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quarta-feira, 6 de novembro de 2024

CRÔNICA: BUDAPESTE - DEVIA SER PROIBIDO - (FRAGMENTO) - CHICO BUARQUE - COM GABARITO

 Crônica: Budapeste – Devia ser proibido – Fragmento

              Chico Buarque

        Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira. Certa manhã, ao deixar o metrô por engano numa estação azul igual à dela, com um nome semelhante à estação da casa dela, telefonei da rua e disse: aí estou chegando quase. Desconfiei na mesma hora que tinha falado besteira, porque a professora me pediu para repetir a sentença. Aí estou chegando quase... havia provavelmente algum problema com a palavra quase. Só que, em vez de apontar o erro, ela me fez repeti-lo, repeti-lo, repeti-lo, depois caiu numa gargalhada que me levou a bater o fone. Ao me ver à sua porta teve novo acesso, e quanto mais prendia o riso na boca, mais se sacudia de rir com o corpo inteiro.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXkIukiyfwOtDlhHakdX4issV_7wnh_kKAq7vqemtfyR1a9U-2fkdRe57k2n56itFFtEZH_ZikaWjSEPKO5Y3ESoh36OyKU78PTqmd_3KzPPYKQGGmtpPy4bVDiIFu9vnv1i4qRTdPTmAuWa5dwu0NqQLc7ifzICdEOopAhKdtrO117gku1WZj3RzJCKc/s320/budapeste_.jpg


        Disse enfim ter entendido que eu chegaria pouco a pouco, primeiro o nariz, depois uma orelha, depois um joelho, e a piada nem tinha essa graça toda.

        Tanto é verdade que em seguida Kriska ficou meio triste e, sem saber pedir desculpas, roçou com a ponta dos dedos meus lábios trêmulos. Hoje, porém posso dizer que falo o húngaro com perfeição, ou quase. Quando de noite começo a murmurar sozinho, a suspeita de um ligeiríssimo sotaque aqui e ali muito me aflige. Nos ambientes que frequento, onde discorro em voz alta sobre temas nacionais, emprego verbos raros e corrijo pessoas cultas, um súbito acento estranho seria desastroso.

        Para tirar a cisma, só posso recorrer a Kriska, que tampouco é muito confiável; a fim de me segurar ali comendo em sua mão, como talvez deseje, sempre me negará a última migalha. Ainda assim, volta e meia lhe pergunto em segredo: perdi o sotaque? Tinhosa, ela responde: pouco a pouco, primeiro o nariz, depois uma orelha... E morre de rir, depois se arrepende, passa as mãos no meu pescoço e por aí vai.

        [...]

BUARQUE, Chico. Budapeste. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Fonte: Português – José De Nicola – Ensino médio – Volume 1 – 1ª edição, São Paulo, 2009. Editora Scipione. p. 131.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a situação cômica que o narrador vivencia ao tentar falar húngaro?

      O narrador comete um erro ao tentar dizer "quase" em húngaro, o que gera uma série de reações engraçadas por parte de sua namorada, Kriska. A repetição do erro e a interpretação inusitada dada por Kriska criam um momento de humor.

02 – Qual a importância da linguagem na construção da identidade do narrador em Budapeste?

      A linguagem, especialmente o domínio do húngaro, é fundamental para a construção da identidade do narrador em Budapeste. Ele busca dominar a língua para se integrar à cultura local e se sentir mais próximo de Kriska. A preocupação com o sotaque revela seu desejo de ser aceito e reconhecido como um verdadeiro húngaro.

03 – Como a relação entre o narrador e Kriska é influenciada pela questão da linguagem?

      A questão da linguagem cria um jogo de sedução e poder entre o narrador e Kriska. Ao fazer piada com o erro do narrador, Kriska demonstra seu domínio da língua e, ao mesmo tempo, o coloca em uma posição de inferioridade. No entanto, essa dinâmica também aproxima o casal, criando momentos de cumplicidade e intimidade.

04 – Qual o papel do humor na crônica?

      O humor é um elemento fundamental na crônica, servindo para criar uma atmosfera leve e divertida. A situação cômica do erro de linguagem e as reações de Kriska proporcionam momentos de descontração e aproximam o leitor da história.

05 – Quais as inseguranças do narrador em relação ao domínio do húngaro?

      O narrador demonstra insegurança em relação ao seu domínio do húngaro, temendo ser descoberto como estrangeiro. Ele se preocupa com o sotaque e com a possibilidade de cometer erros em situações formais, o que revela sua necessidade de aprovação e reconhecimento.

06 – Qual o significado da frase "pouco a pouco, primeiro o nariz, depois uma orelha..."?

      Essa frase, repetida por Kriska, tem um duplo sentido. Inicialmente, ela serve para zombar do erro do narrador, sugerindo que ele está aprendendo o húngaro lentamente e de forma gradual. No entanto, ela também pode ser interpretada como uma metáfora para o processo de aproximação entre o narrador e Kriska, que se conhecem e se apaixonam aos poucos.

07 – Como a crônica "Budapeste" aborda o tema da identidade e do pertencimento?

      A crônica aborda o tema da identidade e do pertencimento através da experiência do narrador em um país estrangeiro. A busca por dominar a língua local e se integrar à cultura húngara revela o desejo do narrador de encontrar um lugar onde se sinta pertencente. No entanto, a crônica também sugere que a identidade é algo complexo e fluido, que não se limita à questão da nacionalidade ou da língua.

 

 

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