Poema: Ideias íntimas – Fragmento
Álvares de Azevedo
I
Ossian o bardo é triste como a
sombra
Que seus cantos povoa. O
Lamartine
É monótono e belo como a
noite,
Como a lua no mar e o som das
ondas...
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgq0Jkehpwnc9hCEi1tUtsQwyYzsJoMb_Z3pN9qMAcSv8Lr9qr3z3GU2uh_mNIfZZ5uqf4_9680KbOmbhPrDAXdcjKOKeke1q4-kZxuMPTYaWWdfEul5b90SMUEgRNSczl1bNWopKWpQj1jgF-iS9w-ErzcrwVSgRX6VGyNTRGilkYomMJvN8sVBiRIGaI/s1600/images.jpg
[...]
Parece-me que vou perdendo o
gosto,
Vou ficando blasé: passeio os
dias
Pelo meu corredor, sem
companheiro,
Sem ler, nem poetar. Vivo
fumando.
Minha casa não tem menores
névoas
Que as deste céu d’inverno...
Solitário
Passo as noites aqui e os dias
longos.
Dei-me agora ao charuto em
corpo e alma:
[...]
X
Meu pobre leito! eu amo-te
contudo!
Aqui levei sonhando noites
belas;
As longas horas olvidei
libando
Ardentes gotas de licor
dourado,
Esqueci-as no fumo, na leitura
Das páginas lascivas do romance...
Meu leito juvenil, da minha
vida
És a página d’oiro. Em teu
asilo
Eu sonho-me poeta e sou ditoso,
E a mente errante devaneia em
mundos
Que esmalta a fantasia! Oh!
quantas vezes
Do levante no sol entre
odaliscas
Momentos não passei que valem
vidas!
Quanta música ouvi que me
encantava!
Quantas virgens amei! que
Margaridas,
Que Elviras saudosas e
Clarissas,
Mais trêmulo que Faust, eu não
beijava,
Mais feliz que Don Juan e
Lovelace
Não apertei ao peito
desmaiando!
Ó meus sonhos de amor e
mocidade,
Porque ser tão formosos, se
devíeis
Me abandonar tão cedo... e eu
acordava
Arquejando a beijar meu
travesseiro?
XII
Aqui sobre esta mesa junto ao
leito
Em caixa negra dois retratos
guardo.
Não os profanem indiscretas
vistas.
Eu beijo-os cada noite: neste
exílio
Venero-os juntos e os prefiro
unidos
— Meu pai e minha mãe! Se
acaso um dia
Na minha solidão me acharem
morto,
Não os abra ninguém. Sobre meu
peito
Lancem-os em meu túmulo. Mais
doce
Será certo o dormir da noite
negra
Tendo no peito essas imagens
puras.
XIV
Parece que chorei... Sinto na
face
Uma perdida lágrima rolando...
Satã leve a tristeza! Olá, meu
pagem,
Derrama no meu copo as gotas
últimas
Dessa garrafa negra...
Eia! bebamos!
És o sangue do gênio, o puro
néctar
Que as almas do poeta
diviniza,
O condão que abre o mundo das
magias!
Vem. Fogoso Cognac! É só
contigo
Que sinto-me viver. Inda
palpito,
Quando os eflúvios dessas
gotas áureas
Filtram no sangue meu correndo
a vida,
Vibram-me os nervos e as
artérias queimam,
Os meus olhos ardentes se
escurecem
E no cérebro passam delirosos
Assomos de poesia... Dentre a
sombra
Vejo num leito d’ouro a imagem
dela
Palpitante, que dorme e que
suspira,
Que seus braços me estende...
Eu me esquecia:
Faz-se noite; traz fogo e dois
charutos
E na mesa do estudo acende a
lâmpada...
In: Álvares de Azevedo,
cit., p. 31-38.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 2ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja,
Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 88.
Entendendo o poema:
01 – Qual a principal
atmosfera emocional que se depreende dos versos iniciais do poema, comparando
Ossian e Lamartine?
A principal
atmosfera emocional é de melancolia e introspecção. Ossian é comparado à sombra
triste que povoa seus cantos, enquanto Lamartine evoca uma beleza melancólica,
como a noite, a lua no mar e o som das ondas, sugerindo um estado de espírito
contemplativo e talvez um tanto sombrio do eu lírico.
02 – Descreva o estado de
espírito do eu lírico na segunda estrofe (versos 6-15). Quais são seus hábitos
e a que ele compara sua casa?
O eu lírico
demonstra um sentimento de tédio e apatia ("vou ficando blasé",
"sem companheiro, sem ler, nem poetar"). Seu hábito principal é
fumar. Ele compara sua casa a um céu de inverno, sugerindo um ambiente frio,
sombrio e solitário, tanto física quanto emocionalmente.
03 – No fragmento da décima
estrofe, qual a relação do eu lírico com seu "pobre leito"? Que tipo
de memórias e experiências ele associa a esse lugar?
Apesar de
chamá-lo de "pobre leito", o eu lírico o ama e o considera a
"página d’oiro" de sua vida juvenil. Ele associa a ele memórias de
sonhos belos, noites de esquecimento através da bebida e da leitura de romances
lascivos. É um espaço de fantasia onde ele se sente poeta e feliz, imaginando
encontros amorosos idealizados com diversas figuras femininas.
04 – O que representam os dois
retratos guardados em uma caixa negra junto ao leito? Qual o pedido do eu
lírico em relação a eles caso o encontrem morto?
Os dois retratos
representam o pai e a mãe do eu lírico. Ele os venera e os prefere unidos,
beijando-os todas as noites em seu exílio (provavelmente um exílio emocional ou
de solidão). Seu pedido é que, caso o encontrem morto, ninguém abra a caixa,
mas que os retratos sejam lançados sobre seu peito no túmulo, pois acredita que
isso tornará seu sono na noite da morte mais doce.
05 – Na décima quarta estrofe,
qual a mudança de humor expressa pelo eu lírico? A que ele atribui o poder de
divinizar a alma do poeta e abrir o mundo das magias?
Há uma mudança de
humor da melancolia ("Parece que chorei...") para uma tentativa de
euforia e escape. Ele atribui ao "fogoso Cognac" o poder de divinizar
a alma do poeta e abrir o mundo das magias, vendo-o como o "sangue do
gênio" e o "puro néctar".
06 – Que visão ou delírio o eu
lírico experimenta sob o efeito da bebida? Qual a sua reação imediata após essa
visão?
Sob o efeito da
bebida, o eu lírico tem a visão delirante de uma mulher em um leito de ouro,
palpitante, dormindo e suspirando, estendendo-lhe os braços. Sua reação
imediata é de esquecimento do contexto presente ("Eu me esquecia:") e
um pedido para que tragam fogo e dois charutos e acendam a lâmpada na mesa de
estudo, indicando um retorno à realidade e a seus hábitos.
07 – Identifique elementos
característicos da segunda geração do Romantismo (Ultra-Romantismo ou
Byronismo) presentes neste fragmento do poema.
Vários elementos
característicos do Ultra-Romantismo estão presentes:
Melancolia
e Pessimismo: O tom geral do poema é de tristeza, tédio e solidão.
Idealização
da Morte: O desejo de ser enterrado com os retratos dos pais sugere uma
idealização da morte como um refúgio.
Fuga
da Realidade: A busca por escapismo através da bebida, do fumo e das
fantasias amorosas no leito.
Subjetivismo
e Egocentrismo: O foco intenso nos sentimentos e experiências do eu lírico.
Exaltação do Eu e do Gênio: A crença no
poder "divinizador" da bebida para o poeta.
Amor
Idealizado e Sofrido: As memórias dos amores juvenis idealizados,
contrastando com a solidão presente.
Linguagem Exacerbada e
Sensual: O uso de expressões como "páginas
lascivas", "ardentes gotas de licor dourado" e a descrição da
visão da mulher.
Referências
a Figuras Românticas: A menção a Ossian e Lamartine, poetas importantes do
Romantismo.
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