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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

TEXTO: O HOMEM NO TETO - JULES FEIFFER - COM GABARITO

Texto: O HOMEM NO TETO
         
    Jules Feiffer

        Não me compreendam mal quando falo do Pai. Não é que ele não gostasse do Jimmy, simplesmente não tinha nenhuma pista para saber qual era a dele. Queria um filho com quem pudesse discutir sobre médias de rebates e percentagens de arremesso. Em vez do quê, tinha Jimmy. Fez o melhor que pôde, nas condições disponíveis. Quer dizer, ele não deixava de ser um pai, não deixava de pagar pela comida e pelas roupas de Jimmy, dar presentes de aniversário, presentes de Natal. Era um bom pai, visto por este ângulo. E sempre achava para dizer a Jimmy coisas educativas do tipo: “Por que você tem que deixar seus desenhos todos espalhados aí pelo chão?” ou: “Dá para abaixar essa televisão para que ela fique apenas berrando?”. Às vezes chegava a ser um disciplinador ofensivo, até.
        Mas Jimmy não achava que o Pai estivesse a fim de ofendê-lo de caso pensado. Simplesmente ele não sabia de que outra maneira tratar um filho que ficava desenhando. Os desenhos que seu pai se queixava de ver todos espalhados pelo chão eram deixados assim por Jimmy de propósito. Jimmy esperava que o Pai topasse de repente com eles como se estivessem ali por acaso, pegasse a primeira página e emendasse a leitura das dez ou quinze páginas seguintes, pasmo, estupefato. “Não posso acreditar que um garoto de dez anos e meio tenha sido capaz de desenhar isto!” eram as palavras que Jimmy imaginava o Pai dizendo. Palavras que, entretanto, ele nunca disse.
        O seu pai que era Indiana Jones teria dito essas palavras. O seu pai que era Indiana Jones estava sempre a encorajá-lo.
        E Jimmy, que não se chamava Jimmy na história por ele inventada, mas Bob, pulou no vazio…
        E o seu pai que era Indiana Jones aparou-o na queda.
        […]
        Um dia Jimmy surgiu do porão (seu lugar secreto para desenhar quadrinhos) e deu com Lisi mostrando algumas produções dele, daquelas mais antigas, realmente antigas, ao Pai. Desenhos que ele tinha feito mais de um mês atrás e de que se envergonhava. Lisi apontou para uma figura. “Este é você”, disse. E o Pai respondeu: “Este não sou eu”, e Lisi disse: “É sim, e saiu igualzinho”.
        Bem, talvez tivesse saído igualzinho, talvez não, mas era o tipo da tolice dizer isso ao Pai. Principalmente quando Lisi estava querendo provar a ele o que ela e a Mãe sabiam, mas o Pai não: que Jimmy era um artista de verdade. Não era assim que se devia conduzir a coisa. O Pai olhou meio atravessado para o quadrinho de Jimmy. Ele sabia a aparência que tinha, e decididamente não tinha nada daquele pateta metido numa jaqueta de safári. “Meu nariz não tem esse tamanhão.” O Pai, com desdém, soltou um riso que saiu justamente pelo nariz. “Cadê meu queixo?”
        Jimmy estava arrasado. […]
        Era um erro contar o que quer que fosse para Lisi. Não era para ela saber a respeito de Indiana Jones. Não era para ninguém saber exceto o Pai, o Pai que iria descobrir tudo espontaneamente quando pegasse os desenhos e dissesse: “Ei, mas o que é isso? Este cara é igualzinho a mim! Ora vejam só, e eu sou o Indiana Jones!”.
        Lisi, no entanto, estragou tudo, porque ninguém se acha parecido com um desenho quando é outra pessoa que aponta essa semelhança. A semelhança tem que ser notada pelo próprio. Esta era uma das regras de Jimmy. Jimmy teve vontade de matar Lisi.
        Indiana Jones estava liquidado como personagem de histórias em quadrinhos. Isso tinha ficado absolutamente claro. Ele havia sido um bom herói, talvez mesmo um grande herói. […]
        Mas Lisi entregara Jimmy. O Pai deixou sair um riso pelo nariz, de puro desdém. Um riso pelo nariz! Jimmy repassou a cena em sua cabeça uma dezena de vezes, e de cada vez era como se morresse. Indiana não podia continuar. Tinha que ser substituído. Mas quem poderia substituir Indiana Jones?
        Jimmy ficou remoendo o assunto nas duas tardes que se seguiram. Foi mais rude do que de costume com sua irmã menor, Susu.
        […]
        Tentou de tudo, nada funcionava. Foi se sentindo cada vez pior, minúsculo e inútil. Chateado e sem nada melhor para fazer, Jimmy desenhou a si mesmo minúsculo e inútil. Uma lâmpada acendeu- se na sua cabeça como acontece nos quadrinhos quando um personagem tem uma ideia. Acrescentou uma máscara negra e uma capa ao seu personagem minúsculo e inútil. O resultado deixava a desejar. Transformou a máscara num capuz. Olhou para o personagem que acabava de criar e ficou arrepiado. Inventara um herói com potencialidade de vir a ser o maior de todos saídos do seu traço. Tão minúsculo e inútil na aparência, faria os vilões acreditarem que poderiam matá-lo facilmente. Poderiam pegá-lo, torturá-lo, passar com carros em cima dele, até com tanques. Mas ninguém, ninguém seria capaz de derrotar Mini-man!


Jules Feiffer. O homem no teto. São Paulo: Companhia das Letras,1995. p.16-23.
Fonte: Livro- PORTUGUÊS: Linguagens – Willian R. Cereja/Thereza C. Magalhães – 6ª Série – Atual Editora -2002 – p. 33-6.
Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Desdém: desprezo.
·        Estupefato: muito surpreso, pasmo.
·        Rebate e arremesso: jogadas do beisebol.

02 – O texto apresenta um problema de relacionamento entre Jimmy, protagonista e narrador dessa história, e seu pai. Um não corresponde à expectativa do outro.
a)   Segundo o texto, que tipo de garoto o pai de Jimmy gostaria de ter como filho?
Um garoto que se interessasse por esportes.

b)   Jimmy não tinha as qualidades esperadas pelo pai, mas tinha outras, para ele até mais importantes, que gostaria que o pai percebesse e valorizasse. Quais são elas?
A capacidade de desenhar muito bem, o dom de ser artista.

03 – O narrador afirma: “[…] ele não deixava de ser um pai, não deixava de pagar pela comida e pelas roupas […]. Era um bom pai, visto por este ângulo”. Esse trecho permite supor que, para Jimmy, existiam outros ângulos pelos quais a figura paterna poderia ser vista.
a)   De que ponto de vista o pai de Jimmy desempenha bem seu papel?
Do material; o papel de pai responsável pelas necessidades materiais do filho.

b)   De que ponto de vista o pai de Jimmy falha em seu papel?
Do afetivo; o papel de pai que participa dos interesses do filho.

04 – Apesar desses desencontros, Jimmy ama o pai e chega a colocá-lo como herói em suas histórias em quadrinhos. Assim, o menino tem em mente duas figuras paternas: o pai real, que é frio e indiferente ao filho, e o pai ideal, o Indiana Jones de suas histórias em quadrinhos. Observe os quadrinhos que o menino desenhou.




a)   Que tipo de sentimento o pai Indiana Jones desperta no filho Bob?
Segurança, confiança.

b)   Que diferenças há entre o pai Indiana Jones e o pai real de Jimmy?
O pai de Bob é participante e estimula o filho a confiar nele; o pai de Jimmy, ao contrário, despreza os desenhos do filho e, assim, tira-lhe a confiança.

05 – Lisi, a irmã de Jimmy, inocentemente mostra os desenhos do irmão ao pai. O que Jimmy mais desejava era que o pai os visse com carinho, mas o garoto não fica feliz.
a)   Com que o pai mais se preocupa?
Apenas com a semelhança física entre ele e Indiana Jones.

b)   Apesar de saber que é super-herói de uma história em quadrinhos feita por seu próprio filho, o pai deixa de reconhecer o mais importante: o significado que ele tem para o garoto. Qual é esse significado?
O pai representa um herói para o filho, e isso é uma demonstração de amor e carinho, própria da idade de Jimmy.

06 – Com a decepção que teve, Jimmy fica arrasado. Indiana Jones está morto e é preciso começar tudo outra vez, de forma diferente, mas ele se sente sem forças. Releia o último parágrafo do texto e responda:
a)   Jimmy faz um desenho de si mesmo. Como ele se retrata?
Minúsculo e inútil.

b)   Que relação tem a forma como ele se retrata com a reação que o pai teve diante do seu desenho?
Foi assim que Jimmy se sentiu perante o comportamento do pai: pequeno, inútil, incapaz de fazer as coisas direito.

07 – Projetando sua própria fragilidade no papel, Jimmy cria um novo herói, Mini-man, que possui semelhanças com seu criador.
a)   O que quer dizer Mini-man em português?
Mini-homem.

b)   Que semelhanças físicas há entre os dois?
Jimmy se sente diminuído, tão minúsculo quanto o herói.

c)   Mini-man não aparenta, mas possui uma grande força interior. Você acha que isso também ocorre no caso de Jimmy? Justifique sua resposta.
Sim, porque Jimmy foi capaz de superar a decepção com a atitude do pai e criou uma nova personagem, mantendo-se como artista.

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