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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

CRÔNICA: O CANTEIRO DE PALAVRAS - FRAGMENTO - NILSON DE SOUZA - COM GABARITO

 Crônica: O canteiro de palavras – Fragmento

              Nilson de Souza 

        Qual é o seu ofício – me pergunta com certa formalidade o simpático velhinho da fila do banco, depois do cumprimento habitual e do comentário sobre o tempo, rotinas que servem para quebrar o gelo (no nosso clima, literalmente) entre desconhecidos circunstancialmente íntimos pela espera compartilhada. Quase digo que sou jornalista, mas me policio porque conheço o poder inibidor da minha profissão.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRFBV4brXj-7n2_j66qIDZh5lUBmqxcq8CDUSgYYxP03ite0XCohKSs2QQHhnCVWbqbWkoWz9x5gKKjCySKi_H4wxJaRVXudB8ulUNpYpV04u_m5IDjlDAwDwzbkeXF5VFfZ2lcJKMcMsx-vxpVITFJJWFHwjcTdsMY6iHF7hWo3gqgtYdhK2WDAonc2M/s320/TEXTOS.jpg


        – Vivo de escrever. – Respondo no mesmo tom evasivo, tentando decifrar o efeito da resposta no seu olhar enrugado. [...]

         – Eu sou cortador de pedras – me diz com indisfarçável orgulho de quem detém um dote raro.

        Antes que a fila ande, tenho tempo ainda para ouvir algumas explicações sobre a arte de tirar paralelepípedos da rocha bruta, sobre as ferramentas que usa e sobre a quantidade de peças que produz. Ouço em silêncio para não perturbar a narrativa, mas seu trabalho não me é estranho. Perto de minha casa há uma pedreira. Conheço a faina dos homens empoeirados que lá labutam. De vez em quando fico ouvindo a distância o martelar dos canteiros e pensando na célebre fábula sobre “a tenacidade de nossas ações”, escrita por Jacob Riis, que tem como personagem exatamente um cortador de pedras. Diz mais ou menos o seguinte: “Quando nada parece dar certo, eu observo o homem que corta pedras. Ele martela uma, duas, centenas de vezes, sem que uma só rachadura apareça. Porém, na centésima primeira martelada, a pedra se abre em duas. E eu sei que não foi aquela pancada que operou o milagre, mas todas as que vieram antes”.

        Pois escrever, me dou conta enquanto preencho o cheque, não deixa de ser um processo semelhante. A gente martela centenas de vezes até que brote do cérebro (ou do dicionário) a palavra adequada, talvez a única capaz de servir à construção literária planejada. Nem sempre se consegue. A não ser que o canteiro de letras tenha o talento daquele escultor de estátuas equestres que explicava com simplicidade como conseguia tal perfeição:

         – Eu tiro da pedra tudo o que não seja cavalo.

Nilson de Souza. Zero Hora. 17/7/1996.

Fonte: Linguagem em Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 333.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal comparação estabelecida pelo narrador entre o trabalho de um escritor e o de um cortador de pedras?

      A comparação centraliza-se no processo criativo. Ambos os profissionais trabalham de forma paciente e persistente, moldando um material bruto (a palavra para o escritor, a pedra para o escultor) até alcançar o resultado desejado. A ideia de "martelar" é utilizada para simbolizar esse esforço contínuo.

02 – Qual o significado da frase "Eu tiro da pedra tudo o que não seja cavalo", dita pelo escultor de estátuas equestres?

      Essa frase resume a ideia de que a arte, seja ela a escultura ou a escrita, é um processo de subtração. O artista não acrescenta elementos à matéria-prima, mas sim remove o que é supérfluo, revelando a forma que já existia de maneira latente. No caso do escritor, a tarefa é similar: encontrar as palavras exatas e eliminar as que não contribuem para a construção do texto.

03 – Qual a importância da fábula de Jacob Riis para a reflexão do narrador sobre o processo de escrita?

      A fábula do cortador de pedras serve como uma metáfora para a persistência necessária na escrita. Ela demonstra que o sucesso não é fruto de um único esforço, mas sim de um trabalho constante e acumulativo. A rachadura na pedra, assim como a palavra perfeita, é o resultado de inúmeras tentativas anteriores.

04 – Como o narrador se sente em relação à sua profissão após a conversa com o velhinho?

      A conversa com o cortador de pedras provoca uma reflexão profunda no narrador sobre a natureza do seu próprio trabalho. Ele passa a valorizar ainda mais a complexidade e a exigência da escrita, compreendendo que a criação literária é um processo artesanal que exige dedicação e paciência.

05 – Qual o papel do diálogo entre o narrador e o velhinho para o desenvolvimento da crônica?

      O diálogo funciona como um gatilho para a reflexão do narrador sobre sua própria profissão. A partir da experiência do outro, ele é capaz de estabelecer novas conexões e construir uma visão mais abrangente sobre a criação artística.

06 – Que outros ofícios poderiam ser comparados ao trabalho de um escritor, seguindo a mesma lógica da comparação com o cortador de pedras?

      A comparação poderia ser estendida a outros ofícios que envolvem a transformação de um material bruto em uma obra acabada, como o de um escultor, um pintor, um músico, um arquiteto, entre outros. Em todos esses casos, o processo criativo exige habilidade, técnica e uma visão artística.

07 – Qual a principal mensagem que o autor busca transmitir com essa crônica?

      A crônica busca valorizar o processo criativo, mostrando que a produção de qualquer obra de arte, seja ela literária ou não, exige dedicação, persistência e um olhar atento aos detalhes. A comparação entre o escritor e o cortador de pedras serve para ilustrar essa ideia, mostrando que a criação é um trabalho árduo e gratificante.

 

 

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