Crônica: O Mestre da Faxina
Walcyr Carrasco
SUBITAMENTE, MINHA FAXINEIRA desapareceu.
Deixou chinelos, um avental e um maço de cigarros pela metade. Três semanas
depois, resolvi:
— Eu mesmo vou limpar o apartamento!
Peguei um saco de lixo grande, botei dois
coadores de café usados, a casca de uma mexerica e algumas torradas secas. No
processo, um pedaço de torrada caiu no chão. Esmigalhei-o com o pé, sem querer.
Observei horrorizado os pedacinhos se espalharem pelo piso.
— Não tem importância, depois vou lavar o chão.
Joguei o lixo. Voltei. Abri a geladeira. Duas
cenouras mumificadas me observavam. Retornei ao lixo. Foram dez idas e vindas.
Sempre esquecia alguma coisinha! Finalmente, encarei a cerâmica da cozinha.
Originalmente, é branca. A alvura ocultava-se sob manchas marrons, vermelhas e
cinzentas. Passei a vassoura.
As manchas continuavam lá. Tocou o telefone.
— Estou às voltas com a vassoura — expliquei,
sorridente.
— Vai voar? — perguntou meu interlocutor.
Desliguei e voltei à cozinha. Tinha espalhado
as migalhas de torrada por todo o trajeto. Achei melhor me concentrar e pensar
na sala mais tarde. Cautelosamente, espalhei o líquido limpador multiuso no
chão. Puxei a sujeira com o rodinho. As manchas desapareciam magicamente!
— Venci as faxineiras — comemorei.
Só então descobri estar do lado oposto à porta.
Ao voltar sobre a área limpa e molhada, na ponta dos pés, minhas botas
espalharam marcas pretas, bem redondinhas. Dava a impressão de que uma cabra
havia passado por lá. Suspirei. Tirei os sapatos, as meias e arregacei as
calças. Joguei limpador de novo. Puxei o rodinho, dessa vez ao contrário.
Trouxe uma horrível borra cinza até a porta da sala. Quando ia atingir meu
tapete persa, corri até a pia, peguei um pano e ajoelhei-me para eliminar a
borra. O pano estava imundo, emporcalhei tudo mais ainda. Pior; meus joelhos
também se sujaram e minhas próprias calças passaram a criar manchas. Não tive
dúvida: tirei a roupa toda.
— O melhor é ficar nu — concluí, embora, é
claro, nunca tenha visto uma
faxineira trabalhando pelada,
Retornei à pia, tentei lavar o pano. A pia
entupiu. Corri ao banheiro, acrescentando mais marcas no chão. Molhei e torci o
trapo. Mais limpador. Notei que as casquinhas da torrada, apesar de todo o meu
empenho, pareciam ter colado na cerâmica. Agachei-me e, com a ponta das unhas,
fui tirando uma por uma. Até quase enlouquecer. Quis chorar. Pus a mão nos
cabelos, e o líquido de limpeza começou a escorrer pelo meu rosto. Espirrei.
Joguei água por tudo, espalhei sapólio e passei o rodinho. Meus pés arderam.
Ao. puxar os detritos, eles voaram no tapete persa. Deitei-me sobre ó tapete
para caçar os pontinhos de sujeira. Nesse instante, o rodinho escorregou e caiu
em direção ao ralo. Na batida, uma poça d'água explodiu. Com fúria, agarrei o
pano e passei em cada milímetro do piso. Desmaiei no tapete, exausto. Olhei a
cozinha.
Surpresa! O piso estava limpo! Suspirei, quis
tomar um café. Duas gotas negras caíram da xícara. Desesperado, quase lambi o
chão. Limpei com meu próprio lenço. Respirei profundamente, senti minha franja
grudada nos cílios. Uma mancha de sapólio se instalara na minha barriga! Corri
para a ducha. Adormeci pensando como seria fascinante limpar a sala, no dia
seguinte.
De manhã bem cedo, a faxineira reapareceu, com
uma história complicadíssima. Quase beijei seus pés. Sempre desdenhei os
trabalhos domésticos. Quando ouvia alguém falar em ser dona-de-casa, torcia o
nariz. Já me arrependi.
Francamente! Que vida!
Entendendo o texto
01. O que aconteceu
subitamente na vida do autor que o levou a tomar a decisão de limpar o
apartamento?
a) Sua faxineira ficou doente.
b) Ele perdeu o emprego.
c) Ele se mudou para um novo apartamento.
d) Sua faxineira desapareceu.
02. O que o autor
faz ao esmagar sem querer um pedaço de torrada no chão?
a) Chora.
b) Ri.
c) Limpa
imediatamente.
d) Ignora.
03. Como o autor
celebra ao perceber que as manchas no chão desapareceram após o uso do limpador
multiuso?
a) Com um banquete.
b) Com uma festa.
c) Comemorando a
vitória sobre as faxineiras.
d) Ligando para sua faxineira.
04. O que acontece
quando o autor volta sobre a área limpa e molhada?
a) Nada.
b) Marcas pretas aparecem.
c) O tapete persa se suja.
d) Ele escorrega e cai.
05. O que o autor
decide fazer para eliminar as marcas pretas do chão?
a) Passar o rodinho ao contrário.
b) Correr até a pia.
c) Lavar os pés.
d) Usar sapólio.
06. O que o autor
conclui sobre a situação enquanto tenta limpar a cozinha?
a) Deve continuar nu.
b) Precisa chamar um profissional de limpeza.
c) A faxineira é insubstituível.
d) Deve desistir e contratar outra
faxineira.
07. O que o autor
faz quando percebe que as casquinhas da torrada parecem ter colado na cerâmica?
a) Chora.
b) Tira uma por uma com a ponta das
unhas.
c) Lamenta a situação.
d) Contrata um profissional de limpeza.
08. O que o autor
faz ao deitar-se sobre o tapete após limpar a cozinha?
a) Admira o tapete persa.
b) Desmaia.
c) Liga para a faxineira.
d) Fica satisfeito com o resultado.
09. O que acontece
quando o autor tenta tomar um café após o trabalho de limpeza?
a) Ele encontra uma xícara suja.
b) Duas gotas negras caem da xícara.
c) Ele derrama o café no chão.
d) Ele não encontra o café.
10. Quem reaparece
no final da crônica, facilitando a vida do autor em relação à faxina?
a) A mãe do autor.
b) O pai do autor.
c) O vizinho.
d) A faxineira.
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