Poesia: Uma mulher que se abre
Marize Castro
Quando uma mulher se abre o que há de
mais solitário se alarga. Espantalhos de dor se mostram e se decompõem. Flocos
de agonia se aproximam. Crescem perdas. Voam conchas.

Uma mulher que se abre é uma mulher
mergulhada em anáguas e sendas. Saltando sobre a luz. Deram-lhe lanças e um
falso espelho para enganar as feridas.
Quebrada, ela conduz corações ao
túmulo. Esperando, que uma nova morte, traga-lhe nova grinalda e novo véu.
Em surdina, uma mulher que se abre
deseja o esquecimento e a maternidade. Quer parir, dormir, trepar. Morte à
memória!
– O mundo não corrompe quem habita os
subterrâneos.
Disse-lhe um livro com o sol no ventre.
O
extravio de uma mulher que se abre é um deslumbre. Uma significação doce e
mórbida. Possui a beleza e está carregado de hóstias e sepulturas.
Moças e rapazes, caindo em abismos,
sustentam essa mulher aberta. Beijam-lhe o útero exposto.
Afogado
em seus cabelos, ela se arqueia na esperança que o amor, quando novamente
acontecer, não traga algemas.
Uma mulher que se abre é pedra,
cratera, rio, relíquia.
Traz na língua o perdão e suas chamas.
Publicado no Diário de
Natal, em 18 de julho de 1999.
Entendendo a poesia:
01 – Que sentimentos e imagens
são associados à abertura da mulher no início do poema?
No início do
poema, a abertura da mulher está associada a sentimentos de solidão que se
alarga, ao aparecimento e decomposição de "espantalhos de dor", à
aproximação de "flocos de agonia", ao crescimento de perdas e ao voo
de conchas. Essas imagens sugerem um processo de exposição vulnerável e
dolorosa.
02 – O que o poema sugere
sobre os "presentes" dados a uma mulher que se abre?
O poema sugere
que a uma mulher que se abre "deram-lhe lanças e um falso espelho para
enganar as feridas". Isso pode indicar que as ferramentas oferecidas a ela
para lidar com sua vulnerabilidade são inadequadas, ou até mesmo prejudiciais,
pois as lanças podem simbolizar defesa ou ataque, e o espelho falso, uma ilusão
ou negação da dor real.
03 – Quais são os desejos
contraditórios expressos por uma mulher que se abre no quarto verso?
No quarto verso, os desejos expressos são
contraditórios: ela "deseja o esquecimento e a maternidade". Essa
dualidade entre querer apagar o passado ("Morte à memória!") e o
desejo de criar vida ("Quer parir, dormir, trepar") revela uma busca
por renovação e libertação das marcas do passado.
04 – O que significa a
afirmação "O mundo não corrompe quem habita os subterrâneos" no
contexto do poema?
Essa afirmação,
dita por um "livro com o sol no ventre", sugere que a vulnerabilidade
e a exploração das profundezas do ser (os "subterrâneos") podem
oferecer uma forma de proteção contra a corrupção do mundo exterior. Implica
que a verdadeira força e pureza podem ser encontradas na imersão e na aceitação
das próprias complexidades e dores.
05 – Que elementos simbólicos
o poema utiliza para descrever a mulher que se abre no final?
No final, a
mulher que se abre é descrita com elementos simbólicos poderosos: ela é
"pedra, cratera, rio, relíquia". Esses símbolos representam,
respectivamente, solidez e resistência (pedra), profundidade e força vulcânica
(cratera), fluidez e persistência (rio), e valor e história (relíquia). Juntos,
eles ilustram a complexidade, a resiliência e a sacralidade da mulher em seu
processo de abertura.
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