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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

CONTO: LIVRO - EU TE LENDO - FRAGMENTO - LYGIA BOJUNGA NUNES - COM GABARITO

 Conto: LIVRO – eu te lendo – Fragmento

            Lygia Bojunga Nunes

        [...]

        Eu tinha sete anos quando ganhei de presente um livro do Monteiro Lobato chamado Reinações de Narizinho. Um livro grosso assim. Só de olhar pra ele eu me senti exausta. Dei um dos muito obrigada mais sem convicção da minha vida, sumi com o livro num canto do armário, e voltei pras minhas histórias em quadrinho.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjb2AkXgTgfe7JNfr8ge9F5wx-AyOUuD5cUKp8CrXXym3Q7fTQpU3JfAwNyMyHa0K_elrAlfVdV_nKToyPOr55sVx_Y_0CGhoUeZLU-EpTW4Qfpw2JiG8Dk4tp-8oe_Oa0xIlH3t7rVLqRTpZUeMh9awa5shVWEIcqDpX0LlfoqB_A3iEUkW8mlmD6s08Q/s320/nARIZINHO.jpg


        Eu estava superfresquinha de recém ter aprendido a ler, e andava às voltas com história em quadrinho. Era um pessoal legal, eu gostava deles, mas, sei lá! era uma gente tão diferente da gente. Eles moravam nuns lugares que eu nunca tinha ouvido falar; eles tinham cada nome tão estranho (às vezes até acabando com h!), como é? como é mesmo que se diz esse Flash? Flachi? Flachi Gordon? E se eu contava, por exemplo, eu hoje li que o Mandrake perdeu a cartola, tinha sempre alguém por perto aprendendo inglês pra querer mostrar que sabia mais que eu: não é assim que se diz, sua boba, é Mandreike.

        [...]

        E aí o meu tio, que tinha me dado Reinações de Narizinho (e que era um tio que eu adorava), chegou lá em casa e quis saber, então? gostou do livro? Eu fiz uma cara meio vaga.

        Passados uns tempos ele me cobrou outra vez, como é? já leu? Não tinha outro jeito: tirei o livro do armário, tirei a poeira do livro, tirei a coragem não sei de onde, e comecei a ler: "Numa casinha branca, lá no sítio do Picapau Amarelo..." E quando cheguei no fim do livro eu comecei tudo de novo, numa casinha branca lá no sítio do Picapau Amarelo, e fui indo toda a vida outra vez, voltando atrás num capítulo, revisitando outro, lendo de trás pra frente, e aquela gente toda do sítio do Picapau Amarelo começou a virar a minha gente.

        Muito especialmente uma boneca de pano chamada Emília, que fazia e dizia tudo que vinha na cabeça dela. A Emília me deslumbrava! nossa, como é que ela teve coragem de dizer isso? ah, eu vou fazer isso também!

        Mas longe de imaginar que eu estava vivendo o meu primeiro caso de amor.

        [...]

        Esse acordar da imaginação começou a mudar tudo. De repente, já não me bastava cantar junto a música que tocava no rádio só repetindo as palavras e mais nada. Eu me lembro de uma música que eu cantava sempre, e que falava numa tal Maria abrindo a janela numa manhã de sol e laralalá não sei o quê, mas que, agora, eu cantava querendo imaginar a janela: era verde? tinha veneziana? E a Maria como é que era? ela era gorda, ela era magra, ela tinha uma franja assim feito eu?

        Na hora de pular amarelinha, a pedra que eu ia jogar já ficava no ar; a minha imaginação imaginando: e se em vez de jogar a pedra assim, eu jogo ela assim?

        Mas o que a minha imaginação queria mesmo era voltar pr’aquele mundo encantado que o Lobato tinha criado, e ficar imaginando o tamanho e a cor da pedrinha que a Emília tinha engolido (e que não era pedrinha coisa nenhuma, era uma pílula falante); e ficar imaginando que jeito eu ia dar pra me encontrar com a Dona Aranha costureira, que tinha feito o vestido de casamento da Narizinho, e pedir pra, na hora do meu casamento, ela fazer o meu vestido também.

        [...]

BOJUNGA, Lygia. Livro – eu te lendo. Disponível em: www.ibbycompostela2010.org/descarregas/cp/Cp_IBBY2010_3-po.pdf. Acesso em: 20 jul. 2018.

Fonte: Da escola para o mundo. Roberta Hernandes; Ricardo Gonçalves Barreto. Ensino Fundamental – Anos finais. Projetos integradores 8º e 9º anos. Ed. Ática. São Paulo, 1ª edição, 2018. p. 16.

Entendendo o conto:

01 – Qual foi a reação inicial da narradora ao ganhar o livro "Reinações de Narizinho" e por que ela teve essa reação?

      A reação inicial da narradora, aos sete anos, foi de falta de convicção e exaustão só de olhar para o livro, que era "grosso assim". Ela o considerou tão desanimador que o escondeu "num canto do armário" e preferiu continuar lendo suas histórias em quadrinho.

02 – O que a narradora achava diferente ou problemático nas histórias em quadrinhos que ela lia, mesmo gostando delas?

      Ela gostava dos personagens, mas sentia que eram "tão diferentes da gente". Eles moravam em lugares que ela nunca tinha ouvido falar e tinham nomes estranhos (muitas vezes terminando com H), como Flash Gordon (que ela tentava pronunciar como Flachi). Além disso, havia a interferência de outras pessoas que corrigiam a pronúncia dos nomes em inglês, como Mandrake (Mandreike).

03 – O que motivou a narradora a finalmente começar a ler o livro de Monteiro Lobato e como a leitura a impactou?

      Ela foi motivada pela cobrança insistente do seu tio (que ela adorava) que havia dado o livro. O impacto foi profundo: após terminar a leitura da primeira vez, ela começou tudo de novo, lendo e relendo trechos, o que fez com que "aquela gente toda do sítio do Picapau Amarelo começou a virar a minha gente."

04 – Qual personagem do Sítio do Picapau Amarelo deslumbrou a narradora e qual característica dessa personagem a inspirou?

      A personagem que a deslumbrou foi a boneca de pano Emília. A característica que a inspirou foi o fato de Emília fazer e dizer tudo que vinha na cabeça dela. A narradora se perguntava: "nossa, como é que ela teve coragem de dizer isso? ah, eu vou fazer isso também!".

05 – De que forma a leitura do livro de Monteiro Lobato "acordou" a imaginação da narradora e mudou sua percepção de outras atividades?

      O "acordar da imaginação" começou a mudar tudo. Em vez de apenas repetir palavras ao cantar músicas no rádio, ela passava a imaginar os detalhes da cena (ex: se a janela era verde, se Maria era gorda ou magra). Além disso, na hora de pular amarelinha, ela ficava imaginando possibilidades diferentes para o movimento da pedra, transportando a imaginação para o cotidiano.

 

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