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terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

CRÔNICA: O GIGOLÔ DAS PALAVRAS - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Crônica: O gigolô das palavras
                  
 Luís Fernando Veríssimo

        Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava um gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa (“Culpa da revisão! Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente. 
        Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo, mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, comover… Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela gravidade sombria que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação total pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele sozinho não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.
        Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas — isto eu disse — vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Se bem que não tenha também o mínimo escrúpulo de roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
        Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.

            Luís Fernando Veríssimo. O gigolô das palavras. Porto Alegre: LP&M, 1982.
Entendendo a crônica:
01 – Qual é a ideia do escritor sobre a gramática?
      Livro de regras sobre o uso do idioma.

02 – Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. Que regras você consideraria básicas? Quais seriam as dispensáveis?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: As regras que evitam os “vexames” podem não ser iguais para todos. Compare essas regras com “regras de etiqueta”, por exemplo, variáveis de acordo com a cultura, a região, o período histórico.

03 – Analise a analogia original que Luís Fernando Veríssimo estabelece entre sua relação com as palavras e a relação de um gigolô com seu “plantel”. Por que ele se considera um gigolô das palavras?
      Porque, segundo o cronista, ele não respeita a “intimidade” gramatical de cada uma delas. As palavras funcionam ao bel-prazer do escritor.

04 – De o significado das palavras abaixo:
·        Necrólogos: é aquele que realiza elogios sobre alguém falecido.
·        Cáften, gigolô: é aquele que vive da prostituição.
·        Calão: é um linguajar grosseiro.
·        Plantel: é um grupo de profissionais.
·        Lexicógrafo: é um dicionarista.
·        Etimologista: é aquele que estuda a origem das palavras.

05 – Leia, atentamente, as seguintes proposições acerca da crônica “O Gigolô das palavras”:
I – Luís Fernando Veríssimo considera-se um “gigolô das palavras” em sua arte de escrever, o que permite ao leitor inferir pelo contexto que é preciso que haja uma relação íntima e, ao mesmo tempo, respeitosa com as palavras.
II – A expressão “na boca do povo”, utilizada por Veríssimo, é uma gíria, atribuída a palavras cujo uso tornou-se frequente em situações de comunicação informal.
III – De acordo com Veríssimo, a gramática é o esqueleto da língua, e, portanto, quando tratada isoladamente, torna-se elemento dispensável a uma comunicação eficaz.
IV – Segundo Veríssimo, a linguagem deve ser um meio de comunicação, não advindo de padrões gramaticais atrelados em nossa mente, e sim da forma como interagimos e nos entendemos através de nosso próprio linguajar.
V – Pelo contexto de “O Gigolô das palavras”, infere-se que o domínio das regras e normas da gramática, pelo ponto de vista do autor deste texto, é indispensável a um profissional, como ele, da área da comunicação oral ou escrita.
Marque a alternativa CORRETA:
a)   Apenas I, II e IV estão corretas.
b)   Apenas I, IV e V estão corretas.
c)   Apenas II, III, e IV estão corretas.
d)   Apenas III, IV e V estão corretas.
e)   Apenas II, III e V estão corretas.

06 – Ao expressar, em diversos trechos do texto “O Gigolô das palavras”, sua concepção em torno do que seja LÍNGUA e GRAMÁTICA, Luís Fernando Veríssimo empregou as palavras abaixo em destaque para referir-se à gramática normativa, EXCETO em:
a)   “A sintaxe é   uma   questão   de   uso, não   de   princípios.   Escrever   bem   é   escrever   claro, não necessariamente certo.”
b)   “... minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português.”
c)   “Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel.”
d)   “Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua.”
e)   “... a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria.”




2 comentários:

  1. "Leis da língua" não está referindo-se à gramática normativa?

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  2. Na questão 05 a afirmativa I e V não estão corretas.
    Logo, a alternativa correta é a C

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