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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

CONTO: PÍRAMO E TISBE - EDITH HAMILTON - COM GABARITO

 Conto: Píramo e Tisbe

        Já houve um tempo em que o vermelho profundo das bagas da amoreira era branco como a neve. A mudança de cor resultou de um fato muito estranho e triste: a morte de dois jovens apaixonados.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXXae3c5UkKQtUn03arsbqEqbh2dKBbGnBei09VoJTrNEHlETkaJ0KbXNOIXwcq0MaV0SwjcpJQYkdZtVXl34lgXpgzS_kkZLf1tAdXgMtrq7LuEKafG9_-IlKNUHpOUChP7HCqE0BQI2NeU1UDMY8ywvaKGU45rGbTpI8TBHW3rT4G77qQBuO85YEjnY/s1600/images.jpg


        Píramo e Tisbe, ele o mais belo dos jovens e ela a mais bela virgem de todo o Oriente, viviam na Babilônia, a cidade da rainha Semíramis, em casas tão próximas que apenas uma parede comum as separava. Crescendo assim, lado a lado, aprenderam a amar-se mutuamente. Queriam muito casar-se, mas não havia como vencer a proibição dos pais. O amor, porém, não pode ser proibido. Quanto mais se cobre a chama, mais fortes ficam as labaredas. Além disso, o amor sempre acaba encontrando soluções. Não era possível manter separados esses dois jovens cujos corações explodiam de amor.

        Na parede que separava as duas casas havia uma pequena fenda da qual até então ninguém se dera conta. A quem ama, porém, não há nada que passe despercebido. Nossos dois jovens descobriram-na, e através dela começaram, então, a sussurrar doces palavras de amor, Tisbe de um lado e Píramo do outro. A odiosa parede que os separava transformara-se em sua única forma de contato. "Não fosse tua existência, poderíamos estar juntos e beijar-nos", costumavam dizer, referindo-se à parede. "Mas, pelo menos, podemos falar através de ti. Permites que doces palavras de amor cheguem aos nossos ouvidos apaixonados. Não somos ingratos." Assim falavam e, quando a noite chegava e tinham de separar-se, era na parede que davam os beijos que não tinham como chegar aos lábios do outro lado.

        Todas as manhãs, quando o alvorecer já expulsara do céu as estrelas e os raios do Sol já haviam secado a geada que endurecia a relva, iam furtivamente até a fenda e ali ficavam, às vezes trocando as mais doces juras de amor, outras vezes lamentando o triste destino a que pareciam condenados. Suas palavras, porém, eram sempre trocadas em forma de sussurros quase inaudíveis. Por fim chegou o dia em que não tinham mais condições de continuar suportando aquela situação. Decidiram que, naquela mesma noite, iriam tentar fugir e atravessar a cidade em direção ao campo, onde finalmente poderiam ficar juntos em liberdade. Combinaram encontrar-se em lugar bastante conhecido — o Túmulo de Nino —, sob uma árvore que ali havia, uma grande amoreira cheia de bagas brancas como a neve, e perto da qual murmuravam as águas frescas de uma fonte. O plano lhes pareceu perfeito, e para eles aquele foi o mais longo dia de suas vidas.

        Por fim, o Sol mergulhou no oceano e a noite chegou. Na escuridão, Tisbe saiu furtivamente de casa e, fazendo o possível para não ser vista, dirigiu-se para o túmulo onde haviam combinado encontrar-se. Píramo ainda não tinha chegado, e ela ficou a esperá-lo com a coragem fortalecida pelo amor. De repente, porém, a luz da lua permitiu-lhe divisar o vulto de uma leoa que se aproximava. A fera selvagem tinha acabado de matar uma presa; tinha as mandíbulas ensanguentadas, e vinha saciar a sede na fonte. Estava ainda a uma distância que permitia a fuga de Tisbe; mas, ao correr em busca de um abrigo seguro, a jovem deixou cair a capa que trazia aos ombros.

        Ao voltar para o seu covil, a leoa viu a capa e, antes de desaparecer na floresta, abocanhou-a e fez dela apenas um monte de trapos. Ao chegar, poucos minutos depois, foi com essa cena que Píramo se deparou. Diante dele estavam os farrapos ensanguentados da capa e, visíveis na obscuridade, as pegadas da leoa. A conclusão era inevitável: Tisbe estava morta. Ele permitira que seu amor, uma jovem tão delicada, viesse sozinha para um lugar tão cheio de perigos, e ali não estivera para protegê-la. "Fui eu que te matei", exclamou. Do solo espezinhado, levantou o que restava da capa e, beijando-a muitas vezes, levou-a consigo para perto da amoreira. "Agora", disse ele, "beberás também do meu sangue." Desembainhou a espada e cravou-a no coração. O sangue, lançado em borbotões, atingiu em cheio as bagas da amoreira, que então se tingiram de um vermelho escuro.

        Apesar de ainda apavorada com a leoa, o grande medo de Tisbe era não conseguir encontrar seu amado. Assim, resolveu arriscar-se a voltar para junto da árvore onde haviam marcado o encontro, a amoreira dos reluzentes frutos brancos, mas não conseguia encontrá-la. A árvore era a mesma, mas seus ramos não deixavam entrever um só lampejo de brilho branco. Ao olhar bem, percebeu que alguma coisa se mexia no chão. Recuou, trêmula, mas no instante seguinte, firmando os olhos por entre as sombras, viu claramente o que se passava ali: Píramo, banhado em sangue e quase morto. Voou para ele e o tomou nos braços, beijando-lhe os lábios frios e implorando-lhe que a olhasse e falasse. "Sou eu, a tua Tisbe, a tua amada!", disse-lhe a chorar. Ao ouvir o nome que tanto amava, Píramo entreabriu os olhos pesados e olhou para Tisbe pela última vez. Em seguida, a morte se encarregou de fechá-los para sempre.

        Ela então viu a espada que lhe caíra das mãos, e bem perto dela a sua capa manchada de sangue e esfarrapada. Num instante, compreendeu tudo. "Tua própria mão te matou", disse, "e teu amor por mim. Também posso ser corajosa, também eu posso amar. Só a morte teria tido o poder de nos separar, mas agora deixará de ter esse poder." Cravou no coração a espada ainda úmida do sangue de seu amado.

        Por fim, os deuses se apiedaram, e o mesmo fizeram os pais dos dois jovens. O fruto vermelho escuro da amoreira ficou sendo a eterna recordação desses amantes fiéis e verdadeiros. Suas cinzas estão contidas em uma única urna, pois nem a morte foi capaz de separá-los.

Esta história é contada por Ovídio. É bastante característica do que há de melhor em seu estilo: boa narração, vários monólogos retóricos e, no meio, um pequeno ensaio sobre o Amor. Extraído de: Mitologia, Edith Hamilton, São Paulo, Martins Fontes, 1992.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 87-88.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a origem da mudança de cor das bagas da amoreira, segundo o conto?

      A mudança de cor das bagas da amoreira, de brancas para um vermelho profundo, resultou da morte trágica de Píramo, cujo sangue jorrou sobre elas após ele cravar a espada em seu coração, acreditando que Tisbe estava morta.

02 – Onde viviam Píramo e Tisbe e qual era o principal obstáculo para o amor deles?

      Píramo e Tisbe viviam na Babilônia, em casas vizinhas separadas por uma única parede. O principal obstáculo para o amor deles era a proibição de seus pais, que não permitiam o casamento.

03 – Como os amantes se comunicavam apesar da proibição e da parede que os separava?

      Os amantes se comunicavam através de uma pequena fenda na parede que dividia suas casas. Por essa fenda, eles sussurravam doces palavras de amor e, à noite, davam beijos na parede como se estivessem beijando um ao outro.

04 – Qual foi o plano de Píramo e Tisbe para finalmente ficarem juntos?

      O plano deles era fugir na calada da noite e se encontrar no Túmulo de Nino, sob uma grande amoreira de bagas brancas, perto de uma fonte, para então viverem juntos em liberdade no campo.

05 – O que Tisbe encontra ao chegar primeiro ao local do encontro?

      Ao chegar primeiro ao local do encontro, Tisbe avista uma leoa com as mandíbulas ensanguentadas que vinha beber água na fonte. Ao fugir apavorada, Tisbe deixa cair a capa.

06 – O que Píramo conclui ao chegar ao local do encontro e ver a capa de Tisbe?

      Píramo conclui que Tisbe foi morta pela leoa, pois encontra os farrapos ensanguentados da capa dela e as pegadas da fera, levando-o a acreditar que sua amada pereceu.

07 – Qual foi a reação de Píramo ao pensar que Tisbe estava morta?

      Píramo se desesperou, culpou-se pela suposta morte de Tisbe por tê-la deixado vir sozinha a um lugar perigoso. Ele então cravou a espada em seu próprio coração perto da amoreira, tingindo suas bagas de vermelho com o sangue.

08 – Como Tisbe descobre a tragédia que se abateu sobre Píramo?

      Tisbe retorna ao local do encontro, ainda amedrontada, mas preocupada em encontrar Píramo. Ela percebe a amoreira com as bagas vermelhas e, ao olhar no chão, vê Píramo banhado em sangue e quase morto, e a espada que ele usou para tirar a própria vida, junto com sua capa manchada.

09 – Qual foi a decisão de Tisbe ao compreender a situação, e por quê?

      Tisbe, ao compreender que Píramo se matou por amor a ela e por pensar que ela estava morta, decide cravar a mesma espada em seu próprio coração. Ela o faz para demonstrar que também era corajosa e amava Píramo intensamente, afirmando que "Só a morte teria tido o poder de nos separar, mas agora deixará de ter esse poder".

10 – Que destino final tiveram os amantes após suas mortes, e o que isso simboliza?

      Após suas mortes trágicas, os deuses e os pais dos jovens se apiedaram deles. O conto afirma que suas cinzas foram contidas em uma única urna, e o fruto vermelho escuro da amoreira se tornou a eterna recordação de seu amor fiel e verdadeiro. Isso simboliza que nem mesmo a morte foi capaz de separar Píramo e Tisbe, e seu amor se tornou lendário.

 

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