Política de Privacidade

domingo, 21 de junho de 2020

CRÔNICA: SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

CRÔNICA: Se não me falha a memória       

                       Fernando Sabino

        Memória boa tinha aquele velho. Correu os olhos pelo cartório onde eu era escrivão e veio direto à minha mesa:

        -- Sr. Escrivão, meus respeitos – fez um salamaleque: – Queria que o senhor me desse informações sobre um inventário.

        -- Às suas ordens - e retribuí o cumprimento: – Inventário de quem?

        -- Já lhe digo o nome do falecido. Minha memória ainda é das melhores – apesar de ter sofrido uma comoção cerebral há poucos dias, ainda não estou inteiramente bom. Espera aí, deixa eu ver... Sou advogado há mais de quarenta anos, não esqueço o nome de um constituinte, vivo ou morto. Hoje em dia... Benvindo!

        -- Como?

        -- O nome do falecido era Benvindo. Isto! Benvindo Lopes. Marido da minha cozinheira. Faleceu há pouco tempo. Ela já não está boa da cabeça e se eu não me lembrasse o nome do marido dela, quem é que haveria de lembrar? Levindo Lopes.

        -- O senhor disse Benvindo. – Eu disse Benvindo? Veja o senhor!

        -- É Levindo ou Benvindo?

        Ele ficou pensativo um instante:

        -- Benvindo seja – respondeu afinal, muito sério.

        Depois de verificar no fichário, expliquei-lhe que deveria trazer uma petição. O velho agradeceu e saiu, assegurando-me que sim, não esqueceria. Nem dez minutos haviam decorrido e tornou a surgir na porta:

        -- Sr. Escrivão, já que o senhor ainda há pouco foi tão amável, e sem querer abusar, posso lhe pedir uma informação? É sobre um inventário, esqueci de lhe dizer. Minha memória é muito boa, mas sofri há dias uma comoção cerebral...

        -- O senhor me disse - sorri-lhe, solícito: – Qual é o inventário, desta vez?

        -- Inventário de... de... Não vê o senhor? A minha cozinheira... O marido dela.

        -- Benvindo Lopes?

        -- Isso! Benvindo Lopes. Como é que o senhor sabe?

        -- O senhor já me tinha dito.

        -- Mas sim senhor! Vejo que também tem boa memória.

        Tornei a explicar-lhe a mesma coisa, isto é, que deveria trazer uma petição. Não esquecesse.

        -- Não, não me esqueço.

        Agradeceu e se afastou. Deteve-se a meio caminho da porta.

        -- Veja o senhor! Já ia me esquecendo é do motivo principal que me trouxe aqui: a minha cozinheira, que está mais velha do que eu, perdeu o marido há pouco tempo e estou cuidando do inventário dele...

        -- Sabe o nome do falecido? – perguntei, sem me alterar.

        -- Como não? Minha memória ainda funciona, para nomes então, principalmente. Ora, pois. É Levindo não sei o quê...

        -- Não será Benvindo?

        -- Isso! Benvindo... Benvindo Lopes, se não me engano.

        -- Este nome não me é estranho - limitei-me a murmurar.

Sabino, Fernando. In Para gostar de ler. Ed. Ática.

Entendendo a crônica:

01 – Em que pessoa o texto é narrado: primeira ou terceira?

      Em primeira pessoa, (narrador-personagem). “Correu os olhos pelo cartório onde eu era escrivão e veio direto a minha mesa”.

02 – O que o velho foi fazer no cartório?

      Saber informações sobre um inventário.

03 – Segundo o velho, o que havia acontecido a ele recentemente e que estava prejudicando seu raciocínio?

      Disse que sua memória ainda é das melhores – apesar de ter sofrido uma comoção cerebral há poucos dias, ainda não estava inteiramente bom.

04 – Quem era o falecido? Provavelmente, qual era seu nome?

      Era marido de sua cozinheira. Provavelmente Benvindo Lopes.

05 – As reticências que aparecem na fala do homem sugerem que ele era:

a)   Confuso.

b)   Esquecido.

c)   Gago.

d)   Indeciso.

06 – A atitude irônica do narrador ao se referir ao homem que entra no cartório revela-se no seguinte trecho:

a)   “Ele ficou pensativo um instante.”        

b)   “Memória boa tinha aquele velho.”

c)   “Tornei-lhe a explicar a mesma coisa.”

d)   “Perguntei, sem me alterar.”

07 – A fala final do narrador sugere que ele:

a)   Conformou-se com a situação.

b)   Esqueceu o nome do homem.

c)   Lembrou-se do inventário.

d)   Perdeu o fichário.

08 – O tema central dessa crônica é:

a)   Dificuldade de comunicação entre as pessoas.

b)   O inventário de Benvindo Lopes.

c)   A inconveniência da perda de memória.

d)   As doenças mentais.

09 – Os verbos CORREU, ESTOU e ESQUECERIA estão flexionados, respectivamente, nos seguintes tempos verbais do modo indicativo.

a)   Pretérito perfeito, pretérito perfeito e pretérito imperfeito.

b)   Pretérito imperfeito, pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito.

c)   Pretérito imperfeito, pretérito imperfeito e futuro do presente.

d)   Presente, pretérito perfeito e futuro do pretérito.

e)   Pretérito perfeito, presente e futuro do pretérito.

10 – Na fala do senhor, há uma pontuação utilizada para sugerir o quanto ele era esquecido. Assinale a opção que contém essa pontuação:

a)   As vírgulas.

b)   As reticências.

c)   Ponto de exclamação.

d)   O travessão.

e)   Ponto de interrogação.

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário