Conto: O menino que respirava borboleta
Jorge Miguel Marinho
Como vou contar essa história para
vocês?
É difícil falar de coisas diferentes. Então
já vou logo dizendo que não existe ninguém que não tenha uma coisa só dele,
escondida, bem diferente. Ela se esconde debaixo da roupa, no fundo do coração
ou no cantinho da cabeça. E pode ser uma verruga enorme nas costas, uma perna
mais fina que a outra ou até mesmo uma vontade esquisita de morder uma flor ou
uma pessoa.
O menino dessa história se chama Léo, é
igual a todo mundo, só que de vez em quando, sem ele querer, escapam do seu
corpo magricelo e super branco borboletas de vários tamanhos – todas coloridas
e sempre apavoradas.
Faz tempo que ele sofre e tem a maior
vergonha delas. Por causa disso vive se escondendo dos outros, está a cada dia
mais calado, parece até aquelas crisálidas que ainda não voam e ficam
hibernando dentro de um casulo.
Léo usa sempre cachecol, porque já saiu
borboleta dourada do seu pescoço. Fala o mínimo que pode, principalmente à
noite, porque já deixou escapar uma mariposa nervosa, asas pretíssimas, da sua
boca. Evita sempre ir ao banheiro da escola porque uma vez chegou a urinar três
borboletinhas amarelas, molhadas e chorosas.
Às vezes, o sol, os outdoors, os
postes de luz, os heróis de cinema e das histórias em quadrinhos, os vilões
mais simpáticos do mundo inteiro gritam para ele:
– Léo, respira fundo e mostra esse
monte de borboletas para as pessoas.
Ele nunca escuta, e não é para menos –
afinal não é simples sair por aí contando para todo mundo que um dia ou outro
escapa uma borboleta de algum lugar de nós. Acho que só uma vez ele ficou em
dúvida se mostrava ou não mostrava. Foi quando o vento, que nesse dia estava
enlouquecido de tanta ventania, ordenou:
– Seja homem, rapaz e assuma!
E na hora uma árvore quase sem folhas e
quase sem ar, por causa de todo o atropelo do vento, alertou:
– Não seja besta, garotão, que soltar
borboleta do corpo não é coisa que a gente vai dizendo para qualquer um, assim
sem mais nem menos, não.
Léo se encolheu todo, chegou a se
ferir, quase esmagou uma borboleta rajada que estava saindo do seu dedo
indicador e acabou ganhando com isso uma tremenda cicatriz na palma da mão
esquerda.
O pai, a mãe e o irmão de Léo não têm
esse problema, mas entendem e não tocam no assunto. Com a maior das boas intenções,
eles fingem que não existem borboletas, e Léo fica muito ofendido.
Acho quer vocês estão entendendo o
problema do menino e vão entender ainda mais quando eu contar que tudo isso
aconteceu só até ontem. É que Ana Claudia, uma garota linda negra como asa de
mariposa, com mil trancinhas e miçangas, olhar dengoso e boca de pedir beijo, chegou
e foi logo tirando uma borboleta azul com duas antenas xeretas de trás da
orelha de Léo. E, soltando o pequeno inseto, convidou:
– Hoje você vai me dar a mão e entrar
comigo na aula!
É claro que Léo perguntou na hora:
– E por que justo eu?
E ela, já de mãos dadas, caminhando
colada nele, respondeu:
– Sei lá, é que eu adoro suas
borboletas.
Foi então que ele teve a impressão de
ver saindo da cabeleira crespa e felpuda como lã, lá dentro de umas trancinhas,
o bico de um beija-flor bem atrevido. Certeza ele não teve, mas sorriu, respirando
fundo, apertou a mão dela e pela primeira vez deixou voar livremente uma borboleta
tímida e muito apressada de seu umbigo.
Eu também não sei direito para onde
essa última borboleta ia e por que tanta pressa. Agora, se vocês quiserem saber
a minha opinião, ela bem que podia estar com hora marcada para o amor, que, se
não tem cara de borboleta, vive voando de coração para coração. É, não tem
outra: olha só o jeito de andar da Ana Claudia, pensa na história do Léo.
Jorge Miguel Marinho.
Entendendo o conto:
01 – Quem é o protagonista
principal do conto?
O protagonista é
Léo, um menino com um segredo especial: ele involuntariamente libera borboletas
de seu corpo.
02 – Por que Léo se esconde
das outras pessoas?
Ele se esconde porque tem vergonha das
borboletas que escapam de seu corpo, o que o faz evitar interações e situações
em que elas possam ser reveladas.
03 – Como Ana Claudia se
envolve na história de Léo?
Ana Claudia entra
na vida de Léo ao descobrir suas borboletas e, em vez de reagir negativamente,
ela demonstra interesse e até gosta delas, o que muda a perspectiva de Léo
sobre sua singularidade.
04 – Como a família de Léo
lida com as borboletas dele?
A família de Léo
finge não perceber as borboletas, talvez por tentarem não constrangê-lo, mas
essa atitude o deixa incomodado e ofendido.
05 – Por que Léo reage de
maneira negativa quando o vento e uma árvore sugerem que ele assuma suas
borboletas?
Ele se sente
envergonhado e se retrai ainda mais, pois a ideia de revelar seu segredo para o
mundo é assustadora e constrangedora para ele.
06 – O que muda na atitude de
Léo depois do encontro com Ana Claudia?
A atitude de Léo
muda quando Ana Claudia demonstra aceitação e interesse por suas borboletas.
Ele começa a se sentir mais à vontade e, pela primeira vez, liberta uma borboleta
voluntariamente na presença dela.
07 – Qual é a impressão final
que Léo tem sobre o gesto de Ana Claudia?
Ele percebe o
gesto de Ana Claudia como algo especial, algo que o faz sorrir e sentir uma
conexão, levando-o a liberar uma borboleta de forma consciente pela primeira
vez.
08 – Por que o autor compara o
amor a uma borboleta no final do conto?
O autor faz essa
comparação para destacar a leveza, a delicadeza e a liberdade do amor,
associando-o ao voo das borboletas que escapam de Léo, sugerindo que o amor
também pode ser algo fugaz e belo.
09 – O que as borboletas
representam na história de Léo?
As borboletas
simbolizam a singularidade, o segredo, a vergonha e, eventualmente, a aceitação
de algo especial e único que todos possuem, mas que geralmente mantêm escondido
por medo do julgamento alheio.
10 – Qual é a mudança mais
significativa que acontece com Léo ao longo da história?
A mudança mais
significativa é a aceitação gradual de sua singularidade e a abertura para
compartilhá-la com alguém que demonstra aceitação genuína, como Ana Claudia.
Isso o ajuda a se sentir mais confortável consigo mesmo e com suas borboletas.
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