Crônica: Você é um número
Clarice Lispector
Se você não tomar cuidado vira número
até para si mesmo. Porque a partir do instante em que você nasce classificam-no
com um número. Sua identidade no Félix Pacheco é um número. O registro civil é
um número. Seu título de eleitor é um número. Profissionalmente falando você
também é. Para ser motorista tem carteira com número, e chapa de carro. No
Imposto de Renda, o contribuinte é identificado com um número. Seu prédio, seu
telefone, seu número de apartamento -- tudo é número.
Se é dos que abrem crediário, para eles
você é um número. Se tem propriedade, também. Se é sócio de um clube tem um
número. Se é imortal da Academia Brasileira de Letras tem o número da
cadeira.
É por isso que vou tomar aulas particulares
de Matemática. Preciso saber coisas. Ou aulas de Física. Não estou brincando:
vou mesmo tomar aulas de Matemática, preciso saber alguma coisa sobre cálculo
integral.
Se você é comerciante, seu alvará de
localização o classifica também.
Se
é contribuinte de qualquer obra de beneficência também é solicitado por um
número. Se faz viagem de passeio ou de turismo ou de negócio também recebe um
número. Para tomar um avião, dão-lhe um número. Se possui ações também recebe
um, como acionista de uma companhia. É claro que você é um número de
recenseamento. Se é católico recebe número de batismo. No registro civil ou
religioso você é numerado. Se possui personalidade jurídica tem. E quando
morre, no jazigo, tem um número. E a certidão de óbito também.
Nós não somos ninguém? Protesto. Aliás,
é inútil o protesto. E vai ver meu protesto também é número.
Uma amiga minha contou que no Alto
Sertão de Pernambuco uma mulher estava com o filho doente, desidratado, foi ao
Posto de Saúde. E recebeu a ficha número 10. Mas dentro do horário previsto
pelo médico a criança não pôde ser atendida porque só atenderam até o número 9.
A criança morreu por causa de um número. Nós somos culpados.
Se há uma guerra, você é classificado
por um número. Numa pulseira com placa metálica, se não me engano. Ou numa
corrente de pescoço, metálica.
Nós vamos lutar contra isso. Cada um é
um, sem número. O si-mesmo é apenas o si-mesmo.
E Deus não é número.
Vamos ser gente, por favor. Nossa
sociedade está nos deixando secos como um número sexo, como um osso branco seco
exposto ao sol. Meu número íntimo é 9. Só. 8. Só. 7. Só. Sem somá-los nem
transformá-los em novecentos e oitenta e sete. Estou me classificando como um
número? Não, a intimidade não deixa. Veja, tentei várias vezes na vida não ter
número e não escapei. O que faz com que precisemos de muito carinho, de nome
próprio, de genuinidade. Vamos amar que amor não tem número. Ou tem?
Clarice
Lispector.
Entendendo o texto:
01 – Podemos afirmar que o
texto acima é uma crônica? Justifique sua resposta:
Sim. Porque ela é
uma narração que tem por base fatos que acontecem em nosso cotidiano. Por isso,
é uma leitura agradável.
02 – Qual o assunto do texto
abordado?
O assunto
abordado é a frieza e a desumanização das pessoas quando são trocadas por
números.
03 – A autora já começa com
uma advertência. Qual?
Se não tomarmos
cuidado, vamos virar um número até para nós mesmos.
04 – Qual a importância
dessa advertência para o texto de um modo geral?
Devemos ser mais
humanos, para não nos transformarmos em números.
05 – O texto todo gira em
torno de uma enorme crítica ao ser humano em sociedade, mas em um dos
parágrafos há uma crítica bem mais acentuada. Qual é esta crítica e a quem é
dirigida?
Encontra-se no
nono parágrafo, onde a autora pede para nós lutarmos contra isso. Que cada um é
um, sem número. É dirigida a todos nós.
06 – Na sua opinião sincera,
o protesto da autora é inútil?
Resposta pessoal
do aluno.
07 – Há diferença entre ser
tratado pelo nome ou por um número? Explique seu ponto de vista:
Sim. Existe uma
grande diferença, nos sentimos valorizado, respeitados. Já como número há uma
frieza; apenas um número.
08 – Durante toda a
exposição de seus pensamentos acerca dos números que rodeiam nossa vida, a
autora confirma a todo instante que tudo é numerado. Apenas o que escapa de ser
numerado, segundo ela? Ela tem certeza disso?
Somente Deus.
Sim, ela tem certeza.
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Muito bom!
ResponderExcluirMuito boas as respostas 🙂
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