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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

CRÔNICA: O RISADINHA - FRAGMENTO - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

 Crônica: O Risadinha – Fragmento

             Paulo Mendes Campos

        Seria melhor dizer que ele não teve infância. Mas não é verdade. Eu o conheci menino, trepando às árvores, armando alçapão para canários-da-terra, bodoqueando as rolinhas, rolando pneu velho pelas ruas, pegando traseira de bonde, chamando o professor Asdrúbal de Jaburu. Foi este último um dos mais divertidos e perigosos brinquedos da nossa infância: o velho corria atrás da gente brandindo a bengala, seus bastos bigodes amarelos fremindo sob as ventas vulcânicas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiut5l2MVZjo_DhAr5QmuenvRHInUu1_Ol3wLqw4tmq2X-zgx0PhTUuNsDWEO9WyWi23-wYhAGdHHSsdwQjPZjxnz6KIZyUNUwQ8rHTEnwseBinXHKSmLI4yKT132NU7Jy15YXZf4b8UZYuj9Iyc7JYH-ywm3DQS4cdtW8pZ5FyXmdGTMIFPyCQtlO-HIk/s320/ARVORE.jpg


        Nestor, em suma, teve a meninice normal de um filho de funcionário público em nosso tempo, tempo incerto, pois os recursos da Fazenda na província eram magros, e os pagamentos se atrasavam, enervando a população.

        Seus companheiros talvez nem soubessem que se chamasse Nestor; era para todos o Risadinha. Falava pouco e ria muito, um riso de fato diminutivo, nascido de reservados solilóquios, quase sempre extemporâneo. Certa feita, na aula de francês, quando entoávamos em coro o presente do subjuntivo do verbo s`en aller, Risadinha pespegou uma bólide de papel bem na ponta do nariz do professor, que era muito branco, pedante a capricho e tinha o nome de Demóstenes. O rosto do mestre passou do pálido ao rubro das suas tremendas cóleras. Um dos seus prazeres, sendo-lhe vetado por lei castigar-nos com o bastão, era desfiar em cima do culpado uma série de insultos preciosos, que ele ia escandindo um por um, sem pressa e com ódio.

        − Levante-se, seu Nestor! Sa-cri-pan-ta! Ne-gli-gen-te! Si-co-fan-ta! Tu-nan-te! Man-dri-ão! Ca-la-cei-ro! Pan-di-lha! Bil-tre! Tram-po-lei-ro! Bar-gan-te! Es-troi-na! Val-de-vi-nos! Va-ga-bun-do!...

        Pegando a deixa da única palavra inteligível, Risadinha erguia o dedo no ar e protestava, com ar ofendido:

        − Vagabundo, não, professor.

        Era um artista do cinismo, e sua momice de inocência era de tal arte que até mesmo seu Demóstenes não conseguia conter o riso. Como também somente ele já arrancara uma gargalhada do padre-prefeito, um alemão da altura da catedral de Colônia, num dia em que vinha caminhando lento e distraído, fora de forma.

        − Por que o senhorrr não está na forma? − perguntou-lhe rosnando o padre, como se estivesse de promotor da Inquisição, diante de um herege horripilante.

        − É porque estou com meu pezinho machucado, respondeu com doçura o Risadinha.

        − E por que o senhorrr não está mancando?

        Risadinha olhou com espanto para os seus próprios pés, começando a mancar vistosamente:

        − Desculpe, seu padre, é porque eu tinha esquecido.

        Foi um precursor de Cantinflas e, a despeito da opinião do leitor, nós lhe achávamos uma graça de doer a barriga.

        [...]

CAMPOS, Paulo Mendes. Para gostar de ler.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 281.

Entendendo a crônica:

01 – Qual era o nome verdadeiro do personagem principal e qual era seu apelido?

      O nome verdadeiro do personagem principal era Nestor, mas ele era conhecido por todos como Risadinha.

02 – Que tipo de infância o narrador descreve que Nestor (o Risadinha) teve?

      O narrador descreve que Nestor teve a meninice "normal de um filho de funcionário público em nosso tempo", embora a época fosse de recursos magros e pagamentos atrasados. A meninice era marcada por brincadeiras típicas, como trepar em árvores, armar alçapão, "bodoquear" rolinhas e rolar pneu.

03 – Qual era a característica principal do Risadinha que lhe rendeu o apelido, e como o narrador descreve esse traço?

      A principal característica era o riso. O narrador o descreve como alguém que "falava pouco e ria muito, um riso de fato diminutivo, nascido de reservados solilóquios, quase sempre extemporâneo."

04 – Que travessura o Risadinha cometeu durante a aula de francês e qual foi a reação imediata do professor Demóstenes?

      Risadinha atirou uma "bólide de papel" (bolinha) bem na ponta do nariz do professor Demóstenes. A reação do professor foi passar do pálido ao rubro de cólera.

05 – Como o professor Demóstenes, impedido por lei de usar o bastão, punia o Risadinha verbalmente?

      Ele punia o Risadinha proferindo "uma série de insultos preciosos", que ia escandindo (falando pausadamente) um por um, sem pressa e com ódio. A lista de insultos incluía "Sacripanta", "Sicofanta", "Trampoleiro", "Vagabundo", entre outros.

06 – Qual foi a "jogada" de cinismo e inocência do Risadinha que conseguiu arrancar o riso até do professor Demóstenes?

      Ao ser xingado com a lista de insultos, Risadinha interrompeu o professor na única palavra que considerou ofensiva e inteligível ("Vagabundo") e protestou com ar ofendido: "Vagabundo, não, professor." Sua "momice de inocência" era tão perfeita que o professor não conseguiu conter o riso.

07 – Que estratagema o Risadinha usou para convencer o padre-prefeito de que seu pé estava machucado?

      Ao ser questionado pelo padre ("E por que o senhorrr não está mancando?"), Risadinha olhou para os próprios pés, começou a mancar vistosamente e pediu desculpas, dizendo: "Desculpe, seu padre, é porque eu tinha esquecido." Essa resposta também arrancou uma gargalhada do padre.

 

 

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