Crônica: Culinária Afetiva
Walcyr Carrasco
CERTOS PRATOS SÃO TÃO IMPORTANTES quanto um abraço de amor. Nunca esquecerei do pudim de queijo de minha avó. Era uma grande cozinheira essa avó. Seu pudim de leite era massudo, com queijo parmesão, com um delicioso contraste entre doce e salgado.
Até hoje, quando me oferecem pudim, eu aceito, na esperança de recuperar o mesmo sabor. Nenhum neto esqueceu essa avó, que nas épocas festivas enchia a mesa com cabrito assado, leitão, frangos recheados com farofa, doces de todo tipo.
Entretanto, os filhos e noras —- meus pais e meus tios —- temiam a cozinheira. Inexplicavelmente, certa vez minha avó confundiu parte da farinha com veneno em pó e quase matou a família inteira com uma fornada de rosquinhas. Salvaram-se as crianças pôr serem muito pequenas. Só comiam papinha. Desde então os adultos viviam ressabiados cada vez que ganhavam uma lata de biscoitos de anis. Eu, nunca! Basta comer um bom pudim para sentir o calor dos beijos e abraços de minha avó.
Minha mãe fazia pão.
Se ficava nervosa, ia para a cozinha surrar a massa. Eram pães gordinhos como
pés. Bons para comer quentinhos, com manteiga e café. E uma receita difícil de
encontrar. Ainda bem. Seria incômodo começar a fungar diante de cada pãozinho
francês que me aparecesse pela frente. A filha de uma amiga adora gatos.
Compartilha a ração dos felinos. Garante que tem um agradável sabor de peixe.
Amo meus cães. Mas ainda não sou capaz de roer um osso. Quem sabe com terapia
eu consiga vencer essa última resistência.
Inesquecível a
primeira vez em que vi a empregada da vizinha fazer bala de coco. A massa
branca rolando de um braço para o outro. Juro. Não há coisa mais linda. Uma
empregada da minha infância fazia um ovo frito perfeito. A clara branca e a
gema rosada no meio. Dá fome só de lembrar. Também não vou esquecer da primeira
vez em que cozinhei para os amigos. O objetivo: frango ao molho roquefort.
Diretamente do livro de receitas. Por engano, comprei um galo. Parecia um
frango gigante. Achei bom. Observando melhor, concluí que era um galo. Em pleno
domingo de manhã, saí caçando um frango. Consegui segundos antes de os
convidados chegarem. Cortei e temperei às pressas. Acendi o fogo. Segundos
depois, acabou o gás. Ah, os botijões! São incontroláveis! Não tinha reserva.
Saímos todos batendo nos vizinhos, pedindo gás emprestado. Nada! Lembrei de um
fogãozinho de acampamento que eu tinha. Lá ficou o frango horas e horas. Os
convidados rugindo de fome. Ao chegar ao ponto, atiraram-se na panela como
lobos. Até hoje não sei se era bom ou ruim. Foi, sim, um começo primoroso!
Convidados famintos sempre elogiam o cardápio, haja o que houver.
Entre todos os
pratos, jamais esquecerei de uma torta que comi em uma viagem. Era um grupo de
jovens hospedado em um antigo internato japonês. Todos os dias tomávamos banho
de furo, em grupo. Um dia os rapazes iam primeiro, no outro as garotas. Certa
vez elas demoraram tanto que as esperamos do lado de fora, com toalhas
molhadas. Foi uma perseguição, com todas correndo, gritando, segurando as
próprias toalhas, e os rapazes gritando e assustando. No jantar do dia
seguinte, uma torta verde, deliciosa. Comi vários pedaços, guloso. Ao final, a
revelação.
— A torta é de
capim!
Riram, vingadas!
Essa torta de capim
ficou para sempre, com esses dias gloriosos no campo. Em culinária, o afeto e
os bons momentos são sempre um tempero sem igual.
Comida boa é a que fica no coração.
Entendendo o texto
01. O autor associa certos pratos a:
a) Abraços
de amor.
b)Cheiros agradáveis.
c) Viagens
emocionantes.
d) Lembranças
tristes.
02. Qual o contraste
destacado no pudim de leite da avó?
a) Doce e amargo.
b) Doce e salgado.
c) Amargo e salgado.
d) Doce e picante.
03.Por que os filhos
e noras temiam a avó cozinheira?
a) Por suas habilidades culinárias.
b) Por seu temperamento explosivo.
c) Por sua aversão a biscoitos de anis.
d) Por ter
confundido farinha com veneno em pó.
04. O que a mãe do
autor fazia quando ficava nervosa?
a)
Ia ao cinema.
b) Limpava a casa.
c) Surrava a
massa do pão.
d) Pedia comida pronta.
05. Qual é a
resistência mencionada pelo autor em relação aos ossos?
a) Roer um osso.
b) Partir um osso.
c) Cozinhar ossos.
d) Enterrar ossos.
06. O que o autor
achou lindo na primeira vez que viu a empregada da vizinha fazer?
a) Um bolo de chocolate.
b) Um pudim de leite.
c) Uma bala de coco.
d) Uma torta de capim.
07. Qual receita o
autor tentou fazer para os amigos, por engano comprou um galo e teve problemas
com o gás?
a) Lasanha.
b) Frango ao molho roquefort.
c) Risoto de cogumelos.
d) Sopa de legumes.
08. Como os
convidados reagiram ao frango ao molho roquefort?
a) Elogiaram e pediram a receita.
b) Rejeitaram e saíram para comer fora.
c) Riram e se divertiram com a situação.
d) Ficaram irritados e foram embora.
09. O que revelou a
torta que o autor comeu em uma viagem?
a) Ser feita por um chef renomado.
b) Ser de um
ingrediente inusitado.
c) Ser uma receita antiga da avó.
d) Ser a especialidade do lugar.
10. O que o autor
destaca como tempero sem igual na culinária?
a) Sal e pimenta.
b) Afeto e bons momentos.
c) Ervas aromáticas.
d) Molhos especiais.
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