Crônica: UM PÉ DE MILHO
Rubem Braga
Os americanos, através do radar,
entraram em contato com a Lua, o que não deixa de ser emocionante. Mas o fato
mais importante da semana aconteceu com o meu pé de milho.
Aconteceu que no meu quintal, em um
monte de terra trazido pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser um pé
de capim — mas descobri que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo
canteiro na frente da casa. Secaram as pequenas folhas, pensei que fosse
morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um palmo veio um amigo e
declarou desdenhosamente que na verdade aquilo era capim. Quando estava com
dois palmos veio outro amigo e afirmou que era cana.
Sou um ignorante, um pobre homem de
cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com dois metros, lança as suas
folhas além do muro — e é um esplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de
milho? Eu nunca tinha visto. Tinha visto centenas de milharais — mas é
diferente.
Um pé de milho sozinho, em um canteiro,
espremido, junto do portão, numa esquina de rua — não é um número numa lavoura,
é um ser vivo e independente. Suas raízes roxas se agarram no chão e suas
folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas —
mas na glória de seu crescimento, tal como o vi em uma noite de luar, o pé de
milho parecia um cavalo empinado, as crinas ao vento — e em outra madrugada
parecia um galo cantando.
Anteontem aconteceu o que era
inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho
pendoou. Há muitas flores belas no mundo, e a flor de milho não será a mais
linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do mar, veio
enriquecer nosso canteirinho vulgar com uma força e uma alegria que fazem bem.
É alguma coisa de vivo que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um
belo gesto da terra. E eu não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma
chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da Rua Júlio de Castilhos.
Crônica extraída da
obra 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: Record, 2014.
Entendendo a crônica:
01 – “Detesto comparações
surrealistas – mas na glória de seu crescimento, tal como o vi em uma noite de
luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, as crinas ao vento – e em outra
madrugada parecia um galo cantando”. Sobre esse fragmento, é correto afirmar:
a) O enunciador evidencia uma contradição gerada pela sua percepção que transcende a realidade.
b) A linguagem utilizada pelo cronista caracteriza-se pelo uso predominante de termos no sentido denotativo.
c) O termo “na glória do seu crescimento” expressa uma ideia de modo.
d) Os elementos linguísticos “mas” e “e” agrupam dois enunciados, estabelecendo entre eles uma relação de oposição.
e) O elemento linguístico “tal” constitui um marcador textual que retoma “comparações”.
02 – Assinale a opção errada
quanto ao emprego dos verbos:
a) Se reescrevêssemos o segundo período do último parágrafo no imperfeito, ele assim ficaria: “Havia muitas flores belas no mundo, e a flor de milho não seria a mais linda”.
b) O cronista, com habilidade, mescla algumas vezes o presente com o imperfeito, como se observa nos dois períodos iniciais do terceiro parágrafo.
c) No geral, o autor escreve no presente sobre fatos acontecido em passado recente.
d) O verbo “trazer”, no segundo parágrafo, está empregado numa construção em que a voz é passiva.
e) Passa para voz passiva, a frase “Já viu o leitor um pé de milho?” ficaria assim: “Um pé de milho já foi visto pelo leitor?”.
03 – O motivo que levou o autor
a escrever a crônica foi:
a) os americanos terem estabelecido comunicação com a lua.
b) ter nascido um pé de milho em seu canteiro.
c) o pé de milho de seu canteiro ter pendoado.
d) o pé de milho de seu canteiro ter conseguido sobreviver ao transplante.
e) ter sido confirmada a sua opinião de que o que nascia era um pé de milho.
04 – A expressão sublinhada
em: “Os americanos, através do radar, ...”, indica:
a) lugar.
b) instrumento.
c) meio.
d) causa.
e) Condição.
05 – “...nasceu alguma coisa
que podia ser um pé de capim...”, “...e declarou desdenhosamente que aquilo era
capim.”; os dois elementos sublinhados no texto indicam, respectivamente:
a) desprezo / desconhecimento;
b) desconhecimento / desprezo;
c) desconhecimento / desconhecimento;
d) desprezo / desprezo;
e) afetividade / menosprezo.
06 – A substituição correta do
termo sublinhado por um sinônimo está em:
a) “Transplantei-o para o exíguo canteiro...” = raso;
b) “...e declarou desdenhosamente que aquilo era capim” = depreciativamente;
c) “...veio enriquecer o nosso canteirinho vulgar...” = popular;
d) “Anteontem aconteceu o que era inevitável...” = imprevisível;
e) “...que se afirma com ímpeto e certeza” = velocidade.
07 – Nos excertos há um
sintagma substantivo + adjetivo. Assinale a alternativa em que a troca da
posição entre esses vocábulos traz mudança de sentido.
a) “Transplantei-o para o exíguo canteiro da casa”.
b) “Secaram as pequenas folhas”.
c) “...em um canteiro espremido...”.
d) “...e é um esplêndido pé de milho”.
e) “Sou um ignorante, um pobre homem da cidade.”
08 – Assinale o item que
contém um vocábulo que não pertence ao mesmo campo semântico das demais.
a) quintal/ jardineiro/ capim.
b) folhas/canas/milharais.
c) lavoura/ raízes/chão.
d) flores/pendão/terra.
e) lavrador/ pé de milho/cavalo.
09 – O fato de comparar o pé
de milho a um cavalo empinado e a um galo cantando destaca uma característica
do pé de milho, que é o(a):
a) altivez;
b) solidão;
c) mediocridade;
d) colorido;
e) beleza.
10 – O item em que o adjetivo
tem valor objetivo e não representa uma opinião do cronista é:
a) “...esplêndido pé de milho...”;
b) “...um pobre homem da cidade...”;
c) “Um pé de milho sozinho...”;
d) “...muitas flores lindas no mundo...”;
e) “...nosso canteirinho vulgar...”.
11 – O cronista compõe
inicialmente sua crônica em primeira pessoa do singular, mas no quinto
parágrafo muda para a primeira pessoa do plural: “... mas que nos encantou...”,
“...veio enriquecer nosso canteirinho vulgar...”; isto significa que:
a)
o cronista enganou-se na estruturação do texto;
b)
a crônica passou a considerar também o leitor
como participante;
c)
outras pessoas devem viver com o
cronista;
d)
o canteiro devia pertencer ao condomínio;
e)
o cronista ampliou as apreciações para todo o
gênero humano.
12 – “Já viu o leitor um pé de
milho?” Transpondo-se essa oração para a ordem direta, obtém-se:
a)
Um pé de milho já foi visto pelo leitor?
b)
Um pé de milho o leitor já viu?
c)
Já viu um pé de milho, leitor?
d)
O leitor um pé de milho já viu?
e)
O leitor já viu um pé de milho?
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