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quinta-feira, 3 de julho de 2025

CRÔNICA: AREIAS DE PORTUGAL - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Crônica: Areias de Portugal

              Carlos Heitor Cony

        No meio do quintal, ao lado da casa, havia a mangueira, enorme, de um de seus ramos o pai pendurara um balanço que teve seus dias de glória até que meu irmão dele se despencou. Minha mãe iniciou campanha feroz e bem-sucedida, o balanço serviu de lenha numa fogueira de Santo Antônio.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjm-Ojyt2bczsXOcAqwPEplXjcgcn7fqo9WWZtCIty8tthO-yPs-YYs2ZZUl3LhxtVCWfEmWjG6vFUWrAsMc_yV4DCZooW32v6jDUhUy4boPHXqI1FfoLfKUUApZEB0tM8Y_3k_-o0mG7iZdl-nGX879TYwf4LHKdaL56FU0OUAA7PQ0L4SwzVHKATQFSM/s320/0093088_regular_festa-junina-regiao-das-missoes-karol-rocha-sao-miguel-das-missoes-fone-festa-junina-jesuita-missioneira-sao-pedro-sao-joao-santo-antonio-(7).jpg

        Naqueles dias, Humberto de Campos publicara uma página de suas memórias, evocando o cajueiro de sua infância. Meu pai lera a crônica para mim. Recortei-a do jornal e quase a decorei. Pior: procurei imitar o menino que subia nos galhos mais altos e gritava: "Assobe, assobe, gajeiro, naquele topo real, para ver se tu avistas terras de Espanha, Otolina, areias de Portuga!!".

        Passei a subir nos galhos mais altos, onde descobri um nicho no meio das folhas verdes e perfumadas – como só as mangueiras sabem ter. E lá de cima eu também gritava aos ventos da Boca do Mato, garantindo que via terras de Espanha, quando, na verdade, via apenas os tetos cor de moringa da vizinhança, ao longe a torre mais-que-branca da Matriz de Nossa Senhora da Guia e, depois, a formidável massa azulada do pico da Tijuca.

        Pois ontem, tantos anos depois, sonhei com a mangueira dos dias antigos do passado. No sonho, ela surgia destacada, talvez mais alta e mais espetacular. E como na paisagem do sonho era quase noite, ela parecia iluminada por dentro, um pouco fosforescente, mas sem dúvida era a minha mangueira, intacta, esperando por mim.

        Olhei-a bem e não foi difícil encontrar, em seus ramos mais altos, o nicho de folhas verdes e perfumadas – como só as mangueiras sabem ter. Lá estava ele, também, intacto, reconheci até mesmo o galho mais forte em que me segurava com maior confiança, deixando a outra mão livre para proteger os olhos do sol e dos ventos do mar largo. E de onde o menino, que nada vira do mundo até então, assombrado, avistava terras de Espanha, areias de Portugal.

Carlos Heitor Cony.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 28.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a importância da mangueira na infância do narrador?

      A mangueira era um elemento central na infância do narrador, servindo como o local onde o pai pendurou um balanço, que teve "dias de glória" antes de ser removido. Mais importante ainda, a mangueira se tornou o refúgio e ponto de observação do menino, onde ele se aventurava a imitar o personagem de Humberto de Campos.

02 – Como a crônica de Humberto de Campos influenciou o menino narrador?

      A crônica de Humberto de Campos, que evocava o cajueiro de sua infância, inspirou o menino a imitar o personagem que subia nos galhos e gritava avistando terras distantes. Essa leitura o levou a procurar um nicho na sua própria mangueira para reproduzir a cena, estimulando sua imaginação e seu senso de aventura.

03 – O que o menino realmente via do alto da mangueira, em contraste com o que gritava?

      Embora gritasse que via "terras de Espanha, Otolina, areias de Portuga!!", o menino, na verdade, via apenas os "tetos cor de moringa da vizinhança", a "torre mais-que-branca da Matriz de Nossa Senhora da Guia" ao longe, e a "formidável massa azulada do pico da Tijuca". Isso destaca a força da imaginação infantil sobre a realidade.

04 – Qual o significado do sonho do narrador com a mangueira, tantos anos depois?

      O sonho com a mangueira tantos anos depois simboliza a permanência e a vivacidade das memórias de infância. No sonho, a mangueira surge "intacta, esperando por mim", "iluminada por dentro", representando um refúgio nostálgico e um portal para o passado, onde o narrador pode reencontrar sua essência de criança e a capacidade de sonhar.

05 – O que a última frase "E de onde o menino, que nada vira do mundo até então, assombrado, avistava terras de Espanha, areias de Portugal" revela sobre a perspectiva da infância?

      Essa frase final encapsula a magia e a vastidão da imaginação infantil. Mesmo sem ter visto o mundo real, o menino, através da fantasia inspirada pela leitura, era capaz de "avistar" terras distantes. Isso sugere que, na infância, a imaginação é um poderoso meio de explorar e compreender o mundo, superando os limites da experiência física.

 

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