CONTO: O BAILE DO CAIXEIRO VIAJANTE
Reginaldo Prandi
Sábado é dia de baile, tanto na roça
quanto na cidade.
Numa cidade pequena do interior o
baile é sempre um grande acontecimento. Melhor situação para namorar e para
arranjar namorado não tem.
O sábado é um dia muito propício para
o nascimento de grandes amores. Pois foi num baile de sábado que o moço de fora
apaixonou-se por uma donzela da terra. Foi mais ou menos assim que aconteceu.
Leôncio, sim, era esse o seu nome.
Conheço bem sua incrível história de amor.
Leôncio era um caixeiro-viajante da
capital e vinha à cidade uma vez por mês prover de mercadorias as vendas do
lugar. Ia e voltava no mesmo dia, mas houve algum problema com sua condução e
daquela vez ele teve que dormir na cidade.
Cidade pequena, sem muitos atrativos,
o que se poderia fazer à noite para distração?
Era dia de baile na cidade, um sábado
especial, e uma orquestra de fora tinha sido contratada.
O moço do hotel que servia o jantar
comentou:
— Seu Leôncio, este baile o senhor não pode
perder.
E não podia mesmo, mal sabia ele.
Leôncio mandou passar o terno e foi
ao baile.
Gostava de dançar, sabia até dar uns
bons passos, mas era tímido, relutava em tirar as moças.
Passou boa parte do tempo de pé,
apreciando, bebericando um vermute só para ter o que fazer com as mãos.
Por volta de meia-noite sentiu que
chegava o sono e pensou em se retirar. Foi quando viu Marina entrar no salão.
Ficou sabendo depois que seu nome era Marina.
Marina chegou só e, ao entrar, passou
junto a Leôncio. Bem perto dele ela parou e se virou para trás.
— Oh! Deixei cair minha chave no chão.
Ela falava consigo mesma, distraída
que estava, mas para Leôncio, que tudo ouviu atentamente, suas palavras
funcionaram como uma deixa. Ele se abaixou rapidamente, pegou a chave do chão e
a estendeu à sua dona.
Antes que ela dissesse qualquer
coisa ele falou:
— Pode agradecer com uma contradança,
senhorita.
— Marina, meu nome é Marina. Sim,
vamos dançar.
Dançaram aquela contradança e mais
outra e outras mais. Dançaram o resto da noite, até o baile terminar.
Parecia que os dois eram velhos
parceiros de dança, tão leves e tão graciosos eram seus passos.
Leôncio se sentia completamente
enlevado, como se o encontro com a bela dançarina fosse um presente enviado
pelo céu. Presente que ele nem merecia, chegou a pensar. Agradeceu à
providência ter permanecido na cidade. Já nem queria ir embora no dia seguinte.
Em nenhum momento Marina fez menção
de o deixar para encontrar amigos ou conhecidos no salão. Ele tinha a sensação
de que ela fora ao baile só por ele, de que era com ele que queria dançar a noite
toda.
Não teria namorado, noivo, marido?
Muitas paixões chegam enquanto se
dança.
Leôncio apaixonou-se por Marina ao
dançar com ela. Então, a orquestra tocou a música de encerramento e o baile
acabou, já era alta madrugada. Leôncio insistiu em acompanhar a moça até sua
casa. Ela aceitou a companhia, era perto, iriam a pé. Estava frio lá fora, uma
fina garoa molhava as calçadas. Na portaria do clube Leôncio pegou a capa que
tinha deixado ali guardada. Ele tinha uma capa da qual nunca se separava. Viaja
a muitos lugares diferentes, enfrentando os climas mais imprevisíveis. A capa
era sempre o abrigo garantido.
Leôncio ofereceu a capa à
companheira para que se protegesse do mau.
— Para você não se resfriar, faz frio.
Ela aceitou, vestiu o sobretudo e os dois foram andando pelas calçadas.
Caminhavam de mãos dadas, como namorados, falavam pouco, só o essencial.
Próximo à saída da cidade, a moça
disse ao caixeiro-viajante:
— Despedimo-nos aqui. E explicou por
quê:
— Não fica bem você ir comigo até onde
moro.
— Está bem, como quiser – ele consentiu.
Começando a despir o sobretudo, ela disse:
— Leve sua capa.
— Não fique com ela. Está frio. E
completou:
— Depois você me devolve. Era difícil
para Leôncio deixar a moça ir, mas havia a possibilidade do amanhã e do futuro
todo. Ele propôs, com o coração na mão:
— Amanhã, às oito da noite, em frente à
matriz?
Ela assentiu e o beijou.
A garoa fria tinha se transformado em
densa neblina, mal se vislumbrava a luz dos postes de iluminação.
O silêncio reinava soberano.
Um cão uivou ao longe.
Leôncio viu Marina desaparecer na bruma
da madrugada. Com as mãos nos bolsos
e o corpo retesado pela friagem, o caixeiro retornou ao hotel.
O dia seguinte foi de grande ansiedade,
mas inicialmente a noite chegou para Leôncio. Muito antes da hora marcada lá
estava ele em frente à igreja esperando por Marina. Só quando o relógio da
matriz bateu doze badaladas Leôncio aceitou com tristeza que ela não viria
mais. Temeu que alguma coisa grave tivesse acontecido. Tinha certeza de que ela
gostara dele tanto quanto ele gostara dela.
Alguma coisa grave teria acontecido.
Ele ia descobrir.
Era tarde e só restava ir dormir, mas
na manhã seguinte, mal se levantou, já foi perguntando pela moça. Na rua, no
largo da matriz, em todo lugar, interrogava sobre a moça e nada.
Estranhamente
ninguém sabia dizer quem era ela. Numa cidade pequena todo mundo se conhece,
todos sabem da vida de todos, todos se controlam, vigiam-se uns aos outros. A
fofoca é cultivada como se fosse uma obrigação, como se representasse um dever cívico.
Uma linda moça da cidade vai ao baile
desacompanhada, dança a noite toda com um desconhecido e ninguém sabe quem ela
é?
Ele continuou perguntando por sua
dançarina. Foi aos armazéns e lojas que tinha como clientes, descrevia a moça,
dizia seu nome e ninguém sabia dizer quem era a donzela.
— Aquela com quem dancei ontem a noite
toda.
Ninguém tinha visto.
Desanimado, voltou para sua
hospedagem.
Então um velho se apresentou, era um
empregado do hotel, empregado que Leôncio nunca tinha visto, nem nessa nem em
outras estadas na cidade. Era alto, magro e de uma palidez desconcertante.
O velho empregado do hotel lhe disse:
— Moço, conheci uma tal Marina
igualzinha à sua.
E completou, baixando a voz
respeitosamente:
— Mas ela está morta, morreu há muito
tempo.
Disse que a moça pereceu num desastre
de carro, quando estava fugindo para se casar com um caixeiro-viajante,
casamento que a família dela não queria, de jeito nenhum.
Leôncio ficou chocado com a história,
que absurdo! Imaginar que se tratava da mesma pessoa!
— Nem pensar. Eu a tive nos braços a
noite toda! Mas o velho funcionário insistiu:
— No túmulo dela tem a fotografia,
quer ver?
— Não pode ser, é um disparate, mas
quero ver. O velho não se fez de rogado. Em poucos minutos estavam os dois
subindo a ladeira que levava ao afastado cemitério da cidade. Com a cabeça
girando, cheio de dúvidas e incertezas, Leôncio se perguntava:
— O que é que eu estou fazendo aqui?
Chegaram ao portão do campo-santo e o velho disse a Leôncio que entrasse
sozinho. Não gostava de cemitérios, desculpou-se. Explicou como chegar ao
túmulo da moça, despediu-se com uma reverência e foi embora.
Não foi difícil para o
caixeiro-viajante encontrar a campa que seu acompanhante descreveu com
precisão. A tardinha se fora, escurecia, a noite já caía sobre o cemitério. A
neblina voltava a descer e esfriara um pouco.
Leôncio sentia frio, tremia, mas
podia enxergar perfeitamente. Estava de pé diante da tumba. E o retrato da
defunta que ali jazia era mesmo o dela. “Aqui descansa em paz Marina, filha
querida”, era o que dizia a inscrição em letras de bronze, havia muito tempo
enegrecidas, fixadas sobre o mármore gasto da lápide mortuária.
O olhar aturdido de Leôncio
desviou-se do retrato, não queria ver mais o rosto amado aprisionado na pedra
pela morte.
Triste desdita a do viajante, havia
mais coisa para ver ali. Uma tragédia nunca se completa sem antes multiplicar o
desespero. O olhar de Leôncio subiu em direção à parte alta do sepulcro.
Na cabeceira do jazigo estava uma
peça que lhe era bastante familiar.
Sentiu um calafrio lhe percorrer a
espinha, tinha as pernas bambas, o coração disparado.
Aproximou-se mais do túmulo para ver
melhor.
Estendida sobre a sepultura, à sua
espera, repousava sua inseparável capa.
Entendendo
o texto
01.Quais
são os personagens principais do texto?
Leôncio e Marina.
02.Quais
os outros personagens que aparecem na história?
O moço do hotel que servia o jantar e um velho que era empregado do
hotel.
4) Qual o local onde se
passa a história?
Numa cidade
pequena do interior.
5) Em qual espaço acontece o
fato mais importante da história?
Em um baile.
6) Em que tempo acontece
este conto?
a)
Em alguns dias.
b) Apenas numa noite.
c) Apenas numa madrugada.
Justifique sua resposta copiando
o trecho do conto.
Era dia de baile na cidade, um sábado
especial.
7) Por que o texto recebeu
este título? Copie do texto um trecho que justifique sua resposta.
Porque o caixeiro
viajante foi a um baile. “Leôncio mandou passar o terno e foi ao baile.”
8) Este conto pode ser
classificado em:
a) Conto fantástico.
b) Conto de terror.
c)
Conto de mistério.
9) Em qual parte do texto
tem o início do conflito no conto? Conflito é a parte que indica algo a ser
resolvido. Indique quando ele surge e copie-o.
O conflito surge
quando a Marina não comparece ao encontro com o caixeiro.
“O dia seguinte foi de grande
ansiedade, mas inicialmente a noite chegou para Leôncio. Muito antes da hora
marcada lá estava ele em frente à igreja esperando por Marina. Só quando o
relógio da matriz bateu doze badaladas Leôncio aceitou com tristeza que ela não
viria mais.”
O conflito surge quando a
Marina não comparece ao encontro com o caixeiro.
10) Em qual parte do texto temos o clímax? O
clímax é a parte mais intensa do conto. Escreva com suas palavras esta parte do
texto.
Resposta pessoal.
11) Qual é o desfecho do
conto? Desfecho é o final da história. Explique com as suas palavras.
Resposta pessoal.
Fonte: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/gestar/tpportugues/tp4.pdf.
Acesso em 27/08/19
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