TEXTO: MEU PROFESSOR INESQUECÍVEL
Mesmo antes de saber ler eu já
vivia num mundo de histórias, que meu pai, um gráfico, me contava. A realidade
para mim resumia-se em escovar os dentes e amarrar os sapatos. O resto,
fantasia das mil e uma noites e de mil historietas infantis. Algumas, ele próprio
inventava, mas não era seu forte. Geralmente fazia a maior confusão,
improvisando finais que nenhuma relação tinham com o princípio. Sua memória
nunca foi grande coisa. [...] Tendo terminado seu trabalho, íamos para o fundo
do quintal. Toda casa tinha um, comprido e arborizado. [...]
Íamos felizes para o extremo da casa e sentávamos
sobre caixotes. Eu adorava suas histórias [...].
- Como acaba a história, pai?
- Qual?
- A que está contando.
- Refere-se à Branca de Neve?
- Essa o senhor já contou, mas pode contar outra
vez.
- Bem, o Lobo Mau andava pela floresta de olho na
Branca de Neve. Seguia a menina por toda parte, o malvado.
Estranhei.
- Não foi esse lobo que comeu a avozinha de
Chapeuzinho Vermelho?
Meu pai hesitou. Era ou não era? Eu exigia.
- Primo dele.
- A inimiga da Branca de Neve não era a bruxa?
[...]
- E quem diz que não? Diabo de bruxa.
- O que o lobo faz nessa história?
- Pergunta oportuna. Ele passava pela floresta,
como se não quisesse nada, quando viu a menina com os cinco anões.
- Sete anões, pai.
- No momento eram cinco. Dois estavam em casa com gripe.
Tinham tomado muito sorvete. E cuidado você também com os gelados. Mas o lobo se
deu mal porque o Pequeno Polegar, usando um estilingue, deu cabo dele. Dias
depois a Branca de Neve e o Pequeno Polegar casavam-se.
- Ela não casou com um príncipe, pai? [...]
- Um príncipe?
- Sim, foi com um
príncipe.
- Em segundas núpcias
– esclareceu. – Coisas da vida.
Algum tempo depois,
com o auxílio de uma cartilha, ele me ensinou a ler, tarefa então mais
complicada porque cavalo era assim - cavallo. Farmácia era assim – pharmacia.
Ontem era hontem. E a cidade de Niterói escrevia-se Nictheroy.
Dentro de casa, porém, não me sentia ainda
alfabetizado. O prazer da leitura eu descobriria, também com ele, nos anúncios
expostos no interior dos bondes, os reclames, como então dizíamos. Notadamente
no camarão, o bonde fechado, apelido derivado de sua cor vermelha. Silabando,
eu lia os anúncios um a um. Na maioria remédios. Capivarol, Biotônico Fontoura,
Xarope São João. Eu e todo mundo porque a própria propaganda, uma novidade,
chamava a atenção geral. Os bondes era uma cartilha animada para os meninos
daquela geração.
[...] Foi ele quem ergueu o dedo, apontando-me o
Martinelli, ainda em andaimes. Levou-me para conhecer o Viaduto do Chá e
presenciar a abertura da Nove de Julho. Outra de suas paixões citadinas eram os
bairros ricos. Aos domingos, pela manhã, costumava passear à sombra das mansões
dos barões do café, em Higienópolis. Quando via uma delas desocupada, dava um
jeito de visitá-la. Lembro-me de nós percorrendo uma infinidade de cômodos
vazios de um verdadeiro palácio. Ele punha os olhos em tudo, observando os
detalhes da construção. Amava lustres, escadas de mármore e ladrilhos
portugueses. Nos banheiros exultava se as torneiras fossem douradas. Homem
exigente. Requintado, sim.
Marcos
Rey
ENTENDENDO O TEXTO:
Nesta narrativa, o narrador apresenta o pai como seu primeiro e
inesquecível professor.
01 – Porque os fatos narrados foram marcantes para o narrador?
a) Porque foram momento de aprendizagem.
b) Porque o pai contava histórias inventadas.
c) Porque ele se divertia com as falhas de memória
do pai.
d) Porque ele se encantava com as histórias de mil e uma
noite.
02 – Como eram transmitidos os ensinamentos do pai para o filho:
a) Por meio de histórias de vida.
b) Por meio de livros de literatura infantil.
c) Nos passeios pela cidade.
d) Por meio da narração.
03 – Como o narrador descobriu o prazer da leitura?
a) Nos livros de história.
b) Nos anúncios expostos no bonde.
c) Na cartilha.
d) Nas histórias que o pai escrevia.
04 – O que o narrador quer dizer com "os bondes eram uma cartilha
animada para os meninos"?
a) Que os passeios de bonde eram animados e
divertidos.
b) Que passeando de bonde os meninos iam aprendendo
a ler com os cartazes de rua.
c) Que nos bondes a propaganda chamava atenção
e funcionava como uma cartilha, porque os meninos se esforçam para ler os
anúncios.
d) Que os anúncios
expostos no bonde eram divertidos.
excelente material,foi muito útil para meu trabalho...
ResponderExcluirLucas
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