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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

POESIA COMPLETA: PREFÁCIO INTERESSANTÍSSIMO - (FRAGMENTO) - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poesia completa: Prefácio Interessantíssimo – Fragmento

            Mário de Andrade

        Leitor: 

        Está fundado o Desvairismo.

        Este prefácio, apesar de interessante, inútil.

        Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os curiosos terão o prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para que me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimh0havcPt_OIGG3ot_DdG5AihJ7IiGLq4b4TKlDuL2YhSCyVSgHtdmm-HyMac4_X6ImATuHsA_D4h_owvqFUSjNE9bee3EP0uw12uu4GoXEMfgdho8xIYqmdVf_NnTYXnCiMoqCnBO3mrNggd6JXrJOrfRkOurwBE5LPrKd8HmE1SbYb_v9oZpqTy6l8/s320/DESVAIRISMO.jpg


        [...]
 
        Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei.

        E desculpem-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita si pretendesse representar orientação moderna que ainda não compreende bem.

        Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contacto com o futurismo. [...]

        Um pouco de teoria?

        Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada.

        A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer impecilho a perturba e mesmo emudece. Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisa-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos.

        [...]

        Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório – questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural – tem a eternidade que a natureza tiver. [...]

        Sei construir teorias engenhosas. Quer ver? A poética está muito mais atrasada que a música. Esta abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando muito oitava, para enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia.

        A poética, com rara exceção até meados do século 19 francês, foi essencialmente melódica. Chamo de verso melódico o mesmo que a melodia musical: arabesco horizontal de vozes (sons) consecutivas, contendo pensamento inteligível.

        Ora, si em vez de unicamente usar versos melódicos horizontais:

        [...] fizemos que se sigam palavras sem ligação imediata entre si: estas palavras, pelo fato mesmo de não seguirem intelectual, gramaticalmente, se sobrepõem umas às outras, para nossa sensação, formando, não mais melodias, mas harmonias.

        Explico melhor:

        Harmonia: combinação de sons simultâneos.

        Exemplo:

        "Arroubos... Lutas... Setas... Cantigas... Povoar!..."

        Estas palavras não se ligam. [...]. Cada uma é fase, período elíptico, reduzido ao mínimo telegráfico.

        [...] Assim: em vez de melodia (frase gramatical) temos acorde arpejado, harmonia, – o verso harmônico. Mas, si em vez de usar só palavras soltas, uso frases soltas: mesma sensação de superposição, não já de palavras (notas) mas de frases (melodias). Portanto: polifonia poética. Assim, em "Paulicéia Desvairada" usam-se o verso melódico:

        "São Paulo é um palco de bailado russos"; o verso harmônico:

        "A cainçalha... A Bolsa... As jogatinas..." e a polifonia poética (um e às vezes dois e mesmo mais versos consecutivos):

        "A engrenagem trepida... Abruma neva..."

        Que tal? [...]

        Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso ortografia portuguesa é porque, não alterando o resultado, dá-me uma ortografia.

        [...]

        E está acabada a escola poética "Desvairismo".

        Próximo livro fundarei outra.

        E não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de muitos para vaidade dum só.

        [...]

Poesias completas. Ed. crítica de Diléa Zanotto Manfio. Belo Horizonte: Itatiaia. São Paulo, EDUSP, 1987.

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 252-253.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é a principal característica do prefácio segundo o autor?

      O autor considera o prefácio "interessante, inútil". Interessante por conter dados e reflexões sobre sua poética, mas inútil pois ele acredita que quem o aceita não precisa de explicações e quem o rejeita não o aceitará mesmo com explicações.

02 – Qual a dificuldade que o autor aponta na prosa do prefácio?

      Mário de Andrade aponta a dificuldade em distinguir onde termina a "blague" (brincadeira) e onde começa a seriedade em sua escrita. Ele afirma que nem ele mesmo sabe.

03 – Como o autor se define em relação aos movimentos artísticos contemporâneos?

      O autor se confessa "passadista", admitindo que não consegue se libertar completamente das teorias artísticas que aprendeu no passado. Ele expressa dificuldade em compreender totalmente as orientações modernas e se distancia do Futurismo de Marinetti, apesar de reconhecer alguns pontos de contato.

04 – Qual a teoria poética defendida pelo autor?

      O autor acredita que o lirismo nasce no subconsciente e, após ser trabalhado pelo pensamento, cria frases que são versos completos. Ele defende que a arte não deve interferir no processo criativo inicial, mas sim trabalhar o poema posteriormente, eliminando repetições, sentimentalismos e detalhes desnecessários.

05 – Qual a distinção feita entre o belo da arte e o belo da natureza?

      O autor diferencia o belo da arte como arbitrário, convencional e transitório (questão de moda), enquanto o belo da natureza é imutável, objetivo e natural, possuindo a eternidade que a própria natureza tem.

06 – Que comparação o autor faz entre a poética e a música?

      O autor compara o desenvolvimento da música com o da poética. Enquanto a música evoluiu para a harmonia, a poética, segundo ele, permaneceu essencialmente melódica até meados do século XIX, com raras exceções.

07 – O que o autor chama de "verso melódico" e "verso harmônico"?

      O verso melódico é comparado à melodia musical, um arabesco horizontal de sons (palavras) consecutivas com pensamento inteligível. O verso harmônico, por sua vez, é a combinação de palavras sem ligação imediata, que se sobrepõem umas às outras, formando harmonias em vez de melodias.

08 – O que é a "polifonia poética" para o autor?

      A polifonia poética é a sobreposição não apenas de palavras (como no verso harmônico), mas de frases inteiras (melodias), criando uma sensação de simultaneidade e complexidade.

09 – Qual a justificativa do autor para usar "ortografia portuguesa"?

      O autor justifica o uso da ortografia portuguesa por considerar que ela não altera o resultado final de sua escrita, proporcionando-lhe uma ortografia estabelecida.

10 – O que o autor declara sobre a escola poética "Desvairismo"?

      O autor declara que o "Desvairismo" está acabado e que pretende fundar outra escola poética em seu próximo livro. Ele expressa sua aversão a discípulos, afirmando que em arte, escola é a imbecilidade de muitos para a vaidade de um só.

 

 

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