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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

CRÔNICA: A CASA DAS ILUSÕES PERDIDAS - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

Crônica: A casa das ilusões perdidas
                                           
 MOACYR SCLIAR

        Quando ela anunciou que estava grávida, a primeira reação dele foi de desagrado, logo seguida de franca irritação. Que coisa, disse, você não podia tomar cuidado, engravidar logo agora que estou desempregado, numa pior, você não tem cabeça mesmo, não sei o que vi em você, já deveria ter trocado de mulher havia muito tempo. Ela, naturalmente, chorou, chorou muito. Disse que ele tinha razão, que aquilo fora uma irresponsabilidade, mas mesmo assim queria ter o filho. Sempre sonhara com isso, com a maternidade -e agora que o sonho estava prestes a se realizar, não deixaria que ele se desfizesse.
        --Por favor, suplicou. --Eu faço tudo que você quiser, eu dou um jeito de arranjar trabalho, eu sustento o nenê, mas, por favor, me deixe ser mãe.
        Ele disse que ia pensar. Ao fim de três dias daria a resposta. E sumiu.
        Voltou, não ao cabo de três dias, mas de três meses. Àquela altura ela já estava com uma barriga avantajada que tornava impossível o aborto; ao vê-lo, esqueceu a desconsideração, esqueceu tudo - estava certo de que ele vinha com a mensagem que tanto esperava, você pode ter o nenê, eu ajudo você a criá-lo.
        Estava errada. Ele vinha, sim, dizer-lhe que podia dar à luz a criança; mas não para ficar com ela. Já tinha feito o negócio: trocariam o recém-nascido por uma casa. A casa que não tinham e que agora seria o lar deles, o lar onde – agora ele prometia – ficariam para sempre.
        Ela ficou desesperada. De novo caiu em prantos, de novo implorou. Ele se mostrou irredutível. E ela, como sempre, cedeu.
        Entregue a criança, foram visitar a casa. Era uma modesta construção num bairro popular. Mas era o lar prometido e ela ficou extasiada. Ali mesmo, contudo, fez uma declaração:
        -- Nós vamos encher esta casa de crianças. Quatro ou cinco, no mínimo.
        Ele não disse nada, mas ficou pensando. Quatro ou cinco casas, aquilo era um bom começo.
                                      Moacyr Scliar. Folha de São Paulo, 14/6/1999.

Entendendo a crônica:
01 – No texto, a ideia de ilusões perdidas diz respeito à:
a)   Realização da maternidade que, na verdade, não atinge a sua plenitude.
b)   Desolação da jovem mãe ao ver que a casa recebida não era luxuosa como concebera.
c)   Alegria da mãe com a casa e à superação da tristeza pela doação da criança.
d)   Melancolia da mãe por programar todas as crianças que teria para trocar por casas.
e)   Certeza do homem de que a mulher não formará com ele um lar na casa nova.

02 – O texto pertence ao gênero:
a)   Notícia.
b)   Crônica.
c)   Poema.
d)   Conto.

03 – Em “Quando ela anunciou que estava grávida” [...], a palavra grifada na frase estabelece relação de:
a)   Causa.
b)   Tempo.
c)   Oposição.
d)   Adição.

04 – O casal age de modo contrário aos sentimentos comuns de justiça e dignidade. No contexto da narrativa, tais comportamentos explicam-se:
a)   Pela falta de amor que há entre a mulher e o companheiro, fazendo com que tudo que os rodeia se torne um negócio vantajoso.
b)   Pelo ódio exagerado que a mulher sente do companheiro e pela forma displicente e pouco amável como ele a vê.
c)   Pelo amor exagerado que a mulher sente e pela confusão de sentimentos que o companheiro vive na descoberta desse amor.
d)   Pela submissão exagerada da mulher ao companheiro e pela forma mesquinha e interesseira como ele resolve as coisas.

05 – As duas frases finais do texto deixam evidente que ter mais filhos:
a)   É uma possibilidade pouco atraente para o casal que, por hora, já conquistou algo à custo de sofrimento.
b)   Será para o casal uma forma de alcançar a felicidade, já que a mulher e seu companheiro poderão ter a casa cheia de crianças.
c)   Pode tornar-lucrativo na ótica do companheiro, embora a mulher ainda veja isso com olhos sonhadores.
d)   Se torna uma forma de compensar o episódio pouco feliz da doação do primeiro filho do casal.



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