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segunda-feira, 2 de abril de 2018

CONTO: CASO DE SECRETÁRIA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Conto: Caso de secretária
         Carlos Drummond de Andrade


    Foi trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara, não fizera a mínima alusão à data. As crianças também tinham se esquecido. Então era assim que a família o tratava? Ele que vivia para os seus, que se arrebentava de trabalhar, não merecer um beijo, uma palavra ao menos!
      Mas, no escritório, havia flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária, que poderia muito bem ter ignorado o aniversário, e entretanto o lembrara. Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e eficiente, pé-de-boi da firma, como até então a considerara; era um coração amigo.
Passada a surpresa, sentiu-se ainda mais borocoxô: o carinho da secretária não curava, abria mais a ferida. Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver.
        Durante o dia, a secretária redobrou de atenções. Parecia querer consolá-lo, como se medisse toda a sua solidão moral, o seu abandono. Sorria, tinha palavras amáveis, e o ditado da correspondência foi entremeado de suaves brincadeiras da parte dela.
        --- “O senhor vai comemorar em casa ou numa boate?”
        Engasgado, confessou-lhe que em parte nenhuma. Fazer anos é uma droga, ninguém gostava dele neste mundo, iria rodar por aí à noite, solitário, como o lobo da estepe.
        --- “Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos”, insinuou ela, discretamente.
        E não é que podiam mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida – o pessoal lá em casa pouco está me ligando -, teria horas amenas, em companhia de uma mulher que – reparava agora – era bem bonita.
        Daí por diante o trabalho foi nervoso, nunca mais que se fechava o escritório. Teve vontade de mandar todos embora, para que todos comemorassem o seu aniversário, ele principalmente. Conteve-se no prazer ansioso da espera.

        – Onde você prefere ir? – perguntou, ao saírem.
        – Se não se importa, vamos passar primeiro no meu apartamento. Preciso trocar de roupa.
        Ótimo, pensou ele; faz-se a inspeção prévia do terreno e, quem sabe?
        – Mas antes quero um drinque, para animar – ela retificou. Foram ao drinque, ele recuperou não só a alegria de viver e de
fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando. Saiu bem mais jovem do bar, e pegou-lhe do braço.
        No apartamento, ela apontou-lhe o banheiro e disse-lhe que o usasse sem cerimônia. Dentro de quinze minutos ele poderia entrar no quarto, não precisava bater – e o sorriso dela, dizendo isto, era uma promessa de felicidade.
        Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto. Lá dentro, sua mulher e seus filhos, em coro com a secretária, esperavam-no atacando “Parabéns para você”.

Carlos Drummond de Andrade. Poesia e Prosa,
Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1988.
Entendendo o conto:

01 – Considerando as diferenças que existem entre o conto e a crônica, responda:
a)    A qual classificação lhe parece corresponder o texto lido? Justifique.
O texto lido parece ser uma crônica, já que nele predomina a leveza, ou seja, o descomprometimento com intenções que transcendam os fatos narrados.

b)    Que característica fundamental existente no texto é comum tanto ao conto quanto à crônica?
O fato de se tratar de uma narrativa curta.

02 – Transcreva o trecho do texto em que reside o seu clímax, explicando a resposta escolhida.
      Trata-se de parte do último parágrafo: “Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto”.
      Este trecho pode ser considerado o clímax do texto, na medida em que nele chega ao auge a expectativa do protagonista (e do leitor) de que haja uma aventura entre ele (o protagonista) e a secretária.

03 – Considerando o enredo da narrativa, responda:
a)    Que história o leitor imagina que será contada?
A história de um adultério de um chefe de família com sua secretária.
b)    Que história, de fato, é contada?
A história da surpresa que uma família faz a seu chefe, no dia de seu aniversário.
c)    Que elemento do enredo permite perceber a diferença entre o que se diz em a e b, tornando interessante e envolvente a leitura do texto.
Trata-se de seu desfecho inesperado.

04 – O título do texto sugere alguns sentidos. Quais?
      Primeiro: “caso” se refere a um episódio corriqueiro, cotidiano, narrado por uma “secretária” (agente da ação central do texto);
      Segundo: um caso (amoroso) vivido por uma secretária (com o seu chefe).

05 – Sabemos que a principal matéria-prima do texto narrativo é o fato, o acontecimento, razão pela qual nele predominam os verbos de ação, os quais se combinam com elementos descritivos. A partir de tais informações, aponte pelo menos uma frase narrativa e uma frase descritiva nos dois parágrafos iniciais da história.

      1º parágrafo:
      Frase narrativa: “Foi trombudo para o escritório”.
      Frase descritiva: “Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara…”;

      2º parágrafo:
      Frase narrativa: “Mas, no escritório, havia flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária…”.
      Frase descritiva: “Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e eficiente, pé-de-boi da firma, como até então a considerara; era um coração amigo”.

06 – No trecho – “Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver” -, que tipo de discurso predomina? Por quê?
      O tipo de discurso predominante no referido trecho é o indireto livre, pois nele há um obscurecimento de fronteiras entre a voz do narrador e a do protagonista.


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