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domingo, 19 de junho de 2022

CRÔNICA: A CHAVE DO TAMANHO - JOSÉ GERALDO COUTO - COM GABARITO

 Crônica: A chave do tamanho

             José Geraldo Couto

        No futebol brasileiro, o “ao” e o “inho” expressam muito mais do que a mera estatura dos jogadores


        A grande contratação do Corinthians para tentar se reerguer, por enquanto, é o zagueiro Chicão, ex-Figueirense, que já chega ao clube suspenso por duas partidas.

        Como o novo contratado vem se juntar a Betão, Zelão e Carlão, fiquei pensando nessa fartura de nomes no aumentativo num time que já teve dias melhores com jogadores como Tupãzinho, Silvinho, Marcelinho e Ricardinho.

        Na história do futebol brasileiro, é muito mais fácil encontrar craques cujo nome termina em "inho" do que em "ão".

        Por que será?

        Talvez porque o aumentativo geralmente conote força física, disposição e uma certa brutalidade, mas raramente esteja associado a uma técnica refinada.

        De um lado, Ditão, Betão, Ronaldão, Chicão.

        Do outro, Julinho, Luizinho, Marcelinho, Palhinha, Juninho, Djalminha, Ronaldinho...

        À primeira vista poderia haver uma divisão de trabalho baseada nessa "chave do tamanho".

        Os grandões na defesa, os baixinhos no ataque.

        Mas não é bem assim.

        Houve zagueiros de primeira ordem com nomes no diminutivo –Edinho, Marinho Peres, Luisinho (do Atlético-MG e da seleção brasileira) – assim como bons atacantes terminados em "ão": Luizão, Fernandão.

        Deixo de fora dessa brincadeira, é claro, os nomes e apelidos que terminam em "ão" mas não são aumentativos: Tostão, Falcão, Alemão.

        O interessante é notar como o "ão" e o "inho" têm a ver com a nossa cultura luso-afro-brasileira, com o nosso jeito e com o nosso afeto.

        O ditongo "ão" é um som que praticamente só existe na língua portuguesa. Se você estiver numa cidade estrangeira e captar numa conversa alheia um "ão" bem anasalado, pode saber que ali está um português, um brasileiro ou um africano de ex-colônia lusa.

        Já o "inho", a tendência de nomear tudo no diminutivo, que encantou sábios como Mário de Andrade e Darcy Ribeiro, é uma característica da nossa afetividade luso-afro-brasileira.

        "Tudo aquilo que o malandro pronuncia/ com voz macia/ é brasileiro, / já passou de português", cantou Noel.

        O modo mais carinhoso e encantador de modular esse diminutivo talvez seja o mineiro: "Miguelim", "um bocadim", "amorzim".

        Para quem trabalha com a linguagem verbal, o nome das coisas e dos seres é tudo.

        Quando chamamos alguém pelo aumentativo, exprimimos respeito e, quem sabe, temor. Usando o diminutivo, comunicamos carinho, fazemos um afago com a voz, mesmo que involuntariamente.

        Parte da tragédia social em que estamos afundados se revela no fato de chamarmos bandidos inescrupulosos de "Fernandinho Beira-Mar", "Marcinho VP" e outros apelidos semelhantes.

        Talvez seja um modo de reconhecer que esses meninos-monstros são frutos do nosso ventre, são os rebentos que, em nossa infinita negligência, colocamos no mundo.

        Mas do que estávamos falando mesmo?

          COUTO, José Geraldo. A chave do tamanho. Folha de S. Paulo, Caderno Esportes, D4, 15 dez. 2007.

Fonte: Língua portuguesa 2 – Projeto ECO – Ensino médio – Editora Positivo – 1ª edição – Curitiba – 2010. p. 122-3.

Entendendo a crônica:

01 – A crônica reflete sobre o uso de sufixos diminutivos e aumentativos empregados em um universo específico. Que universo é esse?

      É o universo do futebol, já que são discutidos os nomes pelos quais chamamos os jogadores.

02 – Identifique a hipótese elaborada pelo autor do texto para justificar a existência de um maior número de craques cujos nomes terminam em –inho.

      Segundo o autor do texto, isso aconteceria porque o sufixo –inho estaria relacionado à “técnica refinada” e o sufixo –ão estaria identificado com força física, disposição e brutalidade. Assim, os jogadores cujos nomes terminam em –inho estariam no ataque (fazendo gols) e os jogadores cujos nomes terminam em –ão estariam na defesa (possuindo menor visibilidade).

03 – Ao afirmar “Mas não é bem assim”, o autor do texto relativiza a hipótese anteriormente formulada e tece considerações sobre a “cultura luso-afro-brasileira”. O que expressariam os nomes próprios terminados em –inho e –ão no interior dessa cultura?

      Os nomes terminados em –ão expressariam respeito e temor; os terminados em –inho expressariam carinho e afeto.

04 – Ainda segundo o autor do texto, parte da tragédia social brasileira se revela no fato de chamarmos bandidos de “Fernandinho Beira-Mar” e “Marcinho VP”. O que ele quis dizer com isso?

      Ele quis dizer que há certa afetividade no modo como chamamos essas pessoas. Em última instância, isso poderia indicar nossa complacência e tolerância com o crime.

05 – Justifique o título do texto.

      O título se justifica porque o texto se propõe a interpretar os sentidos do uso de sufixos diminutivos e aumentativos na língua portuguesa, especialmente no universo do futebol. Assim, encontrar a “chave do tamanho” seria justamente compreender o sentido da escolha dos nomes dos jogadores.

 

 

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