Conto: O Xá do Blá-blá-blá
Salman Rushdie
Era uma vez, no país de Alefbey, uma
triste cidade, a mais triste das cidades, uma cidade tão arrasadoramente triste
que tinha esquecido até seu próprio nome. Ficava à margem de um mar sombrio,
cheio de peixosos – peixes queixosos e pesarosos, tão horríveis de se comer que
faziam as pessoas arrotarem de pura melancolia, mesmo quando o céu estava azul.
Ao norte dessa cidade triste havia
poderosas fábricas nas quais a tristeza (assim me disseram) era literalmente
fabricada, e depois embalada e enviada para o mundo inteiro, que parecia sempre
querer mais. Das chaminés das fábricas de tristeza saía aos borbotões uma
fumaça negra, que pairava sobre a cidade como uma má notícia.
E nas entranhas da cidade, atrás de uma
velha zona de edifícios caindo aos pedaços, que mais pareciam corações
partidos, vivia um garoto feliz, chamado Haroun, filho único de Rashid Khalifa,
o contador de histórias, cuja alegria era famosa em toda aquela infeliz
metrópole, e cujo fluxo interminável de histórias críveis e incríveis,
entrelaçadas e serpenteantes, tinha lhe valido não só um apelido, mas dois.
Para seus admiradores ele era Rashid, o Mar de Ideias, tão recheado de
histórias gostosas como o mar era recheado de peixosos; mas, para seus
invejosos rivais, ele era o Xá do Blá-blá-blá. Para sua mulher, Soraya, Rashid
foi por muitos anos o marido mais amoroso que se poderia desejar, e durante
todos esses anos Haroun foi criado numa casa onde, em vez de tristeza e rugas
na testa, havia o riso fácil do seu pai e a voz doce da sua mãe cantando
canções que voavam pelo ar.
Foi então que alguma coisa deu errado
(quem sabe a tristeza da cidade acabou penetrando pelas janelas da casa?)
No dia em que Soraya parou de cantar no
meio de um verso, como se alguém tivesse desligado uma chave, Haroun imaginou
que alguma complicação estava começando. Mas ele nem desconfiava o quanto essa
complicação era complicada.
RUSHDIE, Salman. Haroun
e o Mar de Histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Entendendo o conto:
01 – De que se trata esse
conto?
Apresenta uma história encantadora sobre a importância das
palavras, da imaginação e da resistência contra a opressão.
02 – Que características tem a
cidade onde se passam os fatos narrados?
Cidade
extremamente barulhenta e caótica. É descrita como um lugar cinza e sem vida.
03 – A que são comparados os
edifícios, no 3º parágrafo?
São comparados a
corações partidos.
04 – Que contraste havia entre
a cidade e a casa de Haroun?
A cidade era triste, a mais triste das
cidades e a casa de Haroun é tranquila e alegre.
05 – Transcreva do texto a
expressão temporal que marca o momento em que começa a “complicação
complicada”.
No dia em que
Soraya parou de cantar no meio de um verso, como se alguém tivesse desligado
uma chave.
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