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sábado, 21 de setembro de 2024

CRÔNICA: OS DIFERENTES ESTILOS - (FRAGMENTO) - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

 Crônica: Os Diferentes Estilos – Fragmento

              Paulo Mendes Campos

      Parodiando Raymond Queneau, que toma um livro inteiro para descrever de todos os modos possíveis um episódio corriqueiro, acontecido em um ônibus de Paris, narra-se aqui, em diversas modalidades de estilo, um fato comum da vida carioca, a saber: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado de madrugada pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não existindo sinais de morte violenta.

        Estilo interjetivo – Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno bairro de Ipanema! Um homem desconhecido! Coitado! Menos de quarenta anos! Um que morreu quando a cidade acordava! Que pena!

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEju_hHEHPyuCwIWJp8FcFejy-u7tGxeMG2JZsF9CAmsU_p13dP69zlFDyBMK1TD0senbwqluDPTmi3sNbr5UtAEWlSUVQwjKSzC-otzS_vWZBFcEQ0e9JvNrpeKlY5woVm_9cfF__T6xquGR9LSeKiWIcaHuOEsTF7v2TYeCp49jyuS1M1Q7eH6HVLfAqg/s320/ESTILO.jpg


        Estilo colorido – Na hora cor-de-rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa Rodrigo de Freitas, um vigia de cor preta encontrou o cadáver de um homem branco, cabelos louros, olhos azuis, trajando calça amarela, casaco pardo, sapato marrom, gravata branca com bolinhas azuis. Para este o destino foi negro.

        [...]

        Estilo reacionário – Os moradores da Lagoa Rodrigo de Freitas tiveram na manhã de hoje o profundo desagrado de deparar com o cadáver de um vagabundo que foi logo escolher para morrer (de bêbado) um dos bairros mais elegantes desta cidade, como se já não bastasse para enfear aquele local uma sórdida favela que nos envergonha aos olhos dos americanos que nos visitam ou que nos dão a honra de residir no Rio.

        Estilo então – Então o vigia de uma construção em Ipanema, não tendo sono, saiu então para passeio de madrugada. Encontrou então o cadáver de um homem. Resolveu então procurar um guarda. Então o guarda veio e tomou então as providências necessárias. Aí então eu resolvi te contar isto.

        [...]

        Estilo preciosista – No crepúsculo matutino de hoje, quando fulgia solitária e longínqua a Estrela-d’Alva, o atalaia de uma construção civil, que perambulava insone pela orla Sinuosa e  murmurante de uma lagoa serena, deparou com a atra e lúrida visão de um ignoto e gélido ser humano, já eternamente sem o hausto que vivifica.

        [...]

        Estilo sem jeito – Eu queria ter o dom da palavra, o gênio de um Rui ou o estro de um Castro Alves, para descrever o que se passou na manhã de hoje. Mas não sei escrever, porque nem todas as pessoas que têm sentimento são capazes de expressar esse sentimento. Mas eu gostaria de deixar, ainda que sem brilho literário, tudo aquilo que senti. Não sei se cabe aqui a palavra sensibilidade. Talvez não caiba. Talvez seja uma tragédia. Não sei escrever mas o leitor poderá perfeitamente imaginar o que foi isso. Triste, muito triste. Ah. se eu soubesse escrever.

        Estilo feminino – Imagine você, Tutsi, que ontem eu fui ao Sacha's, legalíssimo, e dormi tarde. Com o Tony. Pois logo hoje, minha filha, que eu estava exausta e tinha hora marcada no cabeleireiro, e estava também querendo dar uma passada na costureira, acho mesmo que vou fazer aquele plissadinho, como o da Teresa, o Roberto resolveu me telefonar quando eu estava no melhor do sono. Mas o que era mesmo que eu queria te contar? Ah, menina, quando eu olhei da janela, vi uma coisa horrível, um homem morto lá na beira da Lagoa. Estou tão nervosa!  Logo eu que tenho horror de gente morta!

        Estilo lúdico ou infantil – Na madrugada de hoje por cima, o corpo de um homem por baixo foi encontrado por cima pelo vigia de uma construção por baixo. A vítima por baixo não trazia identificação por cima. Tinha aparentemente por cima a idade de quarenta anos por baixo.

        [...]

        Estilo didático – Podemos encarar a morte do desconhecido encontrado morto à margem da Lagoa em três aspectos: a) policial; b) humano; e) teológico. Policial: o homem em sociedade; humano: o homem em si mesmo; teológico: o homem em Deus. Polícia e homem: fenômeno; alma e Deus: epifenômeno. Muito simples, como os senhores veem.

Paulo Mendes Campos. Os diferentes estilos. In: Para gostar de ler: crônicas. São Paulo. Ática, 1979. v. 4. p. 39-42.

Fonte: livro Língua e Literatura – Faraco & Moura – vol. 1 – 2º grau – Edição reformulada 9ª edição – Editora Ática – São Paulo – SP. p. 139-140.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal característica do experimento literário realizado por Paulo Mendes Campos nesse fragmento?

      O autor utiliza a mesma cena como ponto de partida para explorar diferentes estilos de escrita, demonstrando a riqueza e a diversidade da linguagem e como ela pode influenciar a percepção do leitor sobre um mesmo fato.

02 – Como os diferentes estilos alteram a percepção do leitor sobre a cena do crime?

      Cada estilo atribui uma carga emocional e interpretativa diferente à cena, desde a objetividade do estilo policial até a subjetividade do estilo feminino. Isso demonstra como a linguagem pode moldar a forma como percebemos a realidade.

03 – Qual a função da repetição da mesma cena em diferentes estilos?

      A repetição da cena serve para destacar a versatilidade da linguagem e a capacidade do autor de criar diferentes atmosferas e perspectivas a partir de um mesmo fato.

04 – Qual o papel do humor na construção dos diferentes estilos?

      O humor é utilizado de forma estratégica em alguns estilos, como no estilo lúdico ou infantil, para criar um contraste com a seriedade do tema e provocar o leitor.

05 – Como a linguagem influencia a forma como percebemos a morte no fragmento?

      A linguagem utilizada em cada estilo influencia a forma como percebemos a morte, desde uma abordagem mais objetiva e fria até uma abordagem mais subjetiva e emotiva.

06 – Qual a crítica implícita à linguagem presente em alguns estilos?

      Alguns estilos, como o reacionário e o preciosista, são utilizados para satirizar determinados usos da linguagem, como o discurso ideológico ou a linguagem rebuscada e artificial.

07 – Qual a importância da experimentação formal na literatura?

      A experimentação formal, como a realizada por Paulo Mendes Campos nesse fragmento, permite que o autor explore novas possibilidades expressivas e desafie as convenções da linguagem literária, renovando a forma como contamos histórias.

 

 

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