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terça-feira, 9 de março de 2021

POESIA: PAPAI NOEL ÀS AVESSAS - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poesia: Papai Noel às Avessas

Carlos Drummond de Andrade

Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai entrou compenetrado.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celuloide.

Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.

Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.

                             Carlos Drummond de Andrade. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973. P. 68-69.

                     Fonte: Português – Língua e Cultura. Carlos Alberto Faraco. Volume 1. 2. Ed. – Curitiba: Base Editorial, 2010. P. 62-3.

Entendendo a poesia:

01 – Observe, primeiro, que o narrador, embora quase imperceptível, se deixa ver ao inserir comentários em seu relato. Localize estes comentários.

      1ª estrofe – 2° e 3° versos.

      2ª estrofe – 3° verso.

02 – Note, em seguida, que a poesia é, aparentemente, singelo e banal (relato de um evento anônimo em linguagem do cotidiano). De onde vem, então, sua força expressiva?

      Da inversão da imagem tradicional de Papai Noel.

03 – Por último, que sentido podemos atribuir aos seguintes versos?

a)   “Coisas que continuavam coisas no mistério do Natal”.

O Natal não altera o cotidiano.

b)   “Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes”.

Que fora da casa estava calmo e tranquilo.

Um comentário: