Crônica: A chave do tamanho
José Geraldo Couto
No
futebol brasileiro, o “ao” e o “inho” expressam muito mais do que a mera
estatura dos jogadores
A grande contratação do
Corinthians para tentar se reerguer, por enquanto, é o zagueiro Chicão,
ex-Figueirense, que já chega ao clube suspenso por duas partidas.
Como o novo contratado vem se juntar a
Betão, Zelão e Carlão, fiquei pensando nessa fartura de nomes no aumentativo
num time que já teve dias melhores com jogadores como Tupãzinho, Silvinho,
Marcelinho e Ricardinho.
Na história do futebol brasileiro, é
muito mais fácil encontrar craques cujo nome termina em "inho" do que
em "ão".
Por que será?
Talvez porque o aumentativo geralmente
conote força física, disposição e uma certa brutalidade, mas raramente esteja
associado a uma técnica refinada.
De um lado, Ditão, Betão, Ronaldão,
Chicão.
Do outro, Julinho, Luizinho,
Marcelinho, Palhinha, Juninho, Djalminha, Ronaldinho...
À primeira vista poderia haver uma
divisão de trabalho baseada nessa "chave do tamanho".
Os grandões na defesa, os baixinhos no
ataque.
Mas não é bem assim.
Houve zagueiros de primeira ordem com
nomes no diminutivo –Edinho, Marinho Peres, Luisinho (do Atlético-MG e da
seleção brasileira) – assim como bons atacantes terminados em "ão":
Luizão, Fernandão.
Deixo de fora dessa brincadeira, é
claro, os nomes e apelidos que terminam em "ão" mas não são
aumentativos: Tostão, Falcão, Alemão.
O interessante é notar como o
"ão" e o "inho" têm a ver com a nossa cultura
luso-afro-brasileira, com o nosso jeito e com o nosso afeto.
O ditongo "ão" é um som que
praticamente só existe na língua portuguesa. Se você estiver numa cidade
estrangeira e captar numa conversa alheia um "ão" bem anasalado, pode
saber que ali está um português, um brasileiro ou um africano de ex-colônia
lusa.
Já o "inho", a tendência de
nomear tudo no diminutivo, que encantou sábios como Mário de Andrade e Darcy
Ribeiro, é uma característica da nossa afetividade luso-afro-brasileira.
"Tudo aquilo que o malandro
pronuncia/ com voz macia/ é brasileiro, / já passou de português", cantou
Noel.
O modo mais carinhoso e encantador de
modular esse diminutivo talvez seja o mineiro: "Miguelim", "um
bocadim", "amorzim".
Para quem trabalha com a linguagem
verbal, o nome das coisas e dos seres é tudo.
Quando chamamos alguém pelo
aumentativo, exprimimos respeito e, quem sabe, temor. Usando o diminutivo,
comunicamos carinho, fazemos um afago com a voz, mesmo que involuntariamente.
Parte da tragédia social em que estamos
afundados se revela no fato de chamarmos bandidos inescrupulosos de
"Fernandinho Beira-Mar", "Marcinho VP" e outros apelidos
semelhantes.
Talvez seja um modo de reconhecer que
esses meninos-monstros são frutos do nosso ventre, são os rebentos que, em nossa
infinita negligência, colocamos no mundo.
Mas do que estávamos falando mesmo?
COUTO, José Geraldo. A chave do
tamanho. Folha de S. Paulo, Caderno Esportes, D4, 15 dez. 2007.
Fonte: Língua
portuguesa 2 – Projeto ECO – Ensino médio – Editora Positivo – 1ª edição –
Curitiba – 2010. p. 122-3.
Entendendo a crônica:
01 – A crônica reflete sobre
o uso de sufixos diminutivos e aumentativos empregados em um universo
específico. Que universo é esse?
É o universo do
futebol, já que são discutidos os nomes pelos quais chamamos os jogadores.
02 – Identifique a hipótese
elaborada pelo autor do texto para justificar a existência de um maior número
de craques cujos nomes terminam em –inho.
Segundo o autor do texto, isso
aconteceria porque o sufixo –inho estaria relacionado à “técnica refinada” e o
sufixo –ão estaria identificado com força física, disposição e brutalidade.
Assim, os jogadores cujos nomes terminam em –inho estariam no ataque (fazendo
gols) e os jogadores cujos nomes terminam em –ão estariam na defesa (possuindo
menor visibilidade).
03 – Ao afirmar “Mas não é
bem assim”, o autor do texto relativiza a hipótese anteriormente formulada e
tece considerações sobre a “cultura luso-afro-brasileira”. O que expressariam
os nomes próprios terminados em –inho e –ão no interior dessa cultura?
Os nomes
terminados em –ão expressariam respeito e temor; os terminados em –inho
expressariam carinho e afeto.
04 – Ainda segundo o autor
do texto, parte da tragédia social brasileira se revela no fato de chamarmos
bandidos de “Fernandinho Beira-Mar” e “Marcinho VP”. O que ele quis dizer com
isso?
Ele quis dizer
que há certa afetividade no modo como chamamos essas pessoas. Em última
instância, isso poderia indicar nossa complacência e tolerância com o crime.
05 – Justifique o título do
texto.
O título se justifica porque o texto se
propõe a interpretar os sentidos do uso de sufixos diminutivos e aumentativos
na língua portuguesa, especialmente no universo do futebol. Assim, encontrar a
“chave do tamanho” seria justamente compreender o sentido da escolha dos nomes
dos jogadores.
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