Conto: Eu nunca vou te deixar - Fragmento
Pedro
Bandeira
Fazia frio naquela noite. Muito frio.
Debaixo de um viaduto qualquer, num
cantinho mais escuro, Beto e Vô Manduca aconchegavam-se em meio ao monte de
papelões que os dois haviam empilhado dentro da carrocinha, depois de todo um
dia a empurrá-la pelos quarteirões dos depósitos e dos armazéns, o melhor lugar
para encontrar boas pilhas de papelão.
Logo que amanhecesse, aquilo tudo seria
vendido a alguma fábrica de papel e eles teriam dinheiro para sobreviver por
mais um dia. Mais um dia para empurrar novamente a carrocinha, catando mais
papelão para vender e sobreviver por mais um dia, para catar mais papel...
No meio do papelão amontoado na
carrocinha, o frio quase não penetrava, e Beto começou a adormecer, ouvindo os
mesmos sons de todas as noites, o barulho dos carros que passavam, o tempo
todo, ao lado e em cima do viaduto sob o qual estava estacionada a carrocinha.
Em noites como aquela, costumava haver mais um hóspede dentro da
carrocinha: um gato. Um gato qualquer, pobre e sujo como eles. Qualquer gato fosco, de indefinida cor e sem nome, que
às vezes aparecia para filar uns restos do jantar e acabava pegando uma carona
no meio dos trapos, dos papelões e dos dois seres humanos que o acolhiam.
Quase todas as noites, Beto procurava
arranjar um gato como aquele.
De manhã ele sumiria, como sempre somem os gatos sem dono. Mas pelo menos
durante a noite teria sido uma companhia para ele. Um pedaço vivo, magrelo,
quente. Um brinquedo bom de acariciar enquanto o sono não vinha.
Muitas vezes, principalmente quando
fazia frio, abraçado com o gato vagabundo que acolhera, Beto sonhava com um
gato só dele:
– Sabe, vô Manduca? Eu queria um gato
que ficasse com a gente. Um gato que aprendesse a me reconhecer. Que todos os
dias comesse na minha mão. Que olhasse para mim quando eu o chamasse pelo nome.
O nome que eu mesmo daria para ele...
Vô Manduca sorria seu sorriso sem
dentes, acariciava a carapinha do menino e mostrava sua sabedoria das ruas:
– Durma, Beto. Gatos vagabundos não
faltam. Enquanto você tiver algum resto de comida para oferecer, sempre
encontrará um gato para comer na sua mão.
[...]
Pedro Bandeira. Eu
nunca vou te deixar. In: Byron Stuart Gottfried. Sete faces do destino. São
Paulo, Moderna, 1996.
Fonte: Livro – Ler,
entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p. 77.
Entendendo o texto:
01 – Releia com atenção as
frases em que aparecem as palavras destacadas. Responda as questões abaixo:
a)
O pronome demonstrativo aquela retoma qual ideia exposta anteriormente pelo
narrador?
O pronome refere-se à noite fria, com barulho de carros que passavam
próximo ao viaduto sob o qual Beto dormia em uma carrocinha cheia de papelão.
b)
O pronome pessoal eles refere-se a quem?
Refere-se ao Beto e ao vô Manduca.
c)
O pronome demonstrativo aquele e os pronomes pessoais ele e o
referem-se a um ser já mencionado no texto. Qual?
Esses pronomes referem-se ao gato.
Debata sobre os recursos empregados por Castro alves e os utilizados por Jorge lima para sensibilizar o leitor em relação aos horrores da escravidão
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