Conto: Cem anos de solidão – Fragmento
Gabriel García Márquez
[...]
Haviam contraído, na verdade, a doença
da insônia. [...] No princípio, ninguém se alarmou. Pelo contrário,
alegraram-se de não dormir, porque havia então tanto o que fazer em Macondo que
o tempo mal chegava. [...]
Foi Aureliano que concebeu a fórmula
que havia de defende-los, durante vários meses, das evasões da memória.
Descobriu-a por acaso. [...] Um dia, estava procurando a pequena bigorna que
utilizava para laminar metais, e não se lembrou do seu nome. Seu pai lhe disse:
“tás”.

Aureliano escreveu o nome num papel que
pregou com cola na base da bigorninha: tás. Assim, ficou certo de não
esquecê-lo no futuro. Não lhe ocorreu que fosse aquela a primeira manifestação
do esquecimento, porque o objeto tinha um nome difícil de lembrar. Mas poucos
dias depois, descobriu que tinha dificuldade de se lembrar de quase todas as
coisas do laboratório. Então, marcou-as com o nome respectivo, de modo que
bastava ler a inscrição para identifica-las. Quando o seu pai lhe comunicou o
seu pavor por ter-se esquecido até dos fatos mais impressionantes da sua
infância, Aureliano lhe explicou o seu método, e José Arcadio Buendía o pôs em
prática para toda a casa e mais tarde o impôs a todo o povoado. Com um pincel
cheio de tinta, marcou cada coisa com o seu nome: mesa, cadeira, relógio,
porta, parede, cama, panela. Foi o curral e marcou os animais e s plantas:
vaca, cabrito, porco, galinha, aipim, taioba, bananeira. Pouco a pouco,
estudando as infinitas possibilidades do esquecimento, percebeu que podia chegar
um dia em que se reconhecessem as coisas pelas suas inscrições, mas não se
recordasse a sua utilidade. Então foi mais explícito. O letreiro que pendurou
no cachaço da vaca era uma amostra exemplar da forma pela qual os habitantes de
Macondo estavam dispostos a lutar contra o esquecimento: Esta é a vaca, tem-se
que ordenha-la todas as manhãs para que produza o leite e o leite é preciso
ferver para misturá-la com o café e fazer café com leite. Assim, continuaram
vivendo numa realidade escorregadia, momentaneamente capturada pelas palavras,
mas que haveria de fugir sem remédio quando esquecessem os valores da letra
escrita.
[...]
MÁRQUEZ, Gabriel
García. Cem anos de solidão. Tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro: Record,
2001. p. 48-51. (Fragmento).
Fonte: Língua
Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e
Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 199-200.
Entendendo o conto:
01 – Qual foi a primeira
manifestação da doença da insônia em Macondo e como as pessoas reagiram
inicialmente?
A primeira
manifestação da doença foi a incapacidade de dormir. No início, as pessoas não
se alarmaram e até se alegraram, pois tinham muito o que fazer em Macondo e
sentiam que o tempo não era suficiente.
02 – Quem concebeu a fórmula
para defender os habitantes de Macondo das "evasões da memória"?
Foi Aureliano
quem concebeu a fórmula. Ele a descobriu por acaso enquanto procurava uma
pequena bigorna e não conseguia se lembrar do nome dela.
03 – Qual foi o método
desenvolvido por Aureliano para combater o esquecimento?
Aureliano começou a marcar os objetos com
seus respectivos nomes em papéis, colando-os neles. Quando percebeu que o
esquecimento poderia levar as pessoas a não se lembrarem da utilidade das
coisas, ele foi mais explícito, descrevendo a função de cada item, como o
letreiro na vaca que explicava como ordenhá-la para obter leite.
04 – Como José Arcadio
Buendía, pai de Aureliano, reagiu ao método desenvolvido pelo filho?
José Arcadio
Buendía ficou apavorado ao perceber que estava esquecendo até mesmo os fatos
mais marcantes de sua infância. Ao saber do método de Aureliano, ele o colocou
em prática para toda a casa e, posteriormente, impôs a todo o povoado de
Macondo.
05 – Qual era o perigo
iminente que Aureliano previu em relação ao esquecimento, mesmo com as
inscrições?
Aureliano
percebeu que poderia chegar um dia em que as pessoas reconheceriam as coisas
pelas inscrições, mas não se recordariam da sua utilidade. Por isso, ele se
tornou mais explícito nas descrições.
06 – Que exemplo é dado no
texto para ilustrar a luta dos habitantes de Macondo contra o esquecimento da
utilidade das coisas?
O exemplo dado é
o letreiro pendurado no cachaço da vaca, que dizia: "Esta é a vaca, tem-se
que ordenha-la todas as manhãs para que produza o leite e o leite é preciso
ferver para misturá-la com o café e fazer café com leite."
07 – Como o fragmento descreve
a realidade em que os habitantes de Macondo passaram a viver devido à doença da
insônia e do esquecimento?
O fragmento
descreve que eles passaram a viver "numa realidade escorregadia,
momentaneamente capturada pelas palavras, mas que haveria de fugir sem remédio
quando esquecessem os valores da letra escrita."
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