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domingo, 9 de maio de 2021

CRÔNICA: A IDADE DA PEDRA - CARLOS EDUARDO NOVAES - COM GABARITO

 CRÔNICA: A IDADE DA PEDRA 

     Carlos Eduardo Novaes

         A juventude parece ter descoberto algo de que sempre desconfiei: a vida é um recreio. Como disse uma gatinha de 17 anos entrevistada por um semanário: "só há duas coisas na vida: som e patins". Sendo assim, a juventude Zona sul vai em frente exibindo o seu invejável realce existencial. "O mundo seria muito mais saudável", afirma outra gatinha, "se os nossos governantes andassem de tênis e camiseta". Infelizmente, porém, a terra dos adultos continua sendo aquela coisa árida, sinistra e plúmbea. E é nesta praia que a garotada vai acabar desembarcando quando terminar a pilha da juventude. Tenho certeza de que esse é o momento mais difícil na vida de um jovem de hoje: atravessar a fronteira da juventude para a idade adulta, duas terras que nunca estiveram tão distantes. Sei que a experiência é traumatizante porque tenho um amigo que a viveu com seu filho de 20 anos. O garotão, Otávio, tinha trancado matrícula na faculdade havia dois anos e não queria nem saber: vivia na dele, curtindo adoidado um rock, praia, windsurf, patinação, gatinha, invariavelmente metido dentro do uniforme oficial dos gatões, jeans, camisetas e tênis. O mundo para ele era do tamanho de uma lantejoula. No dia em que fez 21 anos, o pai o chamou para uma conversa.

-- Escuta, filho, nós precisamos conversar. 

O garotão deslizava na sala de um lado para o outro experimentando seus novos patins. Nem era com ele. 

-- Escuta, filho -- repetia o pai, falando como se assistisse a um jogo de tênis: cabeça pra lá, cabeça pra cá --, nós precisamos ter uma conversinha. Você afinal está fazendo 21 anos e....

Otávio continuava patinando como se estivesse sozinho na sala. 

-- Filho, eu já estou ficando tonto. Quer fazer o favor de...

O garotão parou a um canto, fechou os olhos e começou a se contorcer, como se acompanhasse alguma música. O pai olhou à volta, apurou o ouvido e não escutou nada. A mulher entrou na sala. 

-- Cristina, ou o teu filho tá maluco ou eu tô ficando surdo. Olha só o jeitão dele...

A mãe foi ao filho, determinada, e tirou-lhe o headphone dos ouvidos. 

-- Tatá. escuta o  seu pai que ele tem uma coisa muito importante para lhe dizer.

O garotão deu um muxoxo e fez uma expressão de "que saco!"

-- Escuta, filho, eu não sei como lhe dizer... você está fazendo 21 anos... sei que é duro, mas... mas a vida é assim mesmo e...

-- Desembucha logo, coroa. Qual é? Hiiiiii...

-- O que quero lhe dizer, meu filho, é que agora... agora você já é um... como direi?... um adulto! 

A face de Otávio se contraiu como se tivesse recebido a pior notícia do mundo. Seus lábios ficaram brancos, os olhos arregalaram. Botou as mãos na cabeça e caiu num pranto convulso.

-- Não! Não! -- berrava. -- Um adulto, não! Eu não quero ser adulto. Eu não quero! Mamãe, eu não quero.

Correu para os braços da mãe e começou a chorar em seu ombro.

-- Eu lhe disse, Alfredo -- resmungou a mãe acariciando o filho soluçante. -- Você tinha que dar a notícia com cuidado... você traumatizou o garoto. 

-- Algum dia ele teria que saber, Cristina. 

-- Mas não é assim. Você tinha que ir preparando o garoto aos poucos. Você pensa que é fácil para um jovem que vê o mundo de um ringue de patinação, de cima de uma prancha de windsurf, de repente ouvir que já é um adulto? Saber que vai ter de votar? Preencher declaração de Imposto de Renda? Trabalhar? É duro, Alfredo, é duro... 

-- Mãe, eu não quero -- disse Otávio enxugando as lágrimas --, eu ainda não tô preparado para ser um adulto... deixa eu ficar mais uns cinco anos com a minha juventude... aos 26 eu prometo que serei um adulto... juro que serei um adulto... e dos bons. 

O pai foi inflexível.

-- Não, filho. Você tem que conhecer o outro lado da vida... A vida não é só som e patins. Eu arranjei um emprego. 

-- Um emprego? Mas pra quê, pai? Você ainda está trabalhando... Você ainda goza de boa saúde. Nós temos sido tão felizes assim: você e mamãe trabalhando e eu me divertindo. Alguém precisa se divertir nessa casa. 

-- Sinto muito, filho, mas não vou ficar sustentando um marmanjo de 21 anos. 

-- Por que não? -- esbravejou o garotão. -- Você me botou no mundo. Eu não tive escolha. Agora aguenta. Além do mais, você devia se sentir orgulhoso de financiar a minha vida: sou o melhor patinador que tem no Roller. 

O pai, um economista influente, disse que ele iria trabalhar no gabinete da presidência da Petrobrás. Acrescentou que começaria hoje no trabalho, portanto deveria tirar o calção e vestir uma roupa para se apresentar ao chefe do gabinete. Otávio, sem conseguir esconder o pânico por ter virado adulto, foi ao quarto e voltou de jeans, camiseta e um tênis todo sujo. 

-- É assim que você tá pensando em se apresentar na Petrobrás?

-- Por que não? Vou assim a todos os lugares. Nunca usei outra roupa.

-- Escuta, filho -- disse o pai tentando manter a calma --, você ia assim a todos os lugares quando era jovem. Agora você é um adulto...

-- Não precisa me lembrar isso toda hora, pai -- respondeu Otávio ameaçando chorar novamente. 

-- O mundo dos adultos é diferente -- prosseguiu o pai explicativo. -- Para você poder entrar, ele exige traje passeio completo. Vai lá dentro e bota o terno que sua mãe comprou. 

Mas eu nunca botei um terno... Por quê? Por que tem que ser de terno? Eu não entendo... por quê? 

-- Porque é assim que os adultos andam, filho. Os adultos são pessoas sérias, honestas, incorruptíveis, democráticas, pacifistas... devem usar roupas adequadas...

-- Ou será que os adultos usam essas roupas exatamente para dar a impressão de que eles são tudo aquilo que não são?

-- Vai, vai, filho. Depois nós conversamos sobre isso. Vamos ter muito que conversar. Você é um recém-chegado no mundo dos adultos. Está confuso, ainda tem muito que aprender. Vá botar o terno.

Novamente o filho foi e voltou. Finalmente estava tudo no seu lugar, apesar de o garotão andar todo torto. 

-- Excelente, filho. Agora estou orgulhoso de você, você tá com cara de adulto. Pode ir para o seu trabalho... e boa sorte. 

O garotão saiu caminhando todo duro. O pai foi ao seu quarto, colocou um tênis, uma camiseta, um jeans, pegou os patins de Otávio e foi saindo de mansinho. A mulher flagrou-o da porta da cozinha. 

-- Que é isso, Alfredo? Aonde é que você vai assim? 

-- Cristina, alguém precisa se divertir nessa casa. 

                                                                 (Carlos Eduardo Novaes)

 Entendendo o texto

1)   Numere as colunas de acordo com os significados das palavras destacadas nas frases:

(1)”...a terra dos adultos continua sendo aquela coisa árida, sinistra e plúmbea.”

(2)”Sei que a experiência é traumatizante porque tenho um amigo que a viveu com seu filho de 20 anos”.

(3)”A face de Otávio se contraiu como se tivesse recebido a pior notícia do mundo”.

(4)”Botou as mãos na cabeça e caiu num pranto convulso.”

(5)”O pai foi inflexível”.

(  5   )    resistente                    ( 1  ) perturbadora

(   2  )    apertou                       (  4  ) cinzenta

(   3  )    nervoso

2)   Segundo o autor, existem algumas diferenças entre o mundo dos jovens e dos adultos: Identifique três delas.

No mundo adulto, tem-se que votar, preencher declarações de imposto de renda e trabalhar duro.

3)   O “uniforme oficial” do jovem simboliza para a juventude...

·        Marque (x) as alternativas CORRETAS:

(A)   a liberdade de ser o que quer;

(B)   uma convenção social;

(C)    o desejo de ser diferente;

(D)    a descontração necessária às suas ações;

(E)   uma forma de rebeldia.

4)   A crônica apresenta certos exageros que a tornam um texto humorístico. Relacione três fatos que justifiquem a afirmativa.

O filho afirma que o pai deveria sentir orgulho em financiá-lo; o filho se arruma de jeans e tênis para se apresentar no trabalho; o pai resolve se divertir nos patins do filho.

5)   Explique a dificuldade do Otávio de atender ao pedido do pai em relação à sua aparência na hora de ir à Petrobrás para ser entrevistado.

Otávio, até então, nunca havia vestido um terno na vida e não conseguia entender o motivo de ter que se apresentar assim para o trabalho.

6)   “Novamente o filho foi e voltou. Finalmente estava tudo no seu lugar”.

·        Marque (x) nas respostas CORRETAS:

Em relação à mudança sofrida pelo jovem...

(A) Ele já estava preparado para o novo emprego;

(B) Ele parecia um peixe fora d’água;

( C)Ele apenas correspondia aos interesses do mundo adulto;

     (D)Ele necessitava de um tempo para se adaptar.

     (E)Ele já estava pronto para enfrentar a vida adulta.

  7) Marque a melhor resposta.

·        O comportamento do pai no final do texto demonstra:

(A)O cansaço do pai em ser tão responsável e adulto;

(B)Os adultos gostariam de viver como os jovens sem grandes obrigações;

(C)                Trocou-se para ir ao supermercado;

(D)                Usou uma roupa descontraída porque ficaria em casa mesmo;

(E)O quanto a vida adulta exige responsabilidades.

 

8)Explique a metáfora contida na primeira frase do texto: “a vida é um recreio”.

A vida é vista como um período de diversão, lazer.

 

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