PEÇA DE TEATRO: O judas em sábado de aleluia
Cena IV
FAUSTINO – Maricota...
MARICOTA – Fui bem
desgraçada em dar meu coração a um ingrato!
FAUSTINO, enternecido –
Maricota!
MARICOTA – Se eu pudesse
arrancar do peito esta paixão...
FAUSTINO – Maricota, eis-me
a teus pés! (Ajoelha-se, e enquanto fala, Maricota ri-se, sem que ele veja.)
Necessito de toda a tua bondade para ser perdoado!
MARICOTA – Deixe-me.
FAUSTINO – Queres que morra
a teus pés? (Batem palmas na escada.)
MARICOTA, assustada – Quem
será? (Faustino conserva-se de joelhos.)
CAPITÃO, na escada, dentro –
Dá licença?
MARICOTA, assustada – É o
capitão Ambrósio! (Para Faustino:) Vá-se embora, vá-se embora! (Vai para
dentro, correndo.)
FAUSTINO levanta-se e vai
atrás dela – Então, o que é isso?... Deixou-me!... Foi-se!... E esta!... Que
farei?... (Anda ao redor da sala como procurando aonde esconder-se.) Não sei
onde esconder-me... (Vai espiar à porta, e daí corre para a janela.) Voltou, e
está conversando à porta com um sujeito; mas decerto não deixa de entrar. Em
boas estou metido, e daqui não... (Corre para o judas, despe-lhe a casaca e o
colete, tira-lhe as botas e o chapéu e arranca-lhe os bigodes.) O que me pilhar
tem talento, porque mais tenho eu. (Veste o colete e casaca sobre a sua própria
roupa, calça as botas, põe o chapéu armado e arranja os bigodes. Feito isso,
esconde o corpo do judas em uma das gavetas da cômoda, onde também esconde o
próprio chapéu, e toma o lugar do judas.) Agora pode vir... (Batem.) Ei-lo!
(Batem.) Aí vem!
CENA V
CAPITÃO e FAUSTINO, no lugar
do judas.
CAPITÃO, entrando – Não há
ninguém em casa? Ou estão todos surdos? Já bati palmas duas vezes, e nada de
novo! (Tira a barretina e a põe sobre a mesa, e assenta-se na cadeira.)
Esperarei. (Olha ao redor de si, dá com os olhos no judas; supõe à primeira
vista ser um homem, e levanta-se rapidamente.) Quem é? (Reconhecendo que é um
judas:) Ora, ora, ora! E não me enganei com o judas, pensando que era um 8 homem?
Oh, oh, está um figurão! E o mais é que está tão bem feito que parece vivo.
(Assenta-se.) Aonde está esta gente? Preciso falar com o cabo José Pimenta e...
ver a filha. Não seria mau que ele [não] estivesse em casa; desejo ter certas
explicações com a Maricota. (Aqui aparece na porta da direita Maricota, que
espreita, receosa. O capitão a vê e levanta-se.) Ah!
CENA VI
MARICOTA e os mesmos.
MARICOTA, entrando, sempre
receosa e olhando para todos os lados – Sr. capitão!
CAPITÃO, chegando-se para
ela – Desejei ver-te, e a fortuna ajudou-me. (Pegando-lhe na mão:) Mas que
tens? Estás receosa! Teu pai?
MARICOTA, receosa – Saiu.
CAPITÃO – Que temes então?
MARICOTA adianta-se e como
que procura um objeto com os olhos pelos cantos da sala – Eu? Nada. Estou procurando
o gato...
CAPITÃO, largando-lhe a mão
– O gato? E por causa do gato recebe-me com esta indiferença?
MARICOTA, à parte – Saiu.
(Para o capitão:) Ainda em cima zanga-se comigo! Por sua causa é que eu estou
nestes sustos.
CAPITÃO – Por minha causa?
MARICOTA – Sim.
CAPITÃO – E é também por
minha causa que procura o gato?
MARICOTA – É, sim!
CAPITÃO – Essa agora é
melhor! Explique-se...
MARICOTA, à parte – Em que
me fui eu meter! O que lhe hei de dizer?
CAPITÃO – Então?
MARICOTA – Lembra-se...
CAPITÃO – De quê?
MARICOTA – Da... da...
daquela carta que escreveu-me anteontem, em que me aconselhava que fugisse da
casa de meu pai para a sua?
CAPITÃO – E o que tem?
MARICOTA – Guardei-a na
gavetinha do meu espelho, e como a deixasse aberta, o gato, brincando, sacou-me
a carta; porque ele tem esse costume...
CAPITÃO – Oh, mas isso não é
graça! Procuremos o gato. A carta estava assinada e pode comprometer-me. É a
última vez que tal me acontece! (Puxa a espada e principia a procurar o gato.)
MARICOTA, à parte, enquanto
o capitão procura – Puxa a espada! Estou arrependida de ter dado a corda a este
tolo. (O capitão procura o gato atrás de Faustino, que está imóvel; passa por
diante e continua a procurá-lo. Logo que volta as costas a Faustino, este mia. O
capitão volta para trás repentinamente. Maricota surpreende-se.)
CAPITÃO – Miou!
MARICOTA – Miou?!
CAPITÃO – Está por aqui
mesmo. (Procura.)
MARICOTA, à parte – É
singular! Em casa não temos gato!
CAPITÃO – Aqui não está.
Onde, diabo, se meteu?
MARICOTA, à parte – Sem
dúvida é algum da vizinhança. (Para o capitão:) Está bom, deixe; ele aparecerá.
CAPITÃO – Que o leve o demo!
(Para Maricota:) Mas procure-o bem até que o ache, para arrancar-lhe a carta.
Podem-na achar, e isso não me convém. (Esquece-se de embainhar a espada.) Sobre
esta mesma carta desejava eu falar-te.
MARICOTA – Recebeu minha
resposta?
CAPITÃO – Recebi, e a tenho
aqui comigo. Mandaste-me dizer que estavas pronta a fugir para minha casa; mas
que esperavas primeiro poder arranjar parte do dinheiro que teu pai está
ajuntando, para te safares com ele. Isto não me convém. Não está nos meus
princípios. Um moço pode roubar uma moça – é uma rapaziada; mas dinheiro é uma
ação infame!
MARICOTA, à parte – Tolo!
CAPITÃO – Espero que não
penses mais nisso, e que farás somente o que te eu peço. Sim?
MARICOTA, à parte – Pateta,
que não percebe que era um pretexto para lhe não dizer que não, e tê-lo sempre
preso.
CAPITÃO – Não respondes?
MARICOTA – Pois sim. (À
parte:) Era preciso que eu fosse tola. Se eu fugir, ele não se casa.
CAPITÃO – Agora quero sempre
dizer-te uma coisa. Eu supus que esta história de dinheiro era um pretexto para
não fazeres o que te pedia.
MARICOTA – Ah, supôs? Tem
penetração!
CAPITÃO – E se te valias
desses pretextos é porque amavas a...
MARICOTA – A quem? Diga!
CAPITÃO – A Faustino.
MARICOTA – A Faustino? (Ri
às gargalhadas.) Eu? Amar aquele toleirão? Com olhos de enchova morta, e pernas
de arco de pipa? Está mangando comigo. Tenho melhor gosto. (Olha com ternura para
o capitão.)
CAPITÃO, suspirando com
prazer – Ah, que olhos matadores! (Durante este diálogo Faustino está inquieto
no seu lugar.)
MARICOTA – O Faustino
serve-me de divertimento, e se algumas vezes lhe dou atenção, é para melhor
ocultar o amor que sinto por outro. (Olha com ternura para o capitão. Aqui
aparece na porta do fundo José Pimenta. Vendo o capitão com a filha, para e
escuta.)
CAPITÃO – Eu te creio,
porque teus olhos confirmam tuas palavras. (Gesticula com entusiasmo, brandindo
a espada.) Terás sempre em mim um arrimo, e um defensor! Enquanto eu for
capitão da Guarda Nacional e o Governo tiver confiança em mim, hei de
sustentar-te como uma princesa. (Pimenta desata a rir às gargalhadas. Os dois
voltam-se surpreendidos. Pimenta caminha para a frente, rindo-se sempre. O
capitão fica enfiado e com a espada levantada. Maricota, turbada, não sabe como
tomar a hilaridade do pai.)
Martins
Pena. Comédias. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.
Entendendo o texto:
01 – Considere as seguintes
afirmações sobre a obra de Martins Pena.
I – A peça “Judas em Sábado
de Aleluia” distingue-se pela apologia dos rituais religiosos.
II – Em “Juiz de Paz na
Roça”, é apresentada uma visão da sociedade fluminense da primeira metade do
século XIX.
III – Os aspectos burlescos,
as situações equivocadas e os disfarces são recorrentes na produção teatral
desse autor.
Quais estão corretas?
a)
Apenas I.
b)
Apenas II.
c)
Apenas III.
d)
Apenas II e III.
e)
I, II e III.
02 – Assinale a alternativa
que completa corretamente o enunciado a seguir.
A obra de Martins Pena, um
dos mais autênticos e originais escritores românticos:
a)
Apresenta, sobretudo no drama, recursos
cênicos sofisticados e inovadores, adequados às exigências do público do século
XIX.
b)
Traduz-se, em alguns casos, como sátira aos
costumes rurais, utilizando-se de tipos rústicos, oriundos do interior
paulista.
c)
Traduz, nas comédias urbanas, toda a
complexidade social e humana das elites republicanas.
d)
Tem como tema dominante, tanto na
comédia urbana quanto na rural, o amor contrariado.
e)
Imprime, à comédia nacional, assuntos, tipos,
expressão e caráter herdados da comédia francesa.
03 – (ESAN-RN) Martins pena
é considerado um dos criadores do teatro romântico brasileiro. Escreveu:
a)
Comédias em verso, filiada à mais pura
tradição vicentina, versando situações cômicas universais.
b)
Comédias em prosa, de ação rápida,
em linguagem coloquial, ricas de significado humano.
c)
Tragédias em verso, inspiradas em problemas
universais e ricas de significado humano.
d)
Dramas inspirados em episódios do Brasil,
enriquecidos de incidentes fictícios.
e)
Dramas de crítica social, inspirados na
observação dos costumes regionais brasileiros.
04 – Você começou a ler a
peça pelo final da cena IV. Apesar de desconhecer o início da conversa entre
Faustino e Maricota, é possível supor algumas coisas.
a)
Que ligação parece haver entre ambos?
Os dois parecem ser namorados ou parecem trocar confidências sobre
seus sentimentos.
b)
Que sentimento cada um expressa para o outro?
Maricota revela-se decepcionada, e Faustino manifesta seu desejo de
ser perdoado.
c)
Maricota parece sincera na expressão de seus
sentimentos? Em que se baseia sua resposta
Não. Parece não sentir a dor que menciona, pois, enquanto Faustino
se ajoelha, ela ri.
05 – Maricota fica assustada
quando batem à porta.
a)
Que atitude ela toma?
Maricota sai da sala e deixa Faustino só, recomendando-lhe que vá
embora.
b)
Essa atitude soa verossímil ao público?
Explique sua resposta.
Não, pois não é comum o anfitrião retirar-se, abandonando uma visita
quando chega alguém.
c)
Que explicação pode ser dada para essa
reação?
Pode-se imaginar que Maricota não sabe como sair da situação
embaraçosa de ter diante de si, ao mesmo tempo, dois pretendentes cujos
sentimentos ela encoraja.
06 – Por que você julga que
Faustino é levado a esconder-se, fazendo-se passar pelo boneco de judas, e não
a ir embora?
Porque o Capitão está à porta e ele não
tem como sair sem ser visto.
07- Ao retornar à sala, sem
saber se Faustino foi ou não embora, Maricota está receosa.
a)
Que relacionamento parece haver entre ela e o
Capitão? Que elementos do texto comprovam sua resposta?
Eles parecem manter um namoro. Ele segura a mão dela, reclama da
indiferença com que é recebido e fala de uma carta em que sugere que ela fuja
de sua casa para a dele.
b)
Por que Maricota diz ao Capitão que estava
procurando o gato?
Para justificar o fato de estar olhando para os lados e não dar
total atenção a ele.
08 – Da mesma forma que
oculta suas intenções de Faustino, Maricota também as oculta do Capitão. Como o
público toma conhecimento disso?
A simulação de
Maricota é percebida quando, à parte, ela diz: “Estou arrependida de ter dado a
corda a este tolo.”
09 – O trecho que você leu
esclarece a intenção de Maricota ao manter simultaneamente um namoro com
Faustino e com o Capitão?
Não.
10 – Uma narrativa é
composta por: ação, personagens, tempo, espaço e narrador. O teatro
frequentemente dispensa o narrador. De que forma esse elemento é substituído?
O narrador é substituído pelas falas
diretas das personagens.
11 – As falas das
personagens têm um componente importante: a entonação. Releia a sequência
abaixo.
“FAUSTINO
– Maricota...
MARICOTA
– Fui bem desgraçada em dar meu coração a um ingrato!
FAUSTINO,
enternecido – Maricota!
MARICOTA
– Se eu pudesse arrancar do peito esta paixão...”
a)
A fim de que o público perceba o sentimento
expresso pala personagem Maricota, descreva como deve ser a entonação dessas
falas.
Maricota deve falar com uma entonação que revele dissimulação, deve
reforçar um tom que sugira grande dor, ao mesmo tempo que esta pareça muito
exagerada para a situação.
b)
No texto da peça, há indicações para a
entonação dessas quatro falas?
Apenas na terceira fala, há a rubrica “enternecido”.
c)
De que forma o diretor sabe a entonação que
deve solicitar ao ator?
Com base no sentido global da peça e nas indicações das rubricas.
d)
A compreensão que o diretor da peça tem do
texto e a consequente orientação que ele dá ao ator influenciam a compreensão
que o público tem da apresentação? Explique sua resposta.
Sim. O público compreende a peça com base naquilo a que assiste, que
é fruto do trabalho do diretor e dos atores.
Que ligação parece haver entre Faustino e Maricota?
ResponderExcluirUm romance
ResponderExcluirMuito obrigado me ajudou muito
ResponderExcluirQue atitude ela toma ?essa atitude soa verossímil ao público?explique
ResponderExcluirMuitoooo obrigadooooooo valeuuuu....
ResponderExcluirCom base na leitura desse fragmento, o que você imagina que acontecerá até o final da peça
ResponderExcluirConsiderando os trechos que você leu, explique os possíveis sentidos do título o Judas em sábado de aleluia
ResponderExcluirQuais foram todos os conflitos?
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