Conto: UNS BRAÇOS
Machado de Assis
Inácio estremeceu, ouvindo os gritos do
solicitador, recebeu o prato que este lhe apresentava e tratou de comer,
debaixo de uma trovoada de nomes, malandro, cabeça de vento, estúpido, maluco.
- Onde anda que nunca ouve o que lhe
digo? Hei de contar tudo a seu pai, para que lhe sacuda a preguiça do corpo com
uma boa vara de marmelo, ou um pau; sim, ainda pode apanhar, não pense que não.
Estúpido! maluco!
- Olhe que lá fora é isto mesmo que
você vê aqui, continuou, voltando-se para D. Severina, senhora que vivia com
ele maritalmente, há anos. Confunde-me os papéis todos, erra as casas, vai a um
escrivão em vez de ir a outro, troca os advogados: é o diabo! É o tal sono
pesado e contínuo. De manhã é o que se vê; primeiro que acorde é preciso
quebrar-lhe os ossos... Deixe; amanhã hei de acordá-lo a pau de vassoura!
D. Severina tocou-lhe no pé, como
pedindo que acabasse. Borges espeitorou ainda alguns impropérios, e ficou em
paz com Deus e os homens.
Não digo que ficou em paz com os
meninos, porque o nosso Inácio não era propriamente menino. Tinha quinze anos
feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que
adivinha, que indaga, que quer saber e não acaba de saber nada. Tudo isso posto
sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido. O pai é barbeiro
na Cidade Nova, e pô-lo de agente, escrevente, ou que quer que era, do
solicitador Borges, com esperança de vê-lo no foro, porque lhe parecia que os
procuradores de causas ganhavam muito. Passava-se isto na Rua da Lapa, em 1870.
Durante alguns minutos não se ouviu
mais que o tinir dos talheres e o ruído da mastigação. Borges abarrotava-se de
alface e vaca; interrompia-se para virgular a oração com um golpe de vinho e
continuava logo calado.
Inácio ia comendo devagarinho, não
ousando levantar os olhos do prato, nem para colocá-los onde eles estavam no
momento em que o terrível Borges o descompôs. Verdade é que seria agora muito
arriscado. Nunca ele pôs os olhos nos braços de D. Severina que se não
esquecesse de si e de tudo.
Também a culpa era antes de D. Severina
em trazê-los assim nus, constantemente. Usava mangas curtas em todos os
vestidos de casa, meio palmo abaixo do ombro; dali em diante ficavam-lhe os
braços à mostra. Na verdade, eram belos e cheios, em harmonia com a dona, que
era antes grossa que fina, e não perdiam a cor nem a maciez por viverem ao ar;
mas é justo explicar que ela os não trazia assim por faceira, senão porque já
gastara todos os vestidos de mangas compridas. De pé, era muito vistosa;
andando, tinha meneios engraçados; ele, entretanto, quase que só a via à mesa,
onde, além dos braços, mal poderia mirar-lhe o busto. Não se pode dizer que era
bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado consta de
mui pouco; alisou os cabelos, apanhou-os, atou-os e fixou-os no alto da cabeça
com o pente de tartaruga que a mãe lhe deixou. Ao pescoço, um lenço escuro, nas
orelhas, nada. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e sólidos.
Acabaram de jantar. Borges, vindo o
café, tirou quatro charutos da algibeira, comparou-os, apertou-os entre os
dedos, escolheu um e guardou os restantes. Aceso o charuto, fincou os cotovelos
na mesa e falou a D. Severina de trinta mil coisas que não interessavam nada ao
nosso Inácio; mas enquanto falava, não o descompunha e ele podia devanear à
larga.
Inácio demorou o café o mais que pôde.
Entre um e outro gole alisava a toalha, arrancava dos dedos pedacinhos de pele
imaginários ou passava os olhos pelos quadros da sala de jantar, que eram dois,
um S. Pedro e um S. João, registros trazidos de festas encaixilhados em casa.
Vá que disfarçasse com S. João, cuja cabeça moça alegra as imaginações
católicas, mas com o austero S. Pedro era demais. A única defesa do moço Inácio
é que ele não via nem um nem outro; passava os olhos por ali como por nada. Via
só os braços de D. Severina, - ou porque sorrateiramente olhasse para eles, ou
porque andasse com eles impressos na memória.
- Homem, você não acaba mais? bradou de
repente o solicitador.
Não havia remédio; Inácio bebeu a última
gota, já fria, e retirou-se, como de costume, para o seu quarto, nos fundos da
casa. Entrando, fez um gesto de zanga e desespero e foi depois encostar-se a
uma das duas janelas que davam para o mar. Cinco minutos depois, a vista das
águas próximas e das montanhas ao longe restituía-lhe o sentimento confuso,
vago, inquieto, que lhe doía e fazia bem, alguma coisa que deve sentir a
planta, quando abotoa a primeira flor. Tinha vontade de ir embora e de ficar.
Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era sempre a mesma, sair de manhã
com o Borges, andar por audiências e cartórios, correndo, levando papéis ao
selo, ao distribuidor, aos escrivães, aos oficiais de justiça. Voltava à tarde,
jantava e recolhia-se ao quarto, até a hora da ceia; ceava e ia dormir. Borges
não lhe dava intimidade na família, que se compunha apenas de D. Severina, nem
Inácio a via mais de três vezes por dia, durante as refeições. Cinco semanas de
solidão, de trabalho sem gosto, longe da mãe e das irmãs; cinco semanas de
silêncio, porque ele só falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada.
- Deixe estar, - pensou ele um dia -
fujo daqui e não volto mais.
Não foi; sentiu-se agarrado e
acorrentado pelos braços de D. Severina. Nunca vira outros tão bonitos e tão
frescos. A educação que tivera não lhe permitia encará-los logo abertamente,
parece até que a princípio afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco,
ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os foi descobrindo, mirando e
amando. No fim de três semanas eram eles, moralmente falando, as suas tendas de
repouso. Agüentava toda a trabalheira de fora toda a melancolia da solidão e do
silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de ver, três vezes por
dia, o famoso par de braços.
Naquele dia, enquanto a noite ia caindo
e Inácio estirava-se na rede (não tinha ali outra cama), D. Severina, na sala
da frente, recapitulava o episódio do jantar e, pela primeira vez, desconfiou
alguma coisa Rejeitou a ideia logo, uma criança! Mas há ideias que são da
família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e
pousam. Criança? Tinha quinze anos; e ela advertiu que entre o nariz e a boca
do rapaz havia um princípio de rascunho de buço. Que admira que começasse a
amar? E não era ela bonita? Esta outra ideia não foi rejeitada, antes afagada e
beijada. E recordou então os modos dele, os esquecimentos, as distrações, e
mais um incidente, e mais outro, tudo eram sintomas, e concluiu que sim.
- Que é que você tem? disse-lhe o
solicitador, estirado no canapé, ao cabo de alguns minutos de pausa.
- Não tenho nada.
- Nada? Parece que cá em casa anda tudo
dormindo! Deixem estar, que eu sei de um bom remédio para tirar o sono aos
dorminhocos...
E foi por ali, no mesmo tom zangado,
fuzilando ameaças, mas realmente incapaz de as cumprir, pois era antes
grosseiro que mau. D. Severina interrompia-o que não, que era engano, não
estava dormindo, estava pensando na comadre Fortunata. Não a visitavam desde o
Natal; por que não iriam lá uma daquelas noites? Borges redarguia que andava
cansado, trabalhava como um negro, não estava para visitas de parola, e
descompôs a comadre, descompôs o compadre, descompôs o afilhado, que não ia ao
colégio, com dez anos! Ele, Borges, com dez anos, já sabia ler, escrever e
contar, não muito bem, é certo, mas sabia. Dez anos! Havia de ter um bonito
fim: - vadio, e o côvado e meio nas costas. A tarimba é que viria ensiná-lo.
D. Severina apaziguava-o com desculpas,
a pobreza da comadre, o caiporismo do compadre, e fazia-lhe carinhos, a medo,
que eles podiam irritá-lo mais. A noite caíra de todo; ela ouviu
o tlic do lampião do gás da rua, que acabavam de acender, e viu o
clarão dele nas janelas da casa fronteira. Borges, cansado do dia, pois era
realmente um trabalhador de primeira ordem, foi fechando os olhos e pegando no
sono, e deixou-a só na sala, às escuras, consigo e com a descoberta que acaba
de fazer.
Tudo parecia dizer à dama que era
verdade; mas essa verdade, desfeita a impressão do assombro, trouxe-lhe uma
complicação moral que ela só conheceu pelos efeitos, não achando meio de
discernir o que era. Não podia entender-se nem equilibrar-se, chegou a pensar
em dizer tudo ao solicitador, e ele que mandasse embora o fedelho. Mas que era
tudo? Aqui estacou: realmente, não havia mais que suposição, coincidência e
possivelmente ilusão. Não, não, ilusão não era. E logo recolhia os indícios
vagos, as atitudes do mocinho, o acanhamento, as distrações, para rejeitar a
ideia de estar enganada. Daí a pouco, (capciosa natureza!) refletindo que seria
mau acusá-lo sem fundamento, admitiu que se iludisse, para o único fim de
observá-lo melhor e averiguar bem a realidade das coisas.
Já nessa noite, D. Severina mirava por
baixo dos olhos os gestos de Inácio; não chegou a achar nada, porque o tempo do
chá era curto e o rapazinho não tirou os olhos da xícara. No dia seguinte pôde
observar melhor, e nos outros otimamente. Percebeu que sim, que era amada e
temida, amor adolescente e virgem, retido pelos liames sociais e por um
sentimento de inferioridade que o impedia de reconhecer-se a si mesmo. D.
Severina compreendeu que não havia recear nenhum desacato, e concluiu que o
melhor era não dizer nada ao solicitador; poupava-lhe um desgosto, e outro à
pobre criança. Já se persuadia bem que ele era criança, e assentou de o tratar
tão secamente como até ali, ou ainda mais. E assim fez; Inácio começou a sentir
que ela fugia com os olhos, ou falava áspero, quase tanto como o próprio
Borges. De outras vezes, é verdade que o tom da voz saía brando e até meigo,
muito meigo; assim como o olhar geralmente esquivo, tanto errava por outras
partes, que, para descansar, vinha pousar na cabeça dele; mas tudo isso era
curto.
- Vou-me embora, repetia ele na rua
como nos primeiros dias.
Chegava a casa e não se ia embora. Os
braços de D. Severina fechavam-lhe um parêntesis no meio do longo e fastidioso período
da vida que levava, e essa oração intercalada trazia uma ideia original e
profunda, inventada pelo céu unicamente para ele. Deixava-se estar e ia
andando. Afinal, porém, teve de sair, e para nunca mais; eis aqui como e
porquê.
D. Severina tratava-o desde alguns dias
com benignidade. A rudeza da voz parecia acabada, e havia mais do que brandura,
havia desvelo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não apanhasse ar, outro que
não bebesse água fria depois do café quente, conselhos, lembranças, cuidados de
amiga e mãe, que lhe lançaram na alma ainda maior inquietação e confusão.
Inácio chegou ao extremo de confiança de rir um dia à mesa, coisa que jamais
fizera; e o solicitador não o tratou mal dessa vez, porque era ele que contava
um caso engraçado, e ninguém pune a outro pelo aplauso que recebe. Foi então
que D. Severina viu que a boca do mocinho, graciosa estando calada, não o era
menos quando ria.
A agitação de Inácio ia crescendo, sem que
ele pudesse acalmar-se nem entender-se. Não estava bem em parte nenhuma.
Acordava de noite, pensando em D. Severina. Na rua, trocava de esquinas, errava
as portas, muito mais que dantes, e não via mulher, ao longe ou ao perto, que
lhe não trouxesse à memória. Ao entrar no corredor da casa, voltando do trabalho,
sentia sempre algum alvoroço, às vezes grande, quando dava com ela no topo da
escada, olhando através das grades de pau da cancela, como tendo acudido a ver
quem era.
Um domingo, - nunca ele esqueceu esse
domingo, - estava só no quarto, à janela, virado para o mar, que lhe falava a
mesma linguagem obscura e nova de D. Severina. Divertia-se em olhar para as
gaivotas, que faziam grandes giros no ar, ou pairavam em cima d'água, ou
avoaçavam somente. O dia estava lindíssimo. Não era só um domingo cristão; era
um imenso domingo universal.
Inácio passava-os todos ali no quarto
ou à janela, ou relendo um dos três folhetos que trouxera consigo, contos de
outros tempos, comprados a tostão, debaixo do passadiço do Largo do Paço. Eram
duas horas da tarde. Estava cansado, dormira mal a noite, depois de haver
andado muito na véspera; estirou-se na rede, pegou em um dos folhetos,
a Princesa Magalona, e começou a ler. Nunca pôde entender por que é que
todas as heroínas dessas velhas histórias tinham a mesma cara e talhe de D.
Severina, mas a verdade é que os tinham. Ao cabo de meia hora, deixou cair o
folheto e pôs os olhos na parede, donde, cinco minutos depois, viu sair a dama
dos seus cuidados. O natural era que se espantasse; mas não se espantou. Embora
com as pálpebras cerradas viu-a desprender-se de todo, parar, sorrir e andar
para a rede. Era ela mesma, eram os seus mesmos braços.
É certo, porém, que D. Severina, tanto
não podia sair da parede, dado que houvesse ali porta ou rasgão, que estava
justamente na sala da frente ouvindo os passos do solicitador que descia as
escadas. Ouviu-o descer; foi à janela vê-lo sair e só se recolheu quando ele se
perdeu ao longe, no caminho da Rua das Mangueiras. Então entrou e foi sentar-se
no canapé. Parecia fora do natural, inquieta, quase maluca; levantando-se, foi
pegar na jarra que estava em cima do aparador e deixou-a no mesmo lugar; depois
caminhou até à porta, deteve-se e voltou, ao que parece, sem plano. Sentou-se
outra vez cinco ou dez minutos. De repente, lembrou-se que Inácio comera pouco
ao almoço e tinha o ar abatido, e advertiu que podia estar doente; podia ser
até que estivesse muito mal.
Saiu da sala, atravessou rasgadamente o
corredor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta achou escancarada. D.
Severina parou, espiou, deu com ele na rede, dormindo, com o braço para fora e
o folheto caído no chão. A cabeça inclinava-se um pouco do lado da porta,
deixando ver os olhos fechados, os cabelos revoltos e um grande ar de riso e de
beatitude.
D. Severina sentiu bater-lhe o coração
com veemência e recuou. Sonhara de noite com ele; pode ser que ele estivesse
sonhando com ela. Desde madrugada que a figura do mocinho andava-lhe diante dos
olhos como uma tentação diabólica. Recuou ainda, depois voltou, olhou dois,
três, cinco minutos, ou mais. Parece que o sono dava à adolescência de Inácio
uma expressão mais acentuada, quase feminina, quase pueril. Uma criança! disse
ela a si mesma, naquela língua sem palavras que todos trazemos conosco. E esta
ideia abateu-lhe o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a turvação dos
sentidos.
- Uma criança!
E mirou-o lentamente, fartou-se de
vê-lo, com a cabeça inclinada, o braço caído; mas, ao mesmo tempo que o achava
criança, achava-o bonito, muito mais bonito que acordado, e uma dessas ideias
corrigia ou corrompia a outra. De repente estremeceu e recuou assustada: ouvira
um ruído ao pé, na saleta do engomado; foi ver, era um gato que deitara uma
tigela ao chão. Voltando devagarinho a espiá-lo, viu que dormia profundamente.
Tinha o sono duro a criança! O rumor que a abalara tanto, não o fez sequer
mudar de posição. E ela continuou a vê-lo dormir, - dormir e talvez sonhar.
Que não possamos ver os sonhos uns dos
outros! D. Severina ter-se-ia visto a si mesma na imaginação do rapaz;
ter-se-ia visto diante da rede, risonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe
nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os braços, os famosos braços. Inácio,
namorado deles, ainda assim ouvia as palavras dela, que eram lindas cálidas,
principalmente novas, - ou, pelo menos, pertenciam a algum idioma que ele não
conhecia, posto que o entendesse. Duas três e quatro vezes a figura esvaía-se,
para tornar logo, vindo do mar ou de outra parte, entre gaivotas, ou
atravessando o corredor com toda a graça robusta de que era capaz. E tornando,
inclinava-se, pegava-lhe outra vez das mãos e cruzava ao peito os braços, até
que inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou os lábios e deixou-lhe um
beijo na boca.
Aqui
o sonho coincidiu com a realidade, e as mesmas bocas uniram-se na imaginação e
fora dela. A diferença é que a visão não recuou, e a pessoa real tão depressa
cumprira o gesto, como fugiu até à porta, vexada e medrosa. Dali passou à sala
da frente, aturdida do que fizera, sem olhar fixamente para nada. Afiava o
ouvido, ia até o fim do corredor, a ver se escutava algum rumor que lhe
dissesse que ele acordara, e só depois de muito tempo é que o medo foi
passando. Na verdade, a criança tinha o sono duro; nada lhe abria os olhos, nem
os fracassos contíguos, nem os beijos de verdade. Mas, se o medo foi passando,
o vexame ficou e cresceu. D. Severina não acabava de crer que fizesse aquilo;
parece que embrulhara os seus desejos na ideia de que era uma criança namorada
que ali estava sem consciência nem imputação; e, meia mãe, meia amiga,
inclinara-se e beijara-o. Fosse como fosse, estava confusa, irritada,
aborrecida mal consigo e mal com ele. O medo de que ele podia estar fingindo
que dormia apontou-lhe na alma e deu-lhe um calafrio.
Mas a verdade é que dormiu ainda muito,
e só acordou para jantar. Sentou-se à mesa lépido. Conquanto achasse D.
Severina calada e severa e o solicitador tão ríspido como nos outros dias, nem
a rispidez de um, nem a severidade da outra podiam dissipar-lhe a visão
graciosa que ainda trazia consigo, ou amortecer-lhe a sensação do beijo. Não
reparou que D. Severina tinha um xale que lhe cobria os braços; reparou depois,
na segunda-feira, e na terça-feira, também, e até sábado, que foi o dia em que
Borges mandou dizer ao pai que não podia ficar com ele; e não o fez zangado,
porque o tratou relativamente bem e ainda lhe disse à saída:
- Quando precisar de mim para alguma
coisa, procure-me.
- Sim, senhor. A Sra. D. Severina...
- Está lá para o quarto, com muita dor
de cabeça. Venha amanhã ou depois despedir-se dela.
Inácio saiu sem entender nada. Não
entendia a despedida, nem a completa mudança de D. Severina, em relação a ele,
nem o xale, nem nada. Estava tão bem! falava-lhe com tanta amizade! Como é que,
de repente... Tanto pensou que acabou supondo de sua parte algum olhar
indiscreto, alguma distração que a ofendera, não era outra coisa; e daqui a
cara fechada e o xale que cobria os braços tão bonitos... Não importa; levava
consigo o sabor do sonho. E através dos anos, por meio de outros amores, mais
efetivos e longos, nenhuma sensação achou nunca igual à daquele domingo, na Rua
da Lapa, quando ele tinha quinze anos. Ele mesmo exclama às vezes, sem saber
que se engana:
- E foi um sonho! um simples sonho!
Fonte: Contos
Consagrados - Machado de Assis –
Coleção Prestígio -
Ediouro - s/d.
Atividades:
01 – Qual é o foco narrativo
do conto “Uns braços” de Machado de Assis?
Narrador observador.
02 – Qual é o assunto do
conto?
O assunto do conto é sobre um rapaz
chamado Inácio, que se apaixona por uma jovem muito bonita chamada Severina.
03 – Apresente os
personagens contidos nessa narrativa e suas características físicas e
psicológicas.
Inácio: Cabeça
inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, tudo
isso posto sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido.
D. Severina: Usava mangas curtas em todos
os vestidos de casa, meio palmo abaixo do ombro; dali em diante ficavam-lhe os
braços à mostra. Na verdade, eram belos e cheios, em harmonia com a dona, que
era antes grossa que fina, e não perdiam a cor nem a maciez por viverem ao ar.
Não se pode dizer que era bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o
próprio penteado consta de muito pouco. Ao pescoço, um lenço escuro, nas
orelhas, nada.
Solicitador: Zangado, grosseiro, andava
sempre cansado, trabalhava como um negro.
04 – Onde e quando se passa
a história narrada?
Rua da lapa,
1970.
05 – O trecho “Inácio
estremeceu, ouvindo os gritos do solicitador, recebeu o prato que este lhe
apresentava e tratou de comer, debaixo de uma trovoada de nomes, malandro,
cabeça de vento, estúpido, maluco.” que inicia o conto, não nos aponta o motivo
pelo qual o solicitador encontra-se tão nervoso com o personagem Inácio. No
entanto, podemos verificar o porquê das “trovoadas de nomes” um pouco mais
adiante no texto. Sendo assim, por que o solicitador estava tão bravo com Inácio?
Borges estava
bravo com Inácio porque ele era muito preguiçoso e estava dormindo ao invés de
levantar para trabalhar.
06 – Em que parte do texto,
verificamos uma justificativa para o título dado ao conto?
“Sentiu-se agarrado e acorrentado pelos
braços de D. Severina. Nunca vira outros tão bonitos e tão frescos.”
07 – De acordo com o texto,
como pode ser caracterizada a relação do solicitador Borges com a esposa?
Fuzilando ameaças, mas realmente incapaz
de cumpri-las.
08 – Apesar de desejar e
pensar várias vezes na ideia de deixar a casa do solicitador, Inácio não tem
coragem e permanece ali. Por quê?
Porque Inácio estava apaixonado pela D.
Severina.
09 – Qual é o momento de
maior tensão na narrativa? Transcreva o trecho.
Foi
quando D. Severina beijou Inácio. ''...até que inclinando-se, ainda mais, muito
mais, abrochou os lábios e deixou-lhe um beijo na boca...''
10 – Em relação ao beijo
presente na história:
a) Para qual dos
personagens, ele aconteceu apenas no sonho?
Para Inácio foi apenas um sonho.
b) Para qual, ele aconteceu
na realidade?
Foi realidade para D. Severina.
11 – O narrador do conto é
onisciente, isto é, domina o universo mental das personagens, sabendo a
respeito delas mais do que elas podem compreender. Ao mesmo tempo, fornece a
nós, leitores, indícios, pista sobre a história que vai contar: trata-se de uma
história de amor e sedução.
a)
Em qual parágrafo percebemos a paixão de
Inácio por D. Severina?
No sétimo parágrafo.
b)
Que relação há entre esse parágrafo e o
título do conto?
Nesse parágrafo, ficamos sabendo que o título do conto refere-se aos
braços de D. Severina, para os quais Inácio olha apaixonadamente.
c)
Como você explicaria a atenção que Inácio
dedica aos braços de D. Severina?
Inácio não ousa mirar D. Severina nos olhos: acostuma-se, então, a
espreita-la à mesa de olhos baixos. Assim, só consegue ver seus braços. Além
disso, não era comum as mulheres trazerem os braços nus. Daí chamarem tanto a
atenção do adolescente.
12 – Na sua opinião, é
verdadeira a afirmação de que D. Severina é culpada da paixão de Inácio? Por
quê?
Não. D. Severina
é simples, sem adornos, nem bonita nem feia, “antes grossa que fina”, seus
braços andam nus não por faceirice, mas por falta de vestidos de manga comprida.
13 – Chama-se interpolação
um comentário à margem do texto, geralmente colocado entre parênteses. No conto
um exemplo de interpolação é a expressão “capciosa natureza!”, com a qual o
narrador se refere a D. Severina. Na sua opinião, o que há de irônico nessa
interpolação?
Essa interpolação
é irônica porque se refere à malícia de D. Severina ao lidar com a própria
consciência, fingindo algo que não sentia para se eximir de denunciar o rapaz
ao marido.
14 – Ao longo do
desenvolvimento do enredo, vamos percebendo indícios de que D. Severina ao
mesmo tempo rejeita e compartilha o desejo de que é objeto.
a)
Com que atitudes ela revela essa reação
ambígua?
D. Severina revela essa reação ambígua ora sendo áspera ora sendo
meiga com Inácio; ora esquivando-lhe os olhos; ora demorando-os nele.
b) Dentre as atitudes contraditórias de D.
Severina, predominam as de proximidade ou de afastamento? Justifique.
Predominam as
atitudes de proximidade, que assumem um modo maternal de expressão.
15 – O clímax ou ponto
culminante da história acontece num “imenso domingo universal”.
a)
Que passagem indica que nesse conto há uma
rememoração do passado no presente?
A passagem é “Nunca ele esqueceu esse domingo”.
b)
Como você interpreta a expressão: “Um imenso
domingo universal”, tendo em vista os acontecimentos que se desencadeiam?
Domingo universal pode significar um tempo “fora do tempo”, um
feriado, um momento absoluto em que um sonho de um adolescente se transforma em
realidade.
16 – Para qual dos
protagonistas o encontro foi real e para qual foi imaginário? Por quê?
O encontro foi
imaginário para Inácio, porque ele beijou em sonho S. Severina. Para ela, no
entanto, foi um encontro real, já que beijou de fato o rapaz, enquanto esse
dormia.
Por que o foco narrativo é narrador observador? o certo seria onisciente, pois fica bem claro no discurso indireto livre da obra as falas que o narrador se intromete.
ResponderExcluirAlém da dos minuciosos detalhes para expressar as emoções dos personagens.
ResponderExcluirExcelente, me ajudou muitooooooo....
ResponderExcluirEu ameiiii
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