CRÔNICA: A MENININHA E O GERENTE
Carlos Drummond de Andrade
- Não, paizinho, não! Quero ir com você!
- Mas, meu bem, não posso levar você lá. O lugar não é
próprio. Não vou demorar nada, só dez minutos. Seja boazinha, fique me
esperando aqui.
- Não, não! – a garotinha soluçava. Agarrou-se à calça do
pai como quem se agarra a uma prancha no mar. Ele insistia:
- Que bobagem, uma menina da sua idade fazendo um papelão
desses!
- Você não volta!
- Volto, ora essa, juro que volto, meu amor.
Prometendo, ele passava o olhar pela rua, impaciente. Ela
baixara a cabeça, chorando. Estavam diante da papelaria. O gerente assistia à
cena. O homem aproximou-se dele:
- Faz-me o obséquio de tomar conta de minha filha por
alguns instantes? Vou a um lugar desagradável e não posso levá-la comigo.
- Mas...
- Quinze minutos no máximo. É ali adiante. Muito
obrigado, hein?
E sumiu. A garotinha continuava de olhos baixos, imóvel,
dorso da mão esquerda junto à boca. O gerente passou-lhe a mão nos cabelos, de
leve.
- Vem cá.
Ela não se mexeu.
- Como é que você se chama? Carmem? Luíza? Marlene?
Como não respondesse, o gerente foi desfiando nomes, sem
esperança de acertar. Mas ao dizer “Estela”, a cabecinha moveu-se, confirmando.
- Estela, você sabe que está
com um vestido muito bonito?
Estela tirou a mão dos olhos, examinou o próprio vestido
e não disse nada.
Mas o gelo fora rompido. Daí a pouco o gerente
mostrava-lhe a caixa registradora e autorizava-a a marcar uma venda de 200
cruzeiros.
- Olha um gatinho. Ele mora aqui?
- Mora.
- E que nome tem?
- Papel.
- Mentiroso!
- Então pergunte a ele.
O gato acordou, deixou-se afagar e tornou a dormir, desta
vez nos braços de Estela.
O gerente olhou o relógio; tinham se passado quinze
minutos, o homem não aparecia. “Bonito se ele não vier mais. O que eu vou fazer
com esta garotinha, na hora de fechar?”
Tentou lembrar o rosto do desconhecido, impossível. Já
pensava em telefonar para a polícia, quando Estela o puxou pela perna:
- Além da máquina e do gatinho, você não tem mais nada
para me mostrar?
Ele abarcou com a vista a loja toda e achou-a mal
sortida, pobre. “Eu devia ter aberto uma loja de brinquedos, pelo menos um
bazar.” Experimentou com Estela o apontador de lápis, o grampeador. E o homem
não vinha. “É, não vem mais.” Estela andava de um lado para o outro, dona do
negócio. Ele, inquieto.
- Não mexa nas gavetas, filhinha.
- Não sou sua filhinha.
- Desculpe.
- Desculpo se você deixar eu abrir.
- Então deixo.
Dentro havia balões, estrelinhas, saldo do último Natal.
E ele que não se lembrava daquilo. Estela riu de sua ignorância, e o homem não
vinha. O movimento de fregueses declinava. Na calçada, as filas de lotação iam
crescendo. Daí a pouco, a noite.
Estela soprou um balão, outro, quis soprar dois ao mesmo
tempo. Um estourou. Ela assustou-se. Ele riu.
“Se o homem não aparecesse mais, que bom! Aliás, a cara
dele era de calhorda. Ainda bem que me escolheu.” Levaria Estela para casa. A
mulher ia estranhar, fariam dela uma filha – a filha que praticamente não
tinham mais, pois casara e morava longe, no Peru. E se o pai reclamasse depois?
Ora, quem entrega a filha a um estranho, diz que vai demorar quinze minutos,
passa uma hora e não volta, merece ter uma filha?
O empregado arriava a cortina de aço quando apareceram
duas pernas, um tronco inclinado, uma cabeça.
- Dá licença? Demorei mais do que pensava, desculpe.
Muito obrigado ao senhor. Vamos, filhinha?
O gerente virou o rosto, para não ver, mas chegou até ele
a despedida de Estela:
- Até logo, homem do balão!
E a filha mais longe ainda, no Peru.
(DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Para gostar de ler, v.3.
São Paulo. Ática, 1979.)
Fonte: Livro: Português
5ª Série – Palavra Aberta – Isabel Cabral. Atual Editora,1995,
p.187-190.
Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fbr.pinterest.com%2Fpin%2F775745104543302184%2F&psig=AOvVaw2VUZuqgakwrbuu62cxNiLA&ust=1610653952733000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCLjqldjXme4CFQAAAAAdAAAAABAD
Entendendo o texto
1.
Podemos dividir o texto em cinco partes. Leia
a frase que resume os acontecimentos de cada parte e diga onde começa e onde
termina cada uma.
1ª
parte: O pai não pode levar a filha aonde vai.
Do início até “meu amor”.
2ª parte:
O pai deixa a filha com o gerente.
De “Prometendo” até “sumiu”.
3ª
parte: O gerente tenta aproximar-se da menina.
De “A garotinha” até “disse nada”.
4ª parte: A
menina e o gerente tornam-se bons companheiros.
De “Mas o gelo” até “ter filha”.
5ª parte: O
pai retorna.
De
“O empregado” até o final.
2. Quais são as personagens dessa história?
A menina, o gerente e o pai da
menina.
3. Dê as características da personagem gerente. Baseie-se em suas ações e em pensamentos mostrados pelo texto.
Honesto, sonhador, etc.
4. Onde aconteceu a história?
Numa papelaria.
5. Vamos observar o tempo da história.
a) Essa
história acontece nos dias de hoje ou em um passado mais distante? Por quê?
Nos dias de hoje. Existe a presença de elementos como “grampeador”,
por exemplo.
b) Quanto
tempo, aproximadamente, a menina fica com o gerente? Algumas horas? Um dia?
Vários dias?
Cerca de uma hora.
6. O narrador da história também é personagem?
Não.
7. O gerente “abarcou com a vista a loja toda e sentiu-a mal sortida, pobre”.
a) A
loja realmente era pobre ou o gerente considerou-a pobre por causa da menina?
Considerou pobre por causa da menina. Não havia artigos que pudessem
interessar a uma criança.
b) Com
que coisas da loja Estela se distraiu?
Com o gato, o apontador, o grampeador, os balões e as estrelinhas.
c) O
gerente queria agradar Estela?
Sim.
8. Um determinado fato preocupou o gerente.
a) Que fato
o preocupa?
O pai da menina começa a demorar.
b) Podemos
afirmar que, à medida que o tempo passa, a preocupação do gerente se transforma
em desejo? Que desejo?
Sim. Ele começa a desejar que o pai da menina não volte para poder “adotá-la”.
9. Quando o pai de Estela chegou para leva-la embora, o gerente ficou contente? Como ele se sentiu? Retire um trecho do texto que comprove a sua resposta.
Não. Ele ficou triste, meio
frustrado. “O gerente virou o rosto, para não ver [...]”.
Gostei
ResponderExcluir