CRÔNICA: O som da época
Luís Fernando Veríssimo
Desconfio que ainda nos lembraremos
destes anos como a época em que vivemos com o acompanhamento dos alarmes de
carro. Os alarmes de carro são a trilha sonora do nosso tempo: o som da
paranoia justificada.
O alarme é o grito da nossa propriedade
de que alguém está querendo tirá-la de nós. É o som mais desesperado que um ser humano pode produzir — a palavra
"Socorro!" — mecanizado, padronizado e a todo volume. É
"socorro!" acrescentado ao vocabulário das coisas, como a buzina, a
campainha, a música de elevador, o "ping" que avisa que o assado está
pronto e todos os "pings" do computador.
Também é um som típico porque tenta
compensar a carência mais típica da época, a de segurança. Os carros pedem
socorro porque a sua defesa natural — polícia por perto, boas fechaduras ou
respeito de todo o mundo pelo que é dos outros — não funciona mais. Só lhes resta gritar.
Também é o som da época porque é o som
da intimidação. Sua função principal é espantar, e substituir todas as outras
formas de dissuasão pelo simples terror do barulho. O som da época em que os
decibéis substituíram a razão. Como os ouvidos são, de todos os canais dos
sentidos, os mais difíceis de proteger, foram os escolhidos pela
insensibilidade moderna para atacar nosso cérebro e apressar nossa
imbecilização. Pois são tempos literalmente do barulho.
O alarme contra roubo de carro também é
próprio da época porque frequentemente
não funciona. Ou funciona quando não deve. Ouvem-se tantos alarmes a qualquer
hora do dia ou da noite porque, talvez
influenciados pela paranoia generalizada, eles disparam sozinhos. Basta alguém
se aproximar do carro com uma cara suspeita e eles começam a berrar.
Decididamente,
o som do nosso tempo.
VERISSIMO, Luís
Fernando. O som da época.
Jornal Zero Hora,
Porto Alegre, 29 set. 2011.
Entendendo o texto:
01 – Assinale a única
alternativa correta em relação ao emprego de advérbios no texto.
a) O advérbio “mais” (ref. 15 e 16) expressa a
mesma circunstância nas duas ocorrências no texto.
b) Com o emprego do advérbio
“Só” (ref. 17), o autor
manifesta o sentido de insuficiência, isto é, o ato de gritar é considerado o
mínimo que alguém pode fazer diante da violação de seu patrimônio.
c) O advérbio de
tempo “frequentemente” (ref.
18), embora seja sintaticamente acessório, desempenha um papel importante no
texto, porque relativiza a afirmação de que o alarme contra roubo de carro não
funciona.
d) O advérbio “talvez” (ref. 19), por meio do
qual o autor faz uma afirmação não categórica, poderia ser posicionado no final
da frase em que se encontra, sem acarretar mudança de sentido.
e) O advérbio “Decididamente” (ref. 20), que
poderia ser substituído por “De fato” ou “Definitivamente”, exprime um menor
grau de certeza.
02 – Qual a finalidade do
texto?
Lembrar da
época em que os alarmes de carro são trilha sonora, o som da paranoia
justificada.
03 – Não se percebe no texto
registro da linguagem:
a)
Culta
b)
Regional
c)
Científica
04 – Por que os carros pedem socorro?
Porque a sua defesa natural – polícia por perto, boas
fechaduras ou respeito de todo o mundo pelo que é dos outros – não funciona
mais. Só lhes resta gritar.
05 – Qual a função do
alarme?
É espantar e substituir todas as outras
formas de dissuasão pelo simples terror do barulho.
06 – Pesquise o significado
da palavra dissuasão.
Induzir ou
instigar alguém a mudar de opinião ou de intenção; fazer com que essa pessoa
mude de ideia.
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