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domingo, 15 de maio de 2022

CORDEL: O BURRO É O SER HUMANO - JOSÉ DE ACACI - COM GABARITO

 Cordel: O burro é o ser humano

           José de Acaci


Acordei de madrugada

E comecei a fazer risco...

Pedi licença ao poeta,

Meu mestre Antônio Francisco,

E puxei pela memória

Pra escrever essa história

Que chegou como um corisco:

 

Andando pela cidade

Vi uma carroça larga

Cheia de areia e cimento

E pensei na vida amarga,

O sofrimento, a tortura,

Como é a vida dura

De um pobre burro de carga.

 

Ao ver o burro cansado

Perguntei no pensamento:

– Como é que um homem pode

Causar tanto sofrimento?

– Como pode ser tão mau

Com esse pobre animal?

– Coitado desse jumento!

 

E fiquei ali parado

Pensando na humanidade

Que pra se satisfazer

Perde o rumo da verdade.

E entre todos os animais,

Entre todos os demais,

É o único que tem maldade.

[...]

Olhando aquele jumento

Escutei a voz de alguém,

Mas olhei ao meu redor

Vi que não tinha ninguém.

Só o jumento cansado,

Olhando para o meu lado

Como uma coisa do além.

 

Fiquei todo arrepiado

Quando o jumento me olhou

Chamou minha atenção

E para mim cochichou:

“– Não se assuste comigo

Você não corre perigo.”

E depois continuou:

 

“– Você, meu caro poeta,

Com esse seu sentimento

Foi por Deus abençoado.

E agora, nesse momento,

Vai ter a capacidade

E a oportunidade

De escutar um jumento.”

 

Eu senti um arrepio,

O suor veio na palma,

Ao escutar o jumento

Senti um frio na alma,

Meu coração disparou,

Mas o jumento falou:

“– Meu poeta, tenha calma!”

 

Olhou-me com a grandeza

De um Sábio de Alexandria,

E disse: “-- O que o homem faz

Comigo é covardia,

Mas eu lhe dou o perdão

Porque no meu coração

Só tenho paz e alegria.”

 

“– Não adianta queixar-me

De todo meu sofrimento.

Eu não reclamo da vida

Nem resmungo um só momento,

Não vivo no desatino

Porque sei que o meu destino

Foi nascer para ser jumento.”

 

“– Porém, você meu poeta,

Faz parte da raça humana.

A quem Deus deu liberdade

E a vontade soberana

Pra decidir com cuidado

Entre o certo e o errado

Entre o amor e a gana.”

 

“– O ser humano optou

Pelo lado que não presta.

Poluiu rios e mares,

Tocou fogo na floresta

E desmatou sopé de morro,

É um pedindo socorro

E outro fazendo festa.”

[...]

“Com trator e motosserra

Fizeram o desmatamento

Deixaram a areia solta

Gerando assoreamento.

– Oh atitude infeliz!

Ainda tem gente que diz

Que eu é sou jumento.”

 

“– Desculpe, caro poeta,

Magoar não é meu plano,

Mas o homem me maltrata

E ainda comete o engano

De dizer que eu sou burro”,

E falou dando um esturro:

“O burro é o ser humano.”

 

“– Um bicho que inventa armas,

Que destrói uma nação,

Que tem inveja e ganância

No sangue e no coração.

Que faz o mal e sai rindo,

Tá se autodestruindo.

– Esse perdeu a razão!”

[...]

ACACI, José. O burro é o ser humano. Parnamirim: s.d.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 8º ano – Ensino Fundamental – IBEP – 4ª edição. São Paulo. 2015. p. 66-8.

Entendendo o cordel:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Corisco: faísca elétrica, raio.

·        Desatino: ausência de bom senso, de juízo.

·        Soberano: de grande poder, que exerce autoridade.

·        Gana: desejo grande e excessivo de obter lucro, lícito ou ilícito.

·        Sopé: base da montanha, parte inferior.

·        Assoreamento: surgimento de montes de areia por enchente ou construções.

·        Esturro: urro, rugido; estrondo; queimado.

02 – Em resumo, qual é o assunto tratado nesse cordel?

      Reflexões sobre a natureza humana e sobre as ações do homem em relação ao meio ambiente.

03 – Uma das personagens do poema é um burro falante. Em que outro gênero de texto o recurso de personificação de animais costuma ser utilizado?

      Nas fábulas.

04 – O eu poético comenta, na primeira estrofe, que recorre à memória para narrar o que virá em seguida. Que outra expressão, usada anteriormente nessa mesma estrofe, antecipa a ação de escrever?

      “Fazer risco”.

05 – Releia esta estrofe:  

“E fiquei ali parado

Pensando na humanidade

Que pra se satisfazer

Perde o rumo da verdade.

E entre todos os animais,

Entre todos os demais,

É o único que tem maldade.”

a)   Que palavra poderia sintetizar a ideia apresentada no terceiro e no quarto versos desta estrofe? Transcreva-a em seu caderno.

         I. Anseio. II. Ganância. III. Maldade. IV. Orgulho.

b)   Explique o que seria “perder o rumo da verdade”, segundo o ponto de vista do jumento.

Seria não mais praticar atos justos e verdadeiros, afastando-se do que é adequado e correto.

c)   Segundo o poema, qual é o único animal que tem maldade?

O ser humano.

d)   Você concorda com essa ideia? Justifique sua resposta.

Resposta pessoal do aluno.

06 – Releia outro trecho do poema:

“[...]

Mas eu lhe dou o perdão

Porque no meu coração

Só tenho paz e alegria.”

a)   De quem é essa afirmação?

Do burro.

b)   O que é possível perceber sobre a índole dessa personagem a partir da leitura desses versos?

Que ele é um ser bom, puro.

07 – Na 12ª estrofe, percebe-se um confronto de atitudes.

a)   Localize e transcreva em seu caderno os dois versos que apresentam essa oposição.

É um pedindo socorro / e outro fazendo festa.”

b)   Identifique quais elementos estão em oposição nesses versos.

A natureza e os seres humanos.

c)   Dê exemplos que confirmem a ideia que esses versos apresentam.

De um lado, há a natureza desrespeitada, que nos envia alertas de socorro, como degelo dos polos, aquecimento global, abertura na camada de ozônio, etc. Do outro, há o homem enriquecendo às custas da exploração.

 

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