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quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

CRÔNICA: LANTERNA MÁGICA - IVAN ÂNGELO - COM GABARITO

CRÔNICA: Lanterna Mágica
                                         Ivan Ângelo


        Vi na televisão um menininho pobre de uma creche uivando de alegria ao escarafunchar um engradado com os presentes do Dia da Criança. Eram pequenas tralhas de plástico e caixas de ovos coloridas, vazias. O pouquíssimo era motivo para incontida e ruidosa alegria. A privação é a medida do desejo de cada um, na vida.
        Houve um tempo em que as oportunidades de presente resumiam-se a duas: aniversário e Natal. Hoje, na classe média, o presente é um evento mensal; em algumas famílias, semanal. Cada voltinha num shopping resulta num pequeno agrado. Não se deseja mais com aquela gana, porque sabe-se que alguma coisa virá. O desejo dos meninos, da classe média para cima, é impreciso, vago, incapaz de provocar uivos de alegria quando satisfeito.
        Já vivi minhas privações. Nunca pude ter bicicleta, por exemplo, nem bola de futebol, nem espingarda de rolha. Tivemos, eu e meus irmãos mais velhos, simulacros: revolverzinho de espoleta, bola de borracha, triciclo comunitário. Bolas de borracha, sabe-se, não formam craques. Triciclos não permitem ousadias ou temeridades. Talvez por isso, sem traquejo, eu tenha sido um perna de pau e um tímido. Quem sabe.
        Espingarda de rolha pude usar, por empréstimo, a de um primo, quando passava férias na casa de meu avô. Fiquei bom de tiro. Comecei acertando caixinhas de fósforos, acabei acertando moscas. A rolha era leve demais, desviava-se, então aprendi o truque de enfiar nela um prego curto, para dar peso e rumo. Bola de couro só mais tarde, no caminho da fazenda de seu Juca, hoje Cidade Nova, em Belo Horizonte.
        Entretanto, o que se tornou para mim algo mais perto de maravilha foi uma lanterna de pilhas. Nunca tinha visto uma, a não ser no cinema e nas histórias em quadrinhos. Não sei, talvez considerasse aquele objeto coisa de ficção científica, não da realidade. Quando vi uma, manipulada por meu primo mais velho, já homem, o Zezé, na mesma casa de meu avô, foi um deslumbramento. Brilhava, niquelada, era uma daquelas de quatro pilhas. Deixar que eu a tomasse nas mãos, e acendesse, e dirigisse a luz para onde quisesse foi mágico. A partir desse momento nada superou, nos meus sete anos, a beleza daquele fecho de luz. E o poder. Mesmo quando meu primo não estava eu me apoderava da lanterna e quixotava, cavaleiro andante.
        Deitado, à noite, com a lanterna dissipava fantasmas. Nos cantos, sombras revelam-se objetos ou cavidades. Uma súbita lagartixa era imobilizada no teto de taquaras e meditava talvez sobre qual seria a seguir a sua ação mais prudente. O pernilongo era localizado na parede, motores parados de repente.
        Uma coisa era outra coisa na luz que a si mesma se desenhava em cone.
        A neblina perdia sua amplidão impalpável, aquele nada que não se podia não ver. Aquela coisa comedora de contornos. A lanterna cortava uma talhada de neblina, via-se claramente do que ela não era feita. A luz não ia além, mas até onde ia desnudava a coisa, e via-se que era móvel.
        A chuva noturna não era só, não era mais, barulho nas telhas, nas folhas. No facho de luz da lanterna as gotas de chuva eram cintilações, estrelas cadentes, vaga-lumes.
        A coruja não se atrevia a piar: emudecia e olhava de perfil.
        Bichinhos de asa – se o canudo de luz se demorava – vinham dançar, perdiam aquela chatice deles, aquela mania de pousar na gente.
        O sapo esbarrava seu passeio noturno, como se dissesse epa, que sol é esse?
        O poço, mesmo de dia, perdia o mistério. A luz furava a água cristalina e mostrava o fundo, alguma folha, paz. Uma pedrinha resvalava e a paz lá embaixo se multipartia em tremulações luminosas, vibrações.
        Partes do corpo, no escuro, atravessadas pela luz, mostravam um vermelho de abóbora. Nos dedos era possível pressentir o esqueleto. Na bochecha, frente ao espelho, viam-se veiazinhas.
        O céu negro da noite engolia a luz, era o único a vencê-la.

Ivan Ângelo. O comprador de aventuras e outras crônicas. São Paulo:
Ática, 2000.v. 8. p. 36-8. (Col. Para Gostar de Ler).
Entendendo o texto:
01 – O texto Lanterna mágica pode ser considerado um relato pessoal. Justifique essa afirmação.
      O texto pode ser considerado um relato pessoal pois nele o narrador conta, de maneira bastante expressiva, suas experiências com alguns objetos ou presentes recebidos na infância e, sobretudo, com uma lanterna que tomou emprestada de seu primo.

02 – O ponto de partida de texto é uma cena à qual o narrador assistiu na TV.
a)   Que cena foi essa?
Uma criança pobre recebendo, com intensa alegria, “tralhas de plástico e caixas de ovos coloridas, vazias.”

b)   Depois de assistir a essa cena, o narrador faz algumas reflexões a respeito da relação das crianças de diferentes classes sociais com os presentes que ganham. Resuma, em poucas palavras, o conteúdo dessas reflexões.
O narrador diz que “a privação é a medida do desejo de cada um”: que as crianças “da classe média para cima”, por ganhar muitos presentes, não dão valor a eles como as crianças mais pobres.

c)   Você concorda com o narrador? Explique.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Os malefícios do consumismo.

03 – No terceiro e no quarto parágrafos, o narrador conta suas experiências com brinquedos na infância. Assinale a(s) alternativa (s) que se adéquam ao texto:
(   ) O narrador era um menino mimado, que ganhava todos os presentes que desejava.
(X) Provavelmente o narrador não menciona jogos eletrônicos porque, na época em que ele era criança, eles praticamente não existiam.
(   ) O narrador era filho único.
(   ) O narrador tornou-se um bom jogador de futebol praticando com uma bola de borracha.
(X) Na época em que o narrador era criança, revolverzinhos de espoleta ainda não eram proibidos por lei, apesar de perigosos.
(   ) Todas as lembranças do narrador se passam em sua casa.

04 – A partir do quinto parágrafo, o narrador passa a contar suas lembranças e impressões a respeito de um objeto em particular: uma lanterna.
a)   Transcreva um trecho em que o narrador revela que a lanterna foi o “brinquedo” que mais o fascinou na infância.
“[...] O que se tornou par mim algo mais perto de uma maravilha foi uma lanterna de pilhas.”
“A partir desse momento nada superou, nos meus sete anos, a beleza do meu facho de luz.”

b)   O narrador diz que, até pegar na mãos a lanterna, “talvez considerasse aquele objeto coisa de ficção cientifica, não da realidade”. O que você acha que ele quis dizer com isso? Explique nas linhas abaixo.
A lanterna devia parecer, aos olhos de um menino de 7 anos, uma “máquina” possante e misteriosa, embora fosse, na verdade, um objeto bastante simples.

05 – Em certa passagem do texto, o narrador diz que a lanterna “dissipava fantasmas”. Levando isso em conta, responda:
a)   Segundo o texto, o que acontecia com as sombras, nos cantos, à noite?
“Revelavam-se objetos ou cavidades.”

b)   E o “mistério” do poço, o que mostrava, ao ser iluminado pela lanterna?
A “água cristalina”, “o fundo, alguma folha, paz”.

c)   E quanto às partes do corpo do narrador, como elas “se transformavam” devido ao facho de luz?
Quando “atravessadas pela luz, mostravam um vermelho de abóbora”; “nos dedos era possível pressentir o esqueleto”; a bochecha revelava suas “veiazinhas”.

06 – Complete indicando como cada animal reagia ao ser iluminado pela luz da lanterna:
·        Lagartixa: ficava imóvel.
·        Pernilongo: parava os “motores”.
·        Coruja: emudecia e olhava de perfil.
·        Bichinhos de asa: dançavam; perdiam a mania de pousar nas pessoas.
·        Sapo: parava seu passeio noturno.

07 – A luz da lanterna só era vencida por um elemento da natureza. Que elemento era esse?
      O céu negro da noite, que “engolia” a luz da lanterna.

3 comentários:

  1. q história linda amei,e obrigada pela as respostas ksksksks rsrsrsrs😘😘😘😘😍😍😍😍😍😄😄😄😄😄😁😁😁😁😁😀😀😀😀😀😃😃😃😃

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  2. Cada resposta é um texto não dá pra abreviar nada?

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