História: Odisseia – Saudade de casa (Fragmento)
Ana Maria Machado
Uma súbita brisa soprou. As brisas se
reuniram num vento. O vento se contorceu num vendaval veloz, e o vendaval
rodopiou até se tornar um frenesi. As ondas faziam malabarismos com os dozes
navios de Odisseu: os que eram erguidos pelas cristas e os que eram puxadas
para baixo colidiam casco com casco enquanto subiam e desciam. Os tripulantes
olharam aterrorizadas para seus companheiros e todos se viram por um momento
contra um céu furioso de raios; no instante seguinte, estavam num vale de
brilhante água escura e, logo, envoltos em nuvens de espuma. Ergueram os remos,
mas foram lentos demais para baixar as velas, que se rasgaram em pedaços. Seus
panos foram tão retorcidas pelo vento que os cordões quase estrangulavam os
marujos. Duzentas vozes chamaram pelos deuses, e as preces deslizaram como
gaivotas sobre o mar tempestuoso. Por nove dias e nove noites, comeram pão
empapado e beberam água da chuva, recolhendo-a com as mãos dos porões dos
navios.
-- Terra!
-- Onde? Você está mentindo!
-- Lá! Lá!
-- É uma nuvem!
-- É um recife!
-- É uma ilha!
-- Seremos levados para longe dela!
-- Seremos arremessados contra ela!
-- Seremos esmagados!
-- Seremos salvos – disse Odisseu em
voz baixa e calma –, e devemos agradecer aos deuses por isso.
Era mesmo o caso de agradecer aos
deuses. A tempestade cessou num instante, e eles se viram numa praia ensolarada
de areias brancas. Dispersos como restos de um naufrágio, os dozes navios estavam
virados de lado, enquanto o mar roçava seus ventres bojudos. Os marujos se
apinhavam sobre a areia, e a maioria adormeceu.
-- Podemos sair à procura de comida? –
perguntou Euríloco.
-- Não querem descansar? – disse
Odisseu, surpreso.
-- Tenho mulher e seis filhos à minha
espera em casa, e não tenho a intenção de fazê-las esperar mais do que o
necessário, capitão. Já fiquei longe por dez anos.
-- Muito bem. Mas vá com cuidado. Leve
só vinte homens com você: não quero que os habitantes da ilha pensem que somos
uma força invasora... e não se metam em nenhuma briga.
Homero. Odisseia.
Adaptação de Geraldine McCaughrean; apresentação de Ana Maria Machado. São
Paulo: Ática, 2010. p. 11 e 12.
Fonte: Língua Portuguesa – Português –
Apoema – Editora do Brasil – São Paulo, 2018. 1ª edição – 6° ano. p. 168-9.
Entendendo a história:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Apinhar: unir.
·
Bojudo: arredondado.
·
Empapado: muito molhado.
·
Frenesi: agitação.
·
Roçar: atritar.
02 – Reescreva a frase
substituindo as palavras assinaladas por sinônimos. Observe o contexto de uso
delas e, se tiver dúvidas, consulte o dicionário.
“[...]
O vento se contorceu num vendaval veloz, e o vendaval rodopiou até
se tornar um frenesi. [...]”.
O vento se
contorceu num vendaval rápido
(acelerado), e o vendaval girou até
se tornar um desvario.
03 – No texto, a tempestade
desencadeia uma complicação. Releia a reação dos tripulantes.
“[...]
Os tripulantes olharam aterrorizadas para seus companheiros e todos se viram
por um momento contra um céu furioso de raios. [...].”
a) Como foi a tempestade?
Muito forte.
b) De que modo o trecho revela isso ao leitor?
A descrição da reação dos tripulantes e do estado do céu mostra a
gravidade da tempestade.
c) O modo como os fatos são narrados cria que efeito no texto? Esse modo de narrar caracteriza qual gênero textual?
Os fatos narrados levam o leitor a envolver-se com os perigos e
mistérios da história e o modo de narrar caracteriza o gênero narrativa de
aventuras.
04 – Ainda no primeiro
parágrafo, observe:
“Uma
súbita brisa soprou. As brisas se reuniram num vento. O vento se contorceu num
vendaval veloz, e o vendaval rodopiou até se tornar um frenesi.”
Mostre de que modo os sintagmas nominais foram indicando a progressão da narrativa e mostrando a mudança de uma situação.
Primeiro, o narrador fala em brisa,
depois brisas que formam um vento, depois o vento virou um “vendaval veloz”,
que se transformou em um frenesi. Dessa forma, ele mostrou a chegada da
tempestade.
05 – Releia o trecho a
seguir e responda às questões.
“[...]
Duzentas vozes chamaram pelos deuses, e as preces deslizaram como gaivotas
sobre o mar tempestuoso. [...]”.
a) O determinante no sintagma “duzentas vozes” cria um efeito de sentido na narrativa. Qual seria esse efeito: Exatidão? Exagero? Dúvida? Explique sua resposta.
O determinante duzentas foi usada para dizer que muitas vozes
chamaram pelos deuses. Não foram exatamente duzentas vozes, mas o número alto
mostra que foram muitos os que chamaram pelos deuses. O efeito é de exagero.
b) No contexto da narrativa, qual é o sentido da comparação das preces dos marujos com gaivotas que deslizam?
O sentido é dizer que as preces de nada adiantaram, porque o navio
foi atingido pela tempestade.
06 – Examine as sequências a
seguir, identificando-as como descritivas ou narrativas. Justifique sua
resposta.
I – “Uma súbita brisa
soprou. As brisas se reuniram num vento. O vento se contorceu num vendaval
veloz, e o vendaval rodopiou até se tornar um frenesi. As ondas faziam
malabarismos com os dozes navios de Odisseu [...]”.
II – “[...] Ergueram os
remos, mas foram lentos demais para baixar as velas, que se rasgaram em
pedaços. Seus panos foram tão retorcidas pelo vento que os cordões quase
estrangulavam os marujos. Duzentas vozes chamaram pelos deuses, e as preces
deslizaram como gaivotas sobre o mar tempestuoso. Por nove dias e nove noites,
comeram pão empapado e beberam água da chuva, recolhendo-a com as mãos dos
porões dos navios.”
A sequência I é
descritiva, porque apresenta o ambiente, o cenário da aventura. A sequência II
é narrativa, porque conta o encadeamento das ações.
07 – Releia o primeiro
diálogo do texto.
a) É possível saber quais personagens falam? Explique.
Com exceção da fala de Odisseu, as falas não são identificadas, é
como se todos os marujos estivessem falando.
b) Que opiniões são dadas? O que as personagens parecem sentir?
Cada tripulante dá uma opinião diferente. Parecem estar ansiosos.
c) Em que tempo os verbos são usados no diálogo? Que efeito isso cria?
No presente. Parece que a conversa acontecia realmente naquele
momento.
08 – Caracterize o texto em
relação.
a) Ao narrador.
O narrador escreve em 3ª pessoa; é um narrador-observador.
b) À função do diálogo.
No diálogo, aparecem várias vozes de marujos e apenas uma delas é
identificada – a de Odisseu. O diálogo torna a narrativa mais viva e
verdadeira, porque parece que as personagens estão realmente conversando e
comentando o que lhes acontecerá.
c) À situação final.
A situação final mostra o fim da tempestade e a chegada dos marujos
a uma “praia ensolarada de areias brancas”. Tudo termina bem depois da aventura
vivida na tempestade.
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