Conto: O diabo – Fragmento
Liev Tolstói
“Meu Deus, meu Deus! O que é que eu
faço? Será que vou acabar mesmo sucumbindo?”, dizia a si mesmo “Não posso tomar
alguma medida? Ora, eu preciso fazer alguma coisa. Não, preciso agir com
determinação. Não pensar nela!”, ordenava-se a si mesmo. “Não pensar!”, e de
repente começava a pensar, enxergava-a diante de si, via-a à sombra dos bordos.
Lembrou-se de uma história que lera
sobre um velho monge que, para fugir à tentação de uma mulher sobre a qual
devia pousar a mão para curá-la, colocou a outra mão num braseiro e queimou os
dedos. Refletiu. “É, estou mais bem preparado para queimar os dedos do que para
sucumbir”. E, certificando-se de que não havia ninguém por perto, acendeu um
fósforo e pôs um dedo na chama. “Vamos, pense nela agora”, disse com ironia.
Sentiu dor, afastou bruscamente o dedo chamuscado e jogou fora o fósforo, rindo
de si mesmo. “Que absurdo! Não é assim que se resolve o problema. Tenho é que
tomar providências para não vê-la mais, ir embora daqui ou afastá-la. Sim, afastá-la!
[...]”.
[...] Ai, Deus, com que fascínios sua
imaginação a [Stiepanida] desenhava! E isso se repetiu não uma, mais cinco,
seis vezes. E quanto mais a desenhava maior era o fascínio. Ela nunca lhe
parecera tão sedutora.
Sentia que ia perdendo a vontade
própria, que estava a ponto de enlouquecer. A severidade consigo mesmo não
enfraquecera um minuto; ao contrário, percebia toda a vileza de seus desejos,
de suas ações, porque esperá-la no bosque era uma ação. Sabia que bastaria
deparar-se com ela em qualquer lugar, no escuro, e quem sabe tocá-la, para se
render ao sentimento. Sabia que só a vergonha perante os outros, perante ela e
perante si mesmo o continha. E sabia também que buscava circunstâncias que
escondessem essa vergonha – o escuro e aquele toque, no qual essa vergonha
seria abafada pela paixão animal. E por saber que era um criminoso vil, desprezava-se e odiava-se com todas as forças
da alma. Detestava-se porque ainda não se entregara. Rezava a Deus todos os
dias pedindo que lhe desse forças, que o salvasse da perdição, todos os dias
decidia não dar nem mais um passo, não a olhar mais, esquecê-la. Todos os dias imaginava
meios de livrar-se dessa alucinação, e os punha em prática.
Mas tudo em vão.
[...] Tudo em sua casa era tão bom,
alegre e puro, mas sua alma era suja, vil e horrível. Ievguiêni passou a noite
angustiado por saber que, apesar do nojo sincero que sentia por sua fraqueza,
apesar de firme intenção de romper com Stiepanida, no dia seguinte aconteceria a
mesma coisa.
“Não, impossível”, disse consigo,
andando de um lado para outro no quarto. “Tem que haver alguma coisa que eu
possa fazer contra isso. Meu Deus! O que fazer?” [...].
Liev Tolstói. “O
diabo”. In: O diabo e outras histórias. São Paulo: Cosac Naify, 2001, p.
138-151.
Fonte: Linguagem em
Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São
Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 164-165.
Entendendo o conto:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Sucumbindo: não resistindo, cedendo.
·
Vileza: indignidade, baixeza, infâmia.
·
Bordos: árvores de cuja seiva se extrai um xarope adocicado.
·
Vil: desprezível, indigno, sem valor.
02 – Qual a principal luta interna que o protagonista
vivencia? Como ele tenta superar essa batalha entre razão e desejo? A
autoflagelação como forma de punição é eficaz?
Conflitos
psicológicos: O protagonista trava uma
batalha constante entre seus desejos carnais e suas convicções morais. A
tentação é representada pela figura de Stiepanida, que simboliza o pecado e a
transgressão.
Mecanismos de defesa:
A autoflagelação é um mecanismo de defesa primitivo e ineficaz. Ela demonstra a
angústia do personagem e sua incapacidade de lidar com seus impulsos de forma
racional.
A busca pela redenção:
O protagonista busca constantemente a redenção, mas seus esforços são sabotados
por seus próprios desejos.
03
– Qual o papel de Stiepanida na narrativa? Ela é uma tentação, um símbolo do
pecado ou algo mais complexo? Como a visão do protagonista sobre ela evolui ao
longo do fragmento?
Símbolo da
tentação: Stiepanida é mais do que apenas
uma mulher; ela representa o pecado e a força irresistível da paixão.
Objeto de desejo: A
beleza e a sedução de Stiepanida exercem um fascínio incontrolável sobre o
protagonista, intensificando sua luta interna.
Evolução da visão: A
visão do protagonista sobre Stiepanida é ambivalente. Ele a deseja
ardentemente, mas também a culpa por sua própria fraqueza.
04
– O protagonista se reconhece como um "criminoso vil". Quais os
dilemas morais que ele enfrenta? A sociedade da época influenciava esses
dilemas?
Dilema ético: O protagonista se sente culpado por seus desejos e pela
possibilidade de trair sua esposa. Ele questiona sua própria moralidade e se vê
como um pecador.
Influência social: A
sociedade da época exercia uma forte pressão moral sobre os indivíduos,
reforçando a ideia do pecado e da culpa.
Vergonha e autodesprezo:
O protagonista experimenta profundos sentimentos de vergonha e autodesprezo por
seus desejos, o que o leva a se isolar e a se torturar psicologicamente.
05
– A fé desempenha um papel importante na vida do protagonista. Como a religião
se relaciona com sua luta interna? Ela o fortalece ou o fragiliza?
Fé e culpa: A religião oferece ao protagonista um sistema de valores e
uma busca pela redenção. No entanto, sua fé é abalada por seus próprios
desejos, gerando um sentimento de culpa e angústia.
Oração e penitência:
A oração e a penitência são recursos utilizados pelo protagonista para tentar
controlar seus impulsos e se aproximar de Deus.
Falha da fé: A fé,
apesar de ser importante para o protagonista, não é suficiente para superar
seus conflitos internos.
06
– A linguagem utilizada por Tolstói para descrever os sentimentos do
protagonista é intensa e vívida. Que recursos linguísticos são utilizados para
transmitir a angústia e a confusão do personagem?
Intensidade emocional:
Tolstói utiliza uma linguagem rica em adjetivos e comparações para transmitir a
intensidade dos sentimentos do protagonista.
Fluxos de consciência:
O narrador acompanha os pensamentos caóticos do protagonista, revelando a
complexidade de sua mente.
Repetição: A
repetição de determinadas palavras e expressões enfatiza a obsessão do
protagonista por Stiepanida e sua luta interna.
07
– A natureza humana: O fragmento levanta questões sobre a natureza humana. Qual
a visão de Tolstói sobre os desejos, a fraqueza e a capacidade de mudança do
ser humano?
Intensidade
emocional: Tolstói utiliza uma linguagem
rica em adjetivos e comparações para transmitir a intensidade dos sentimentos
do protagonista.
Fluxos de consciência:
O narrador acompanha os pensamentos caóticos do protagonista, revelando a
complexidade de sua mente.
Repetição: A
repetição de determinadas palavras e expressões enfatiza a obsessão do
protagonista por Stiepanida e sua luta interna.
08
– Apesar de ser um conto do século XIX, o tema da luta interna entre razão e
desejo é universal. Quais as semelhanças e diferenças entre as experiências do
protagonista e os dilemas que enfrentamos na sociedade contemporânea?
Relevância contemporânea:
Os conflitos internos do protagonista são universais e atemporais, pois todos
nós enfrentamos dilemas semelhantes entre razão e emoção, desejo e dever.
Complexidade da condição
humana: A obra nos convida a refletir sobre a complexidade da condição humana
e a importância de compreender nossos próprios desejos e motivações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário