendia a ler e escrever. Fez várias reuniões com a professora e não conseguia entender como seu filho, um menino com uma família estruturada, bem alimentado, protegido da violência, não tinha sucesso. Foi sugerido que procurasse um psicólogo e Sônia resolveu consultar o melhor do seu seguro-saúde, que, segundo soube, vivia se atualizando e participando de cursos e congressos. Feito o diagnóstico, nada foi encontrado a não ser a confirmação do desinteresse pelas atividades escolares. Sônia comentou com Eliane e ela disse que nada podia fazer, afinal não iria mudar a sua forma de trabalhar de tantos anos por causa do filho dela. Os meses foram se passando, e, em agosto, Eliane precisou pedir uma licença médica prolongada. Veio então uma professora substituta, Fátima.

        Sônia foi imediatamente procurá-la para contar o problema do seu filho e Fátima ouviu-a atenciosamente. Outras mães, insatisfeitas porque as crianças não aprendiam a ler e escrever, também foram conversar com ela. A professora resolveu fazer uma reunião de pais e contar como era o seu trabalho, em que pressupostos teóricos ele estava apoiado, porque iriam sentir que as mudanças seriam grandes dali para a frente. Sônia, assim como muitos pais, ficou preocupada com as mudanças, mas não tinha opção a não ser concordar. As mudanças eram mesmo muito grandes e se via que ela tinha uma forma muito diferente de tratar os conteúdos escolares, especialmente a linguagem escrita.

        O final do ano chegou e muitas crianças avançaram, inclusive o filho de Sônia, que aprendeu a ler e escrever.

        Esta história é muito mais comum do que podemos imaginar e nos convida a algumas reflexões sobre o que significa ser professor. Precisamos ter claro, mas muito claro, que se trata de uma profissão e, como tal, requer profissionais que constantemente estejam estudando e se atualizando. A realidade nos mostra que não podemos nos dar ao luxo de dizer que não queremos aprender ou nos atualizar, pois isso é algo que está posto para qualquer profissão, inclusive a dos professores. Certamente, acharíamos absurdo ouvir de um médico que não quer conhecer novas teorias ou novas técnicas de cirurgia... Por que um professor fica tão incomodado quando há novas teorias e conhecimentos didáticos na área de educação? Hoje, qualquer profissional – engenheiro, agricultor, costureira, dentista, cozinheira... – sabe que precisa atualizar-se.

        E por que estudar é tão importante para nós, professores? Porque não é aceitável responsabilizar as crianças pela impossibilidade de a escola ensiná-las. Sabemos que há situações muito difíceis a serem enfrentadas e que não é produtivo gastar tempo e energia procurando culpados. Não podemos atribuir a responsabilidade do fracasso escolar ao nível socioeconômico dos alunos, mas também sabemos que é muito mais trabalhoso ensinar crianças de ambientes não-letrados.

        Criticamos os pais por não se envolverem com as atividades escolares de seus filhos, esquecendo-nos que eles são fruto de uma escola que em geral pouco contribuiu com sua formação, e que muitos nem sequer passaram pelos bancos escolares. E se olharmos para nós, o que diríamos do nosso desinteresse pela leitura e pela escrita, que é ferramenta fundamental da nossa profissão?

        Precisamos assumir a responsabilidade da nossa formação inadequada para não continuar perpetuando esta situação. Ser professor não é uma tarefa fácil, como sempre quiseram que acreditássemos, e só com muita competência e empenho de todos será possível reverter esta situação.

        Ser Eliane, Sônia ou Fátima é uma questão de opção.

Rosa Maria Antunes de Barros.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 72-74.

Entendendo o artigo:

01 – Qual era a percepção inicial de Sônia e de sua família sobre a profissão de professora, e como essa percepção influenciou suas escolhas?

      A percepção inicial de Sônia e de sua família (mãe e tias) era que ser professora era o "melhor trabalho para uma mulher" porque oferecia meio período na escola, um "dinheirinho" e tempo para cuidar da casa e dos filhos. Essa visão simplificada e idealizada da profissão, que Sônia ouvia desde criança, a influenciou a seguir carreira na educação, mesmo sem ter interesse pelos estudos inicialmente e buscando apenas um diploma.

02 – Como a experiência de Sônia como professora de 1ª série com alunos em dificuldade de alfabetização começou a desafiar suas crenças?

      A experiência de Sônia com alunos da 1ª série que não conseguiam ser alfabetizados começou a desafiar suas crenças ao colocá-la diante de uma realidade complexa. Ela justificava o não-aprendizado pelo nível socioeconômico das crianças, pela falta de interesse dos pais e pela violência, atribuindo o problema a fatores externos e sociais, e não à sua própria prática pedagógica. Essa dificuldade a fez questionar suas abordagens, embora inicialmente não a levasse a buscar soluções em formação continuada.

03 – De que forma a atitude de Eliane, a estagiária, reflete uma mentalidade comum entre alguns profissionais da educação?

      A atitude de Eliane reflete uma mentalidade comum entre alguns profissionais da educação que veem a profissão como um "trabalho simples", com poucas exigências e muitas vantagens (meio período, férias, atividades de sala de aula supostamente fáceis). Ela não demonstrava interesse em aprofundar seus conhecimentos ou inovar, contentando-se em apenas "mandar as crianças fazer as atividades do livro didático", o que indica uma visão limitada e descompromissada com a complexidade da alfabetização e do aprendizado.

04 – Qual foi o ponto de virada para Sônia em relação à sua percepção da profissão de professora, e o que a levou a essa mudança?

      O ponto de virada para Sônia ocorreu quando seu próprio filho, com uma família estruturada e protegida da violência, não conseguiu ser alfabetizado na 1ª série pela professora Eliane. Essa experiência pessoal a fez confrontar a ineficácia das práticas pedagógicas que ela mesma utilizava e defendia. A dificuldade do filho, que não se encaixava nas justificativas anteriores sobre "nível socioeconômico", a impulsionou a buscar ajuda e a refletir sobre a importância da competência profissional do professor.

05 – Como a chegada da professora substituta, Fátima, impactou a visão de Sônia sobre o processo de ensino-aprendizagem e a responsabilidade do professor?

      A chegada da professora substituta, Fátima, impactou profundamente a visão de Sônia. Fátima demonstrou uma abordagem profissional, baseada em pressupostos teóricos e disposta a implementar mudanças significativas na forma de tratar os conteúdos, especialmente a linguagem escrita. A capacidade de Fátima em alfabetizar o filho de Sônia e outras crianças insatisfeitas, mesmo em um curto período, evidenciou para Sônia que a competência e o engajamento do professor são fundamentais e que a responsabilidade pelo aprendizado não pode ser atribuída apenas aos alunos ou ao seu contexto social.

06 – Segundo o artigo, por que a atualização e o estudo são tão cruciais para os professores, e qual analogia é utilizada para reforçar essa ideia?

      Segundo o artigo, a atualização e o estudo são cruciais para os professores porque a profissão, como qualquer outra, requer profissionais que se constantemente se desenvolvam e se atualizem. Não é aceitável que os professores responsabilizem as crianças pela impossibilidade da escola ensiná-las. A analogia utilizada para reforçar essa ideia é a de um médico que se recusasse a conhecer novas teorias ou técnicas de cirurgia, algo que seria considerado absurdo. Da mesma forma, os professores não deveriam se sentir "incomodados" com novas teorias e conhecimentos didáticos na área da educação.

07 – Qual é a principal mensagem do artigo ao afirmar que "Ser Eliane, Sônia ou Fátima é uma questão de opção"?

      A principal mensagem do artigo ao afirmar que "Ser Eliane, Sônia ou Fátima é uma questão de opção" é que a postura profissional do professor é uma escolha individual. Eliane representa a postura descompromissada e acomodada; Sônia, a professora que, embora inicialmente desinteressada e justificadora, passa por uma transformação a partir de uma experiência pessoal; e Fátima, a profissional competente, engajada e comprometida com a constante busca por conhecimento e com a responsabilidade de promover o aprendizado de todos os alunos. A frase destaca que o professor tem a autonomia e a responsabilidade de decidir qual caminho seguir em sua carreira, impactando diretamente a qualidade da educação.

 

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