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quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

POEMA EM LINHA RETA - FERNANDO PESSOA - COM GABARITO

 POEMA EM LINHA RETA

           Fernando Pessoa


 Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

               Apud: Antologia poética de Fernando Pessoa. Introdução e seleção de Walmir Ayala. Rio de Janeiro, Tecnoprint, s/d. p. 122.

               Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 189-191.

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fcursoderedacao.net%2Fpoema-em-linha-reta-fernando-pessoa%2F&psig=AOvVaw2urcYB_8fUhwgn9CHOXX8e&ust=1608335906496000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCKC986Wc1u0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Reles: desprezível, insignificante.

·        Infâmia: comportamento sem ética, sem moral, desonra.

·        Vil: que tem pouco valor, infame.

·        Cobardia: covardia.

·        Parasita: aquele que vive à custa dos outros.

·        Ideal: a perfeição.

·        Absurdo: sem sentido, contrário à razão e à lógica.

·        Oiço: ouço.

·        Grotesco: ridículo.

·        Titubear: vacilar, hesitar.

·        Mesquinho: pobre, mísero.

·        Literalmente: ao pé da letra, no exato sentido da palavra.

·        Enxovalhos: Injúrias, insultos.

·        Vileza: baixeza.

·        Moços de fretes: carregadores de malas.

02 – Copie a alternativa correta. Nos dois versos iniciais, o eu lírico:

a)   Realmente só tem conhecimentos que são campeões em tudo.

b)   Está ironizando; na verdade, os conhecimentos apenas contam vantagens.

c)   Assim como seus conhecimentos, só conhece, até hoje, vitórias.

03 – Por que o poeta fala de conhecidos e não de amigos?

      Porque a falta de sinceridade dessas pessoas o afasta delas. Pode-se inferir que ele não tem amigos.

04 – Como se apresenta o eu poético?

      Apresenta-se como um covarde, vil, sujo, um ser ridículo.

05 – Como você entendeu o verso: “Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo”?

      O poeta julga-se o único ser errado do mundo.

06 – Explique: “Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil.”?

      Todos calam sobre seus erros e só falam das suas virtudes e vitórias.

07 – Na verdade, o eu poético faz uma denúncia. Qual?

      Denuncia a hipocrisia e a falsidade das pessoas.

08 – Retire do poema um verso que demonstre ser dos outros e não do eu poético as afirmações negativas sobre sua personalidade (atente para a concordância verbal).

      “Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”

09 – Como você explicaria o título: Poema em linha reta?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: As pessoas que vivem “disfarçando” suas verdades têm um comportamento sinuoso, e o poeta, ao declarar suas fraquezas, demonstra-se honesto, reto.

10 – Você acredita que este poema transmite uma verdade?

      Resposta pessoal do aluno.

11 – Como o eu poético está se sentindo? Copie a alternativa correta:

a)   Irritado por ter tantas fraquezas de caráter.

b)   Revoltado pelas injustiças que sofre.

c)   Desconsolado porque ninguém tem condições de entende-lo.

d)   Desconsolado por obter só derrotas, enquanto outros conseguem muitas vitórias.

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