Poema: TABACARIA – Fragmento
Álvaro de Campos
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se
soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem
pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
[...]
Álvaro de Campos. In:
Fernando Pessoa. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.
Fonte: Linguagem Nova.
Faraco & Moura. 5ª série – 17ª ed. 3ª impressão – São Paulo – Editora Ática
– 2003. p. 516.
Entendendo o poema:
01 – Qual é o sentimento
predominante no início do poema?
O sentimento
predominante no início do poema é de profunda insignificância e vazio,
refletido nas frases "Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser
nada."
02 – Como o poeta descreve o
seu quarto e a rua à sua frente?
O poeta descreve
o seu quarto como um dos milhões do mundo, desconhecido e insignificante,
enquanto a rua à frente é retratada como misteriosa, real, mas inacessível a
todos os pensamentos.
03 – O que o poeta quer dizer
com "Tenho em mim todos os sonhos do mundo"?
Esta frase sugere
que, apesar de se sentir insignificante e derrotado, o poeta ainda carrega
consigo a capacidade de sonhar e imaginar infinitas possibilidades.
04 – Qual é a dualidade que o
poeta enfrenta em relação à tabacaria?
O poeta está
dividido entre a lealdade que sente pela tabacaria, como uma coisa real e
concreta, e a sensação de que tudo é apenas um sonho, algo irreal e ilusório.
05 – Como o poeta descreve seu
estado emocional e físico no poema?
O poeta descreve
seu estado emocional como vencido, lúcido e perplexo, como se estivesse para
morrer. Fisicamente, ele sente uma sacudidela nos nervos e um ranger de ossos,
expressando uma sensação de despedida e fragilidade.
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