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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

TEXTO: A RUA DA TENDINHA - DAVID COIMBRA - COM GABARITO

  Texto: A Rua da Tendinha
   
                                                David Coimbra

        Vai em 10, em cinco vira! O gordinho, coitado, já se arrastava para o gol. Ficava lá, com as mãos nas dobras da cintura, resmungando que não lhe davam chance de mostrar seu futebol, entre uma trave feita de meio tijolo e outra de um par de havaianas que não deformavam, não soltavam as tiras, não tinham cheiro. O melhor campinho não era um campinho. Era um areão que separava dois blocos de edifícios da vila do IAPI, Zona Norte de Porto Alegre, apelidado de “Rua da Tendinha”, porque lá havia, claro, um pequeno armazém de secos e molhados.
        A jogada preferencial era pela esquerda. O ponta Ricardinho tinha velocidade e um drible curto, de palmo e meio. Chutava forte. Um dia, o pessoal jogava três-dentro-três-fora e a bola sobrou para aquele pé esquerdo dele. Saiu oval, tamanha a bomba. Passou zunindo acima da cabeça do gordinho, desapareceu atrás do muro do conjunto de edifícios e então se ouviu um ruído seco e um gemido de dor. Os dois times, menos o gordinho, se dependuraram no muro e viram a cena: uma senhora, já entrada em anos, fazia na calçada, braços abertos como o Cristo Redentor, pernas para cima, óculos para um lado, bolsa para outro, a bola lá adiante, ainda quicando, já inofensiva.
        A primeira reação de todos foi sair correndo. Só que alguém precisava resgatar a bola, objeto por demais precioso naquele tempo. Bola de couro, número cinco, como aquela, era coisa rara. Quando fazia uma vaquinha, no máximo, no máximo a turma conseguia comprar uma dente-de-leite de plástico duro, que sugava a pele do infeliz que levasse uma bolada. Só o Zé Fernandes tinha bola de couro número cinco. Todas as tardes, uma comissão ia pedir a bola para o Zé Fernandes. Primeiro, diplomaticamente, o convidavam para jogar. Era um bom centroavante, o Zé. Sempre fazia gol. Podia não estar jogando nada. De repente, a bola batia nele e entrava. Gol do Zé. Era sempre assim. Mas às vezes ele não podia jogar. O pai não deixava. Obrigava o pobre a ficar estudando neste caso, o jeito era implorar pelo empréstimo da bola.
        A muito custo o Zé Fernandes emprestara a número cinco naquele dia. Perdê-la, portanto, era inadmissível. Alguém precisava ir buscar. O lateral-direito Barnabé foi escalado para a missão. Magrinho, pernas compridas, pulmão para ir de uma linha-de-fundo a outra três vezes seguidas, só o Barnabé reunia condições para apanhar a bola e correr tanto que nenhum dos vizinhos, que já chegavam para socorrer a pobre senhora, o alcançasse. Foi o que fizeram todos. O Barnabé com a bola debaixo do braço, o Ricardinho choramingando de pavor, o gordinho lá atrás.
        Tudo bem, tudo certo. Os jogos continuaram, lá na rua da Tendinha. Até que, uma tarde, uma patrola botou a tendinha abaixo, o terreno foi aplainado, recapado com cimento e transformado em estacionamento de uma gráfica enorme. Era o fim das peladas na rua da tendinha. Foi então que se começou a notar que os campinhos e os terrenos baldios estavam desaparecendo, dando lugar a prédios, estacionamentos, postos de gasolina, bancos.
        Alguns cronistas passaram a alertar que aquilo poderia significar o fim do futebol brasileiro. Como surgiriam os Pelés, os Garrinchas, os Tostões e os Rivelinos se os garotos não tinham mais lugar para jogar? Então o futebol brasileiro ganhou outra Copa do Mundo.
        E começaram a aparecer. Rivaldos, Denilsons, Giovannis, Djalminhas. E Ronaldinho, que é singular, apelidado pela última revista semanal do El País de “El Extraterrestre”. Eles estão aí, com tanto fôlego quanto o lateral Barnabé, com tanta habilidade e chute tão forte quanto o ponta Ricardinho. Mas como eles estão aí, se os terrenos baldios, os campinhos de pelada, as ruas da tendinha, enfim, desapareceram? De onde eles vieram? De Onde?

                Nogueira, Armando... [ETAL.]; Ilustrações Alcy. O mundo é uma bola:
                                              Crônicas, futebol e humor. São Paulo: Ática, 2006.
Entendendo o texto:
01 – Segundo o texto o menino era considerado coitado. Por quê?
      Sim. Porque era gordinho o colocavam no gol, e ele reclamava que não davam chance para mostrar seu futebol.

02 – O texto diz que o gordinho “se arrastava” para o gol? Por que essa expressão foi escolhida?
      Sim. Porque tinha pouca mobilidade, por estar acima do peso.

03 – Por que o chute do Ricardinho passou oval e zunindo acima da cabeça do gordinho? O que aconteceu depois deste chute?
      Porque o ponta Ricardinho tinha velocidade e um drible curto, de palmo e meio. A bola desapareceu atrás do muro e se ouviu um ruído seco e um gemido de dor.

04 – Por que a senhora jazia na calçada? O que significa dizer que ela já era “entrada em anos”?
      Porque a bola havia acertado ela e a derrubou na calçada. Entrada em anos, significa que era idosa.

05 – Depois do incidente com a senhora, por que a bola foi considerada inofensiva?
      Porque depois de ter acertado na senhora, ela já estava lá adiante, ainda quicando.

06 – A primeira reação dos meninos foi correr. Qual o motivo da pressa em resgatar a bola?
      Objeto por demais precioso naquele tempo. Bola de couro, número cinco, como aquela, era coisa rara.

07 – A bola de dente-de-leite de plástico duro sugava a pele do infeliz que levasse uma bolada. No contexto do texto, o que significa a bolada sugar a pele?
      Significa a pessoa levar uma bolada, e por ser de plástico ficava a marca vermelha da bola.

08 – Os meninos faziam uma comissão para pedir a bola de couro n° 5 com o Zé Fernandes. Por que esta primeira negociação era feita de forma diplomática?
      Primeiro, o convidavam para jogar. Era um bom centroavante.

09 – Qual foi o outro método utilizado pelos jogadores para negociar o empréstimo da bola?
      O outro jeito era implorar pelo empréstimo da bola.

10 – “Magrinho, pernas compridas, pulmão para ir de uma linha-de-fundo a outa três vezes seguidas.” Por que estes atributos foram importantes para a indicação de Barnabé como responsável por resgatar a bola?
      Como a bola era emprestada, perdê-la, portanto, era inadmissível, então Barnabé foi escalado para a missão.

11 – Ricardinho choramingava de pavor? Por quê?
      Sim. Porque tinha medo de perder a bola do Zé Fernandes.

12 – Por que o texto diz que os jogos na rua da tendinha eram considerados peladas?
      Porque eram jogos praticados nos terrenos baldios, ruas, etc.

13 – Os campinhos e terrenos baldios estão desaparecendo. Segundo o texto, qual a consequência deste fato para o futebol?
      Alguns cronistas passaram a alertar que aquilo poderia significar o fim do futebol brasileiro.

14 – Observe a seguinte frase retirada do texto acima: “Eles estão aí.” O pronome eles refere-se a quem no texto?
      Refere-se aos jogadores famosos, Rivaldos, Denilsons, Giovannis, Djalminhas e Ronaldinho.

15 – O armazém de secos e molhados é uma expressão que é utilizada em alguns lugares, ou regiões do país. Em sua região qual o nome deste tipo de comércio?
      Resposta pessoal do aluno.

16 – Como você responderia a pergunta feita pelo texto: “Mas como eles estão aí, se os terrenos baldios, os campinhos de pelada, as ruas da tendinha, enfim, desapareceram? De onde eles vieram? De onde?
      Resposta pessoal do aluno.


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