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segunda-feira, 22 de outubro de 2018

TEXTO: ONZE HOMENS CERCAM MULHER NA MADRUGADA - MARILENE FELINTO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Texto: Onze homens cercam mulher na madrugada
                 MARILENE FELINTO – DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

      Foram ao todo onze homens para uma única mulher, numa única madrugada. "Você pensa que essas coisas nunca vão acontecer com você", a frase típica da mentalidade estreita das classes favorecidas, incapazes de entender que a vida são os acidentes, os imprevistos do meio do caminho. Não é necessário muita filosofia. Uma simples frase de letra de música de John Lennon diz: "a vida é o que lhe acontece enquanto você está ocupado fazendo outras coisas."
        Foram onze homens ao todo numa única madrugada. O carro pifou de repente, às duas da manhã na rua deserta, do bairro de classe média. A mulher teve um arrepio de horror: é agora que vou ser estuprada. O carro não respondia, acusando o defeito insondável.
        São Paulo, gigantesca, ganhava dimensões assustadoras no eco silencioso da madrugada. O carro, pedaços e partes de lata, ferro e fluidos incompreensíveis, não respondeu.
        A mulher desceu, só. Nessas horas, dependendo da mulher que se é, não haverá um homem a seu lado. O dela estava longe, no estrangeiro. Isso dava a exata noção de sua pior solidão. Quando olhava ao redor procurando sinal de vida, sentiu um início de desespero.
        O carro, mudo, tinha virado um poste de concreto, um pedaço de asfalto, matéria inanimada que antes, funcionando, não parecia – o carro antes parecia gente, um homem grande, que a trazia de volta para casa a salvo. Dele dependia sua segurança pessoal, sua integridade física, sua vida.
        Era um desses casos de defeituosa inserção da tecnologia no domínio global da vida: o crescimento das grandes cidades, a escravização do homem pela máquina, a desorganização social.
        Ela seria estuprada em plena rua na madrugada.
        Mas logo reagiu. Afinal, sempre tinha sido assim. Diante dos supostos perigos noturnos ela tinha, desde menina, desenvolvido fortalezas internas. Sua vida real, na época, era tão ruim que ela não temia sombras ocultas no escuro.
        Sempre enfrentou com desassombro os fantasmas que povoavam a infância. Aprendeu cedo a achar aquilo tudo mentira, pura mentira. Aprendeu cedo a achar que nada podia ser pior do que a própria vida real e as próprias pessoas.
        Os primeiros homens para quem acenou por ajuda vinham numa motocicleta. Ela não viu que havia um terceiro a segui-los de carro. Pararam, um deles meio bêbado. Tentaram o tranco, sem violência.
        Os três seguintes estavam juntos num carro de luxo, que ela avistou de longe. Pararam. Um deles até ofereceu o celular, se ela quisesse pedir ajuda.
        Os outros três eram feirantes já montando barracas para a feira do dia. Um deles, negro, fingiu-se de aleijado, saltitando numa perna só, ao perceber que ela vinha pedir ajuda. Ela riu. Os três empurraram o carro ao longo do trecho final.
        Os últimos foram o porteiro e o zelador, que terminaram de acomodar o carro na garagem. Sentindo-se uma rainha, ela reprimiu o desejo de beijar na boca todos aqueles homens, gentis servos da noite. Afinal, arre! Como dizia um poeta, ela estava farta de semideuses. Havia enfim, gente nesse mundo até possível.
                                         Marilene Felinto. Folha de São Paulo, 16 de abril de 1996.
Entendendo o texto:

01 – O título tem caráter sensacionalista. Explique.
      O título, através do vocabulário, chama a atenção do leitor de forma sensacionalista.

02 – A aventura que vai ser narrada tem sua apresentação no 1° parágrafo: de início, a autora repete as informações que já foram dadas no título e, em seguida, induz o leitor a refletir sobre o acontecido.
        Que adjuntos adnominais da primeira oração contribuem para aumentar o suspense?
       “Onze” e “única”.

03 – Do segundo parágrafo em diante, o leitor passa a assistir ao filme: cena após cena. Você concorda com a metáfora – filme – estabelecida para a crônica de Marilene Felinto? Argumente sua resposta.
      Sim. A cada parágrafo há descrição de cenas passadas pela mulher, de forma a lembrar em filme.

04 – Na maior parte do texto, o leitor está convicto de que a mulher vai ser violentada.
a)Que trecho mostra que essa convicção se desfaz?
      “Tentaram o tranco, sem violência”.

b) Uma interjeição completa o alívio do leitor. Por que o leitor se sente aliviado?
      Nesse momento, encerra-se a aflição da mulher e o problema é finalmente resolvido.

c) Diante de tanto desespero da mulher, que fato justifica o seu riso, no penúltimo parágrafo? Explique.
      Ela percebe que as suposições dela de que seria agredida eram somente fruto de sua imaginação.

05 – Para a mulher mostrada no texto, que importância tinha a “inserção da tecnologia”? Justifique sua resposta.
      A importância de a tecnologia poder ser ou não responsável pelos defeitos do carro.

06 – No 3° parágrafo, é feita uma comparação entre um homem e um carro. Que aspectos tornam possível essa comparação. Explique.
      A presença de fluídos e a possibilidade de se ter “respostas”, qual um ser humano.

07 – Explique o trecho final do texto: “Havia enfim, gente nesse mundo até possível.”
      No mundo, há pessoas generosas, confiáveis, que ajudam outras em momentos de dificuldades.

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