CRÔNICA: Nós vamos de trem
O homem veio da área de serviço com a
capanga de pescaria e sentou-se do outro lado da mesa, em frente do menino.
Antes de abri-la, deu uma boa bicada na batida de limão.
-- Oba – exclamou o menino, fechando o
caderno. – Nós vamos, pai?
-- Estou pensando, Bumba – disse o
homem.
-- Pompéu?
-- Pompéu é longe pra um dia só.
-- Paraopeba.
-- É outro rio.
-- Eu conheço?
-- Acho que não.
-- Que rio que é pai?
-- Você já ouviu falar no Rio das
Velhas?
O menino riu. A mulher entrava na casa.
-- Olha, mãe. Nós vamos no Rio das
Velhas.
-- Uai, querido – disse a mulher para o
homem – você resolveu?
-- Ainda não.
-- Ô, pai – o menino protestou.
-- Bumba, você já acabou o “para-casa”?
-- Tô no fim, mãe. Nós vamos, não
vamos, pai?
-- Ele agora só pensa nisso – disse a
mulher.
-- O que você acha, nega? – disse o
homem.
-- A padaria deve estar fechando –
lembrou a mulher.
-- Fala que nós vamos, pai – insistiu o
menino.
O homem sorriu. O menino deu um salto
da cadeira.
-- Aonde é que você pensa que vai?
-- Vou arrumar minhas coisas, mãe.
A mulher fez o menino sentar-se
novamente.
-- É amanhã, Bumba – disse o homem.
-- Vamos hoje, pai.
-- Está vendo? – disse a mulher.
-- O trem sai de madrugada – disse o
homem.
-- Trem – exaltou-se o menino. – Mãe,
nós vamos de trem.
-- Bumba não vai gostar – observou a
mulher.
-- Eu sei – disse o homem.
-- Pai – disse o menino – por que mamãe
tá falando que eu não vou gostar?
-- Lá não temais peixe – disse a
mulher.
-- No duro, pai?
-- Parece que sim.
-- Então vamos no Areião – propôs o
menino.
-- Bumba – disse a mulher – seu pai
está querendo ir num lugar onde ele ia com o seu avô. Seu pai era do seu
tamanho e era lá que eles iam.
-- Você pegava peixe, pai?
-- Todo mundo pegava.
-- Mas do que em Pompéu?
-- Quase igual. E tinha a vantagem de
ser perto. E a gente ia de trem. Saía domingo de madrugada e voltava de
noitinha. A gente não gastava quase nada e trazia uma porção de peixe no
cambão.
-- O que é cambão, pai?
-- Você sabe.
-- Querido – interrompeu a mulher –, se
vocês vão mesmo, Bumba precisa dormir mais cedo.
-- Tem razão – disse o homem. – Vamos,
filho, acaba logo com isso.
-- Eu vou na padaria – disse a mulher
–, e quando voltar quero te ver na cama.
A mulher dirigiu-se para a área de
serviço e logo em seguida a sineta da porta repercutiu na casa em silêncio.
-- Cambão, pai – cobrou o menino.
O
homem virou o resto da batida e acendeu um cigarro:
-- É uma varinha que a gente cortava no
mato pra enfiar os peixes.
-- Mamãe falou que lá não tem mais
peixe. Por quê, hem, pai?
-- Você não vai entender – disse o
homem.
-- Eu entendo.
-- Então termina primeiro o seu dever.
-- Já acabei.
-- Você sabe o que é poluição?
-- Saco fácil, pai.
-- Vamos ver.
-- Poluição é fumaça.
O homem riu.
-- Não é, pai?
-- A professora falou isso?
-- Falou.
-- O que mais?
-- Ela falou que a fumaça tá
envenenando a gente. Que venenava peixe ela não falou não.
-- Ela deve ter esquecido.
-- Como é que a fumaça entra dentro
d’água?
-- Amanhã eu explico.
-- Eu queria saber, pai.
-- Primeiro guarda o caderno, lava os
pés e cai na cama. Se sua mãe te pegar acordado, adeus pescaria.
O menino levantou-se correndo.
O homem ouviu durante algum tempo o ruído
da água e do chuveiro elétrico. Depois houve silêncio, e o menino chamou:
-- Pai.
Encontrou-o debaixo das cobertas.
Sentou-se na cama e tentou explicar o que está sendo feito para matar o peixes
e acabar com os próprios rios. Falou das indústrias que jogam veneno nos rios e
o que acontece com os peixes. Falou da derrubada de matas e como isso é bom
para secar as nascentes e os córregos que abastecem os rios. O homem foi
falando, como se estivesse falando sozinho, o menino dormiu logo.
Os rios morrem de
sede. Wander Piroli.
Fonte: Livro – Encontro
e Reencontro em Língua Portuguesa – 5ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna,
2005 – p.152-5.
Entendendo o texto:
01 – “-- Oba – exclamou o
menino, fechando o caderno. – Nós vamos, pai?”
a)
Por que o menino achou que ele e o pai iam
pescar?
Porque o pai abriu a capanga de pescaria.
b)
O que podemos concluir dessa sequência?
Que, às vezes, a comunicação é possível sem palavras.
02 – O texto “Nós vamos de
trem, exaltou-se o menino” é uma narração. O narrador é personagem? Justifique
sua resposta.
Não. O texto foi
narrado em terceira pessoa.
03 – Por que o pai do menino
queria leva-lo para o Rio das Velhas se lá não havia mais peixes?
Para matar a
saudade do passado.
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